Sua majestade o rei de Angola, José Eduardo dos Santos, incumbiu a nova administração da Sonangol, liderada pela princesa herdeira do trono, a sua filha Isabel dos Santos, de reorganizar a carteira de negócios da petrolífera estatal (leia-se do regime) angolana e suas subsidiárias.
A informação consta do decreto assinado pelo rei, José Eduardo dos Santos, depois de ouvido o Presidente do MPLA (José Eduardo dos Santos) e o Titular do Poder Executivo (José Eduardo dos Santos), com data 3 de Junho, com a nomeação da nova administração da Sociedade Nacional de Combustíveis de Angola (Sonangol), empossada na segunda-feira.
“O Conselho de Administração ora designado deve implementar o modelo de reorganização da carteira de negócios da Sonangol EP, suas subsidiárias e participadas nos termos previstos no modelo de ajustamento à organização do sector dos petróleos”, lê-se no decreto assinado por José Eduardo dos Santos, nomeando Isabel dos Santos para o cargo de presidente do Conselho de Administração e administradora não executiva da petrolífera do regime que, desde sempre, funcionou como um off-shore privada do clã presidencial.
Em Portugal, a Sonangol tem participações directas e indirectas no Millennium BCP e na Galp, enquanto em Angola tem dezenas empresas do grupo em vários sectores de actividade, fora do petróleo.
Também tem actividades paralelas, como seja (entre muitas outras) o apoio financeiro – por baixo da mesa – à campanhas de Lula da Silva, no Brasil.
Segundo uma notícia do jornal Valor Económico, uma avaliação do comité de reestruturação da Sonangol – que Isabel dos Santos já integrava – encontrou um buraco de 50 mil milhões de dólares (44 mil milhões de euros) nas contas da empresa, o equivalente a metade de toda a riqueza produzida em Angola num ano (Produto Interno Bruto).
Confrontada pelos jornalistas na segunda-feira, após a tomada de posse, com este notícia – que alega discrepâncias entre os fundos recebidos e os investidos pela petrolífera, sobrevalorização de activos e contratos prejudiciais para o Estado -, Isabel dos Santos não se pronunciou.
A empresária, filha do rei e candidata ao trono explicou apenas que o modelo de reestruturação da Sonangol prevê a criação de uma holding operacional, outra de apoio e serviços logísticos e a função concessionária do sector petrolífero propriamente dito, com o objectivo de “aumentar a rentabilidade, a eficácia a transparência” da empresa.
“A reestruturação quer dizer o acontecimento destas três novas entidades”, disse Isabel dos Santos, pouco depois de tomar posse como nova presidente do Conselho de Administração, sem adiantar se o processo implica redução no número de trabalhadores, que ultrapassa os 9.000 em pelo menos 17 subsidiárias do grupo Sonangol.
Acrescentou que o “desafio nos próximos 100 dias” passa por “continuar a fazer o diagnóstico profundo” já iniciado, para “perceber melhor os ganhos de eficácia e eficiência que a empresa pode obter rapidamente”.
“O trabalho que vamos fazer é ver como é que nós podemos aumentar as margens de lucro, ou seja como podemos baixar os custos de produção. Para que seja mais barato produzir petróleo e haja mais lucro”, disse Isabel dos Santos.
Como presidente da Comissão Executiva – novo órgão entretanto criado pelo Governo do seu pai para a petrolífera do regime -, e administrador executivo, tomou posse Paulino Fernando de Carvalho Jerónimo, que transita do Conselho de Administração anterior, que era liderado desde 2012 por Francisco de Lemos José Maria, exonerado das funções quinta-feira pelo chefe de Estado angolano.
A nova equipa da Sonangol é composta ainda pelos administradores executivos César Paxi Manuel João Pedro, Eunice Paula Figueiredo Carvalho, Edson de Brito Rodrigues dos Santos, Manuel Luís Carvalho de Lemos, João Pedro de Freitas Saraiva dos Santos e Jorge de Abreu.
Conta ainda com os administradores não executivos José Gime, André Lelo e Sarju Raikundalia.
A petrolífera do regime de Angola apresentou uma queda de 34% na receita do ano passado, face a 2014, registando igualmente uma descida dos lucros na ordem dos 45%, atribuíveis principalmente à queda do preço do petróleo. A receita total da Sonangol em 2015 foi de 2,2 biliões de kwanzas (11,9 mil milhões de euros).
Recordemos parte do artigo “Sonanagol: o partido da monarquie dos Santos”, de Rafael Marques:
“Isabel dos Santos foi a raposa nomeada para cuidar do galinheiro que é a Sonangol. Vão-se as galinhas, vão-se os ovos, e ficam as penas e as cascas. Isabel dos Santos adora ovos. Aliás, começou a sua carreira empresarial a vender ovos. Agora já não precisa de pedir empréstimos à Sonangol, de pedir para pagar as suas contas e receber acções como oferta, por exemplo, as da GALP, que usa para ser a mulher mais rica de África. Isabel dos Santos já não precisa assaltar o galinheiro, porque se tornou dona do galinheiro.
