A Welthungerhilfe (Auxílio à fome no mundo), prestigiada organização alemã, anunciou no passado dia 11 de Outubro, em Berlim, o seu Índice Global da Fome 2016.
Por Rui Verde (*)
A boa notícia é que o Índice da Fome decresceu 29 por cento desde 2000, e a organização admite ser possível erradicar a fome no mundo no ano 2030.
A má notícia é que Angola é o país em pior situação, no contexto dos países africanos de língua portuguesa: pior que a Guiné-Bissau (ver notícia do Folha 8: “Lideramos a fome nos PALOP” de 12 de Outubro). No mundo lusófono, apenas fica acima de Timor-Leste. E na escala mundial situa-se entre a Etiópia e o Djibouti, e bastante abaixo de países desgovernados, como o Zimbabué ou a Guiné-Bissau. Da análise da evolução do índice em Angola, verifica-se que teve uma evolução razoável entre 2000 e 2008, mas a partir desse ano as melhorias foram muito pouco significativas.
Uma comparação interessante é com a evolução do PIB angolano no mesmo intervalo temporal. Entre 2008 e 2015, o PIB aumentou de 84 biliões de dólares para 102 biliões de dólares, uma subida de 22 por cento, e o PIB per capita subiu de 3,020 dólares para 4,180 dólares, um acréscimo de 39 por cento. Face a estes números, facilmente se percebe que a razão da existência de um problema gravíssimo de fome em Angola não é económico, nem natural. É político e institucional.
Há fome em Angola devido à natureza do sistema político e, sobretudo, pelo facto de o seu funcionamento assentar massivamente na corrupção.
Muitos intelectuais não têm pudor em alegar que a corrupção é um fenómeno cultural e comum em África, e que a corrupção facilita as trocas e o desenvolvimento de uma burguesia nacional poderosa. Por exemplo, Ha-Joon Chang, da Universidade de Cambridge, que por vezes tem umas posições muito interessantes noutros assuntos, defende que a corrupção é moralmente censurável mas que por vezes pode ter efeitos positivos, criando emprego e rendimento, e que outras vezes tem efeitos negativos, quando os seus frutos são colocados a render num banco suíço.
Ha-Joon conclui que as consequências económicas da corrupção dependem das decisões que o próprio acto de corrupção afecta. Como exemplo de corrupção benévola, Ha-Joon refere a Indonésia; para o impacto negativo, refere o Zaire. Estas teorias relativistas da corrupção boa e má também são defendidas por alguns teóricos marxistas do neocolonialismo, que vêem no combate à corrupção apenas uma forma de os países ocidentais condicionarem as antigas colónias com um código cultural que não é o deles (ver, por exemplo, V. Vakruchev).
Estas teses acabam, em primeiro lugar, por relativizar a corrupção, depois por banalizá-la e finalmente por aceitá-la. Tudo isto está errado, quer do ponto de vista moral, quer do ponto de vista económico.
Veja-se a situação de Angola. Em Angola, a corrupção tem um custo enorme que em última análise explica a pobreza e a fome que devastam a sua população. E como afirmou recentemente Rafael Marques, “em Angola a corrupção mata. E mata porque a população é privada de recursos básicos para sua subsistência, para sua sobrevivência”.
Este é o ponto essencial que queremos focar: existe uma relação directa de causa e efeito entre corrupção e fome, e em Angola a corrupção de facto mata.
Esta afirmação é defensável por duas razões essenciais, explicáveis por recurso aos conceitos básicos da economia.
A primeira ideia a considerar é a de custo de oportunidade. Este é o nome que se dá ao valor da opção não realizada. Por exemplo, se eu tenho que estudar para um exame e prefiro ir comer um gelado em vez de estudar, o custo da minha opção é não estudar e chumbar no exame. Como gelado, não estudo, chumbo.
A um nível macroeconómico, passa-se o mesmo. De um lado, temos a falta de hospitais, escolas, alimentos, toda a desgraça social de que padece a população angolana e que está reflectida nos vários índices mundiais, em que Angola surge na cauda em áreas tão prementes como a mortalidade infantil, os cuidados de saúde ou a fome. Do outro lado, temos os biliões incalculáveis desviados pela corrupção. Em 2012, o FMI anunciou que tinham desaparecido 25 biliões de dólares das contas do tesouro angolano. Depois parece que apareceram umas justificações, mas o certo é que este número poderá ser um indício dos valores desaparecidos. Muitos e muitos biliões de dólares foram desviados de forma ilegal através de actos corruptos. Se, ao invés, fossem investidos pelo Estado angolano e na economia angolana, serviriam para construir hospitais, escolas, formar médicos e professores, e combater a pobreza.
Além disto, é do conhecimento geral que uma boa parte dos “investimentos” angolanos e do dinheiro está colocado em off-shores ou em empresas portuguesas, não contribuindo em nada para o progresso de ambos os países, e apenas beneficiando meia dúzia de indivíduos e empresas.
Além do custo de oportunidade, temos outra questão: a eficiência. Os recursos que sobram depois da rapina corruptora não são aplicados de forma eficiente, devido à uma democracia deficitária e à falta de transparência do sistema político.
A eficiência implica que, face a determinados recursos empregues, se obtenham os melhores resultados. Ora, quando a decisão e gestão dos recursos não é se rege por critérios de eficiência, mas somente para ir ao encontro do interesse de A ou B, do filho ou do sobrinho, que foram corrompidos ou receberam comissões, então não existe qualquer eficiência. Um hospital que custaria 100 em tijolos, vai custar 200 em tijolos, porque os tijolos têm de ser comprados ao filho A. Um fundo soberano que investiria em empresas lucrativas e traria lucros, perde dinheiro porque investe em hotéis de amigos e em empresas obscuras no Sul da Rússia.
Não restam dúvidas de que a corrupção está ligada à fome e de que a corrupção mata. Quando o dinheiro gasto em corrupção tem um elevado custo de oportunidade, quando é investido sem eficiência, é a população quem sofre e paga.
Por todas estas razões, se não mudar de presidente da República e de Governo, de oligarquia dominante, Angola nunca conseguirá acabar com a fome e com o subdesenvolvimento. Não é uma questão de falta de recursos, é puramente uma questão política.
(*) Maka Angola
Foto: Folha 8