O ministro da Administração do Território, Bornito de Sousa, que coordena as eleições, rejeitou hoje qualquer incompatibilidade legal com a sua indicação pelo MPLA, para a vice-Presidência da República. Não se trata da lei (que o regime só usa quando dá jeito), mas de moral, de ética, de seriedade cívica e política.
“N ão há nenhuma incompatibilidade legal ou Constitucional para esta situação, e eu diria, se fossemos então no rigor de colocar suspeições para uma situação desta, no limite então os senhores deputados, por exemplo, teriam de se demitir agora, porque estivemos a ver legislação eleitoral”, ironizou.
Bornito de Sousa teima, julgando que somos todos matumbos, que é a mesma coisa legislar ou conduzir o processo eleitoral. Para ele, nesta circunstância, é legal “dormir” com o José Maria ou com a Maria José. Mas não é assim. Já nos basta que o regime ponha corruptos a combater a corrupção.
O governante falava à imprensa no final de um encontro com os partidos políticos, para o balanço das actividades realizadas na segunda fase do processo de registo eleitoral, no qual foi levantada a questão de ser ministro e segundo nome da lista do MPLA às eleições gerais previstas para Agosto próximo.
Bornito de Sousa precisou que não existe nenhuma interferência sua no processo de actualização do registo eleitoral, cuja segunda fase e última fase decorre até ao dia 31 de Março. Quem quiser que acredite.
“O processo é suficientemente transparente e não há intervenção humana, o operador está lá no sítio em que estiver, faz o registo e os dados entram directamente, o ministro da Administração do Território não tem nenhuma interferência neste processo, portanto, o processo é suficientemente transparente e devemos estar claros sobre isso, não há dúvidas sobre isso”, disse.
Partidos políticos da oposição têm levantado constantemente suspeições por entenderem que o registo eleitoral não deveria ser realizado por um órgão da administração pública, como o Ministério da Administração do Território, defendendo a realização do mesmo por um órgão independente, a Comissão Nacional Eleitoral (CNE).
Na sexta-feira, Bornito de Sousa foi indicado, durante a reunião do Comité Central do MPLA, o segundo nome da lista às eleições gerais previstas para Agosto e consequentemente candidato à vice-Presidência da República, encabeçada pelo ministro da Defesa, João Lourenço.
Recordemos, por exemplo, que ministro Bornito de Sousa emitiu a 8 de Setembro do ano passado a Circular n.º 3210.00.01, que proíbe os brigadistas de fornecer dados do Registo Eleitoral aos fiscais dos partidos políticos.
Assim sendo, Bornito de Sousa viola o artigo 60.º da Lei do Registo Eleitoral, que confere aos fiscais o direito de “obter informações sobre os actos de registo presencial e sobre o seu progresso”. Neste caso, entenda-se, a lei nada conta.
A acusação foi feita no dia 26 de Outubro pelo presidente da UNITA, Isaías Samakuva, que realizou um balanço, que caracterizou como “altamente negativo”, sobre os então 60 dias do processo de Registo Eleitoral.
“Nos primeiros dias, com base nesse direito, os fiscais solicitavam e as brigadas forneciam o número de registos efectuados em cada dia”, disse Samakuva em conferência de imprensa, onde fez uma avaliação do desempenho dos órgãos envolvidos na organização, execução, fiscalização e supervisão do registo presencial.
O líder da UNITA explicou que a fiscalização dos partidos políticos, tal como está concebida, é mais uma observação formal e está limitada aos actos de recolha de dados.
A fiscalização dos partidos políticos, disse Isaías Samakuva, “não impede os actos de recolha coerciva de cartões de eleitor, nem a obstrução do direito de registo, nem outros ilícitos do registo eleitoral, praticados fora dos locais de registo e previstos no artigo 39.º da Lei n.º 8/15”.
Samakuva afirmou que de igual modo, a fiscalização não abrange o tratamento da informação recolhida pelo Executivo nem incide sobre os programas informáticos que o Executivo utiliza na produção das bases de dados.
“Portanto, os partidos políticos não têm poderes de verificação ou de auditoria dos ficheiros que o executivo produz nem poderes de prevenir ou detectar crimes eleitorais com os dados que recolhe”, disse.
À Comissão Nacional Eleitoral (CNE) não foi atribuída recursos para fiscalização do processo do Registo Eleitoral, que está a ser realizado pelo Executivo através do seu ministério da Administração do Território.
A afirmação também foi feita pelo presidente da UNITA, que caracterizou a CNE, em comparação com os fiscais dos partidos políticos, como a entidade supervisora que “pode ter poderes de fiscalização mais amplos sobre o processo todo de registo”.
“Mas sabendo disso, o Executivo não atribuiu recursos para a CNE fazer o seu trabalho. Ao invés de dizer isso aos cidadãos, ouvimos o Senhor Presidente da CNE (André da Silva Neto) vir a público criticar os partidos políticos por não estarem presentes nos postos de recolha de dados, esquecendo-se que a fiscalização pelos partidos políticos não é uma obrigação, é uma faculdade. Esqueceu-se ainda o senhor Presidente da CNE que a entidade supervisionada pela CNE é o Executivo, que é a entidade registadora, e não os partidos políticos”, disse Samakuva.
A UNITA defende que o presidente da CNE “sabe muito bem que a fiscalização dos actos de recolha de dados é uma gota quase insignificante no processo de controlo do processo de registo eleitoral. Sabe ou devia saber que as grandes infracções à lei do registo eleitoral são cometidas por agentes do partido-estado, fora dos locais de registo, e, por isso, escapam à fiscalização formal dos partidos políticos. Mas não escapa ao controlo e à vigilância do povo eleitor”.
Samakuva esclareceu que a Lei manda a CNE, enquanto supervisora do registo eleitoral, conhecer e participar as infracções ao Ministério Público.
O líder da UNITA exigiu o cessar de actos que chamou de “crimes eleitorais”, acusando que são “concebidos, ordenados ou praticados com dolo por titulares de cargos públicos e dirigentes políticos, designadamente o Titular do Poder Executivo, o Ministro da Administração do Território e dirigentes locais do Estado e do Partido MPLA”.
“Os crimes, todos eles documentados, estão previstos e são puníveis nos termos do artigo 39.º da Lei do Registo Eleitoral Oficioso (Lei n,º 8/15, de 15 de Junho). Tratam-se dos crimes de obstrução à actualização do registo dos cidadãos, previsto na alínea c), violação dos deveres relativos ao registo, previsto na alínea i), recolha coerciva de cartões de eleitor, previsto na alínea h) e o crime acesso ilegítimo, previsto na alínea l). Vamos começar com este último, acesso ilegítimo”, disse.
“Exigimos que estas práticas ilícitas praticadas pelas estruturas do MPLA parem imediatamente. Se não pararem, seremos forçados a dirigir a povo a tomar medidas adequadas para parar com elas. Se o Presidente da República persistir em afrontar a soberania popular e não for capaz de garantir a integridade do processo, sua lisura e transparência, então estas terão de ser garantidas pelo próprio soberano, o povo angolano,” disse.