José Eduardo dos Santos é um bom pai. É tirano e ladrão para o povo, mas é um bom pai. Angola é para os seus filhos. O que é de Angola é para os seus filhos. O que sobrar é para o MPLA e para os filhos dos tipos do MPLA. Sim, são tipos. Apenas celebram a corrupção, o poder da repressão. O MPLA é hoje apenas uma comissão de oportunistas ao serviço da família Dos Santos. O povo é o estrume que usam para fertilizar os seus esquemas de enriquecimento ilícito, de estatuto social, de esquemas mil. O MPLA é o partido que sustenta as raposas. Ou seja, o MPLA é um partido que apenas serve para atirar areia aos olhos do povo, para pedir o seu voto e para cafricar o povo quando este se manifesta descontente.
Anos atrás, um colega sul-africano, tendo tomado contacto com a realidade do interior de Angola, perguntou-me por que é que o país, com tantos recursos naturais e tanto potencial humano e de investimento estrangeiro, era tão mal gerido e tinha uma população tão pobre. Perguntou-me por que razão os dirigentes não faziam o mínimo esforço pela população.
Respondi com o seguinte exemplo:
Um grupo de bandidos torna-se bastante bem-sucedido em assaltar sempre o mesmo banco durante muitos anos. Os accionistas do banco decidem, para pôr cobro aos assaltos, nomear o líder do gangue como gestor do banco. Perguntei ao colega quais eram as probabilidades de o líder do gangue gerir bem o dinheiro dos clientes que toda a vida roubara. Entregar a gestão permanente do cofre aos ladrões seria uma solução funcional para se acabar com os roubos? Qual seria a motivação dos ladrões para deixarem de roubar e empreenderem uma boa gestão?
É isto que acontece actualmente: o presidente é ladrão e nomeia a sua filha ladra para gerir o maior cofre de Angola, a Sonangol. E nós, o povo, somos obrigados a acreditar que é para o bem da Sonangol, de Angola e dos angolanos. Mas ninguém acredita. Ainda assim, já há quem se prepare para enviar o currículo a Isabel dos Santos, procurando uma oportunidade de emprego e/ou de negócios. É a Sonangol que conferirá poder político a Isabel. O pai, José Eduardo dos Santos, colocou-a ali para esse efeito. A Sonangol, ou melhor, o controlo das receitas produzidas com a venda de petróleo, é o verdadeiro poder do presidente, que este agora transfere para a filha.
Angola passou efectivamente a ser uma monarquia, e o verdadeiro partido no poder é a Sonangol. O MPLA é apenas um símbolo, a história de que a família Dos Santos precisa para legitimar a monarquia que entretanto instituiu.
Como prova, o presidente praticamente ofereceu o segundo canal da TPA aos filhos José Paulino “Coréon Dú” e Welwitchia “Tchizé” dos Santos. Houve algum burburinho, é certo, mas passou depressa.
Tchizé foi para o parlamento, como deputada, cargo que acumulava com as funções de direcção na TPA. Falou-se disso, mas passou depressa. A primeira-dama também foi “eleita” deputada, mas suspendeu o mandato.
Veio então a grande nomeação. O presidente colocou o seu filho Filomeno José dos Santos a presidir o Fundo Soberano de Angola. Calaram-se as vozes. Os dirigentes do MPLA ficam à espera de oportunidades também para os seus filhos: estão unidos pelos votos da corrupção e do nepotismo. Os da oposição e os jovens como José Hata, Nelson Dibango ou Fernando Tomás (do Processo dos 17) levam porrada se refilarem.
Os filhos do povo vão para a cadeia se criticarem José Eduardo dos Santos. Os filhos do ditador têm direito a apossar-se do país. Esta é a realidade.
Qual é então a solução?
A solução é clara. José Eduardo dos Santos tem de ser pressionado a devolver o poder ao povo angolano. A sua família tem de largar o poder juntamente com JES. Mas remover apenas o líder é somente o início de um processo complexo.
O modelo de gestão corrupta e venal de José Eduardo dos Santos congrega um extraordinário apoio no seio do MPLA e da sociedade. É um modelo de vida fácil, de lotaria, de esquemas a que muitos angolanos se foram habituando e que os beneficiários e aspirantes a beneficiários querem manter.
Esse é o problema maior. Como mudar as consciências dos militantes do MPLA que se habituaram a apoiar o seu líder em troca de comida, de emprego, de estatuto social? Como convencer os militantes do MPLA, a força de choque de José Eduardo dos Santos, que há muito se perderam no caminho que os deveria conduzir à defesa dos interesses da pátria, da cidadania e de uma Angola melhor para todos? Como convencê-los de que continuam a viver no mundo da propaganda da TPA, da RNA, do Jornal de Angola, enquanto a maioria deles também vive no meio do lixo, com um sistema de saúde desumano e uma educação que aliena os seus filhos?
A culpa principal do estabelecimento da monarquia em Angola é do MPLA, dos seus militantes que protegem os abusos do presidente. A discussão começa aqui.”