Uma comissão envolvendo onze ministérios vai estudar formas de “massificar” o acesso da população ao registo de nascimento e à emissão do Bilhete de Identidade, segundo um decreto presidencial. À cabeça deste organismo estará o Ministro da Justiça e dos Direitos Humanos, Rui Mangueira, que em 2013 tinha anunciado uma campanha de três anos, para promover o registo civil gratuito da população, tendo como meta atingir oito milhões de cidadãos angolanos.
A criação desta comissão interministerial, refere o decreto presidencial, que entrou em vigor de no dia 5 de Setembro, visa nomeadamente “fazer face ao actual problema de acesso ao registo de nascimento, identificar os constrangimentos e melhorar o sistema de registo de nascimento”.
A falta de informação sobre o registo civil, as dificuldades logísticas, de pessoal e as grandes distâncias que a população tem de percorrer para aceder a estes serviços são factores de constrangimento relatados publicamente.
A análise das condições de funcionamento dos órgãos responsáveis pelo registo de nascimento e pela emissão do BI, “avaliando as suas estruturas, o quadro de pessoal, a capacidade de deslocação, os equipamentos e os sistemas de informação e de fiscalização”, serão competências da Comissão Interministerial, que estará em funções até Setembro de 2017.
“Criar condições para melhorar o sistema actual de registo de nascimento e de emissão do Bilhete de Identidade, através da sua expansão a todo o território nacional e da sua implementação nas unidades de saúde”, lê-se ainda no decreto.
Para além do Ministério da Justiça e dos Direitos Humanos, a comissão envolverá ainda os ministérios da Defesa, Interior, Finanças, Administração do Território, Planeamento e Desenvolvimento Territorial, Assistência e Reinserção Social, Saúde, Telecomunicações e Tecnologias de Informação, Comunicação Social e Relações Exteriores e terá de apresentar resultados trimestralmente ao Presidente José Eduardo os Santos.
Ao contrário da emissão do cartão de militante do MPLA, que do ponto de vista da funcionalidade prática do quotidiano vale mais do que o BI, já que este nos coloca todos em pé de igualdade e o primeiro separa os angolanos de primeira dos outros, não é fácil obter o Bilhete de Identidade.
Mas o BI é mais uma extensão do cartão do partido do que qualquer outra coisa. Essa estratégia de culto ao chefe que leva o país a ter no Bilhete de Identidade de Cidadão Nacional, as efígies de Agostinho Neto e José Eduardo dos Santos, por sinal, dois presidentes do MPLA, que foram – reconheçamos – competentemente incompetentes na criação de símbolos verdadeiramente nacionais, mostra a incomensurável distância a que estamos de um verdadeiro Estado de Direito.
A inclusão de uma imagem dos dois dirigentes do MPLA nos Bilhetes de Identidade viola os princípios da democracia, mas como esta foi – no dizer de Eduardo dos Santos – imposta, nem tem validade para quem, por vontade própria, excluiria a efígie do primeiro presidente, tão certo está da sua eternidade.
Para mascarar as “fotos máscaras” na banda óptica do Bilhete de Identidade, foi dado um ar de legalidade através da Lei nº 4/09, feita à medida e por medida, sobre o regime jurídico da identificação civil e da emissão do Bilhete de Identidade do cidadão nacional.
Segundo a sui generis explicação daquele que foi Director Nacional do Arquivo de Identificação Civil e Criminal, Irondino Pinheiro Muxiri, a legalidade resulta da alínea j) do nº2 do artigo 8º, da mesma Lei, onde consta que existirá no BI foto máscaras na banda óptica com representações gráficas de segurança.
Ora, na mais reaccionária e fraccionista prova do autocrático regime que por cá impera, o Ministério da Justiça, como entidade proponente, escolheu, à semelhança do que acontece nas notas do Kwanza, as fotografias do fundador da Nação, Agostinho Neto, e do actual Presidente de Angola, José Eduardo dos Santos, que serviram de referência.
Na ânsia de mostrar a justeza, mas sobretudo a legalidade da decisão anacrónica que é motivo de chacota nos países civilizados, refere-se que o projecto-lei foi aprovado em Conselho de Ministros e motivo de ovação (consta que até foi ouvida na África do Sul) por parte dos deputados na Assembleia Nacional.
Assim, se o Governo do MPLA e os deputados do MPLA aprovaram a existência das foto máscaras dos dois presidentes do… MPLA, se o MPLA entende que Angola é o MPLA, o regime não vê razões para alterar a situação.
O Ministério da Justiça justifica que o nosso BI poderá no futuro transformar-se numa galeria de imagens (certamente estarão na linha de partido Isabel dos Santos bem como todos os elementos do clã presidencial), à semelhança do que acontece com o “green card”, nos EUA, onde constam as fotos dos anteriores presidentes e do actual, Barack Obama.
Não dizem, contudo, que o “green card” (literalmente “cartão verde”), oficialmente United States Permanent Resident Card (“Carta de Residência Permanente nos Estados Unidos”) é um visto permanente de imigração concedido pelas autoridades daquele país e não um Bilhete de Identidade nacional.