Em Setembro de 2009, o então ministro da Educação de Angola, Burity da Silva, afirmou que “a construção da angolanidade deve ser edificada com a participação de todas as culturas existentes, sem critérios estereotipados de exclusão”.
Por Orlando Castro
P rova dessa tese, segundo o regime, continua a ser a comemoração do Dia do Herói Nacional em homenagem, pois claro, a António Agostinho Neto. Com 40 anos de independência, Angola continua a ser o MPLA e o MPLA continua a ser Angola.
Foi assim, é assim e – pelos vistos – assim será. Se o MPLA é Angola e Angola é o MPLA, herói nacional há só um, Agostinho Neto e mais nenhum. O lugar está hoje, embora de forma mais subtil, ocupado por José Eduardo dos Santos.
Quando o MPLA for apenas um dos partidos do país e Angola for um verdadeiro Estado de Direito, então haverá outros heróis. Isto porque, pensa o comum dos mortais, nenhum partido tem a exclusividade dos heróis. Ou será que tem?
O MPLA diz que tem.
Até lá, os angolanos continuarão sujeitos à lavagem do cérebro de modo a que julguem que António Agostinho Neto foi o único a dar um contributo na luta armada contra o colonialismo português e para a conquista da independência nacional.
O dia 17 de Setembro, instituído feriado nacional em 1980 pela então Assembleia do Povo, um ano após o seu falecimento, em 10 de Setembro de 1979 na antiga União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, deve-se, segundo a cartilha do MPLA, ao reconhecimento do seu empenho na libertação de Angola, em particular, e do continente africano em geral.
Com alguma habilidade ainda vamos ver referências ao contributo para a libertação da Europa. Ou será que essa histórica e nobre tarefa foi obre de José Eduardo dos Santos?
Fruto da entrega de Agostinho Neto à causa libertadora dos povos, o Zimbabué e a Namíbia ascenderam igualmente à independência, assim como contribuiu para o fim do Apartheid na África do Sul, esclarecem os donos do poder em Angola.
Pelos vistos, desde 1961 e até agora que só existe Agostinho Neto. Se calhar até é verdade. Aliás, bem vistas as coisas, Holden Roberto e Jonas Savimbi, FNLA e UNITA, nunca existiram e são apenas resultado da imaginação de uns tantos lunáticos. Ou se existiram não eram certamente angolanos. Por isso não lhes é aplicável o título de heróis.
Agostinho Neto foi também, segundo uma cartilha herdada do regime de partido único (hoje em termos práticos assim continua), “um esclarecido homem de cultura para quem as manifestações culturais tinham de ser antes de mais a expressão viva das aspirações dos oprimidos, arma para a denúncia dos opressores, instrumentos para a reconstrução da nova vida”.
A atribuição do Prémio Lótus, em 1970, pela Conferência dos Escritores afro-asiáticos, Prémio Nacional de Cultura em 1975 e outras distinções são mais um reconhecimento internacional dos seus méritos neste domínio, com trabalhos tais como: Náusea (1952), Quatro Poemas de Agostinho Neto (1957), Com os olhos Secos, edição bilingue português-italiano (1963), Sagrada Esperança (1974), Renúncia Impossível (edição póstuma 1982) e Poesia (edição Póstuma 1998).
Razão tem José Eduardo (Agualusa) quando diz que “uma pessoa que ache que o Agostinho Neto, por exemplo, foi um extraordinário poeta é porque não conhece rigorosamente nada de poesia. Agostinho Neto foi um poeta medíocre”.
Continuemos, contudo, a ver a lavagem cerebral que o regime do MPLA insiste não só em manter como em incentivar, isto porque terá informações dos seus serviços secretos que dizem que somos todos matumbos: “Dotado de um invulgar dinamismo e capacidade de trabalho, Agostinho Neto, até à hora do seu desaparecimento físico, foi incansável na sua participação pessoal para resolução de todos os problemas relacionados com a vida do partido, do povo e do Estado”.
Numa coisa a cartilha do MPLA tem toda a razão e actualidade: “como o marxistas-leninista convicto, Agostinho Neto reafirmou constantemente o papel dirigente do partido, a necessidade da sua estrutura orgânica e o fortalecimento ideológico, garantia segura para a criação e consolidação dos órgãos do poder popular, forma institucional da gestão dos destinos da Nação pelos operários e camponeses”.
Como se vê, os destinos da Nação estão entregues desde 11 de Novembro de 1975 aos operários e camponeses do tipo José Eduardo dos Santos & Associados.
Em reconhecimento da figura do (suposto único) fundador da Nação angolana, estão erguidas em vários pontos do país estátuas, que simbolizam os seus feitos e legados, marcados pelas suas máximas “De Cabinda ao Cunene um só povo e uma só nação” e “O mais importante é resolver os problemas do povo”.
Pois! Os problemas do povo não foram resolvidos. Muitos até se agravaram. Mas as estátuas aí estão para serem vistas por um povo que continua a ser gerado com fome, a nascer com fome e a morrer pouco depois com… fome.
Talvez fosse aconselhável instituir um único lema que para sempre marcaria o Dia do Herói Nacional. Talvez: Um só partido (MPLA), um só povo (MPLA). É que, de facto, Angola continua a ser (re)construída à imagem e semelhança do MPLA.