Regime trata deputados como se fossem criminosos

O Presidente do MPLA profere o anual discurso sobre o Estado da (sua) Nação na segunda-feira, 17 de Outubro, na sede da Assembleia que deveria ser, mas não é, Nacional. Assim começará a quinta sessão legislativa da III legislatura reinante.

Desta vez existe mais uma das inovações típicas do regime, não tendo sido possível ao Folha 8 descobrir se a perspicácia dos acólitos do MPLA é original ou uma mera cópia do que é praticado nas mais avançadas democracias do mundo e que, como se sabe, são uma bússola para José Eduardo dos Santos: Coreia do Norte e Guiné-Equatorial.

A verdade é que, deste feita, os deputados (eleitos pelos votos dessa espécie que o regime considera menor – os angolanos) não poderão entrar na (mal)dita Casa da Democracia – a Assembleia Nacional, com telemóveis, computadores, blocos de notas, folhas de papel.

Já será uma especial condescendência de José Eduardo dos Santos permitir que os deputados, sobretudo os da Oposição, entrem vestidos. É claro que, por questões de segurança, serão minuciosamente revistados.

Sabendo-se que José Eduardo dos Santos até teme que a sua própria sombra lidere uma tentativa de golpe de Estado, todas as medidas de segurança são compreensíveis. De acordo com o seu staff, as novas tecnologias permitem que – por exemplo – uma esferográfica BIC (sobretudo se for azul) se transforme facilmente num míssil de enorme capacidade destrutiva e de efeitos colaterais assustadoramente letais.

A Oposição está, entretanto, a procurar consenso sobre a reacção a tomar em relação a este impedimento (ausência total e inequívoca de qualquer material de apoio) que, de facto, os considera “terroristas” ou ”malfeitores” que poderão atentar contra a vida do “querido líder”.

A possibilidade de pura e simplesmente não comparecerem à cerimónia solene é a mais consensual. Outra aponta para que estejam presentes na Assembleia Nacional, mas fora da “zona de guerra” onde falará Sua Excelência o Presidente (nunca nominalmente eleito e há 37 anos no poder).

Assim esta será, previsivelmente, a última sessão legislativa antes das eleições gerais de 2017, que se deverão realizar em Agosto próximo. E, como marco histórico, nada como ficar registado que os deputados foram tratados como delinquentes e, por isso, impedidos de ter em seu poder os mais comezinhos instrumentos de trabalho: telemóveis, computadores etc..

De acordo com a Constituição do MPLA, na sessão de abertura de cada novo ano parlamentar (neste caso 2016-2017), o Presidente da República dirigirá, na sede da Assembleia Nacional, uma mensagem sobre o Estado da Nação. Ingenuamente admite-se que possa falar do país real e não apenas da Nação que José Eduardo dos Santos imagina que existe.

A convocatória para a sessão solene de 17 de Outubro prevê igualmente a intervenção do presidente da Assembleia Nacional, Fernando da Piedade Dia dos Santos.

Recorde-se que o ano passado, uma “indisposição momentânea” impediu o Presidente José Eduardo dos Santos, de se deslocar à Assembleia Nacional, tendo o vice-presidente, Manuel Vicente, dirigido em seu lugar a referida mensagem.

Aqui pode, aliás, residir a matéria de facto que leva ao impedimento de os deputados usarem os seus habituais meios tecnológicos de apoio. É que, tal como a democracia, os telemóveis e os computadores causam “indisposição” ao Presidente.

Em 2013, no mesmo discurso, o Presidente afastou a concretização de uma parceria estratégica com Portugal e no ano seguinte a realização, para já, das primeiras eleições autárquicas no país.

A situação de crise em Angola, devido à quebra nas receitas da exportação de petróleo, bem como o quadro eleitoral do país, são temas aguardados no discurso de José Eduardo dos Santos, certamente mais uma vez vocacionado para passar um atestado de menoridade intelectual aos angolanos, desta vez começando pelos próprios deputados.

Em Março, na abertura da 11.ª reunião ordinária do Comité Central do MPLA (partido no poder desde a independência) MPLA), José Eduardo dos Santos anunciou a intenção de abandonar a vida política activa.

“Em 2012, em eleições gerais, fui eleito Presidente da República e empossado para cumprir um mandato que nos termos da Constituição da República termina em 2017. Assim, eu tomei a decisão de deixar a vida política activa em 2018”, anunciou José Eduardo dos Santos.

Contudo, já em Agosto, acabaria por ser reeleito presidente do partido, não sendo ainda conhecido em que moldes será feita a anunciada transição.

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