Portugal vai legitimar a fraude eleitoral em Moçambique estando representado na posse de Daniel Chapo como novo Presidente de Moçambique pelo ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros, Paulo Rangel, revelou fonte da Presidência da República Portuguesa.
Na sexta-feira, o chefe de Estado português, Marcelo Rebelo de Sousa, afirmou que aguardava uma proposta do Governo português sobre uma eventual ida sua à posse de Daniel Chapo, possibilidade agora afastada.
Agitação social, barricadas e pneus a arder, com a polícia a realizar disparos para dispersar manifestantes, voltaram esta manhã a algumas zonas de Maputo, ao mesmo tempo que no Parlamento eram empossados alguns dos deputados eleitos à X legislatura.
No mercado do Xiquelene, a polícia realizou vários disparos e lançou gás lacrimogéneo para dispersar manifestantes que, pacificamente, embora com barricadas na estrada, contestavam a tomada de posse que decorria em simultâneo na Assembleia da República, boicotada pelos deputados da Resistência Nacional Moçambicana (Renamo) e do Movimento Democrático de Moçambique (MDM), que não reconhecem os resultados anunciados das eleições gerais de 9 de Outubro.
“Todo o mundo aqui saiu com o intuito de vir vender e não fazer manifestação, mas o que acontece é que a polícia da UIR [Unidade de Intervenção Rápida] chegou aqui e começou a disparar. Levou alguns jovens, meteu dentro do carro e começou a bater. A nossa pergunta é: O que nós fizemos hoje”, questiona Glória Langa, vendedora naquele mercado.
Pouco depois, com alguns populares que tentavam imobilizar as poucas viaturas que circulavam, elementos da UIR, numa viatura blindada, voltavam a fazer vários disparos de gás lacrimogéneo.
“Manifestar de forma pacífica. É o que nós estamos a fazer aqui, não há nenhuma barricada, não há nenhuma confusão, mas estamos a ouvir tiros (…) Qual é mal que nós fizemos”, acrescenta Glória, retorquindo: “O que eles querem de nós? É nos matar? Então que nos matem a todos nós, para eles poderem governar”.
Enquanto alguns populares apresentam vários invólucros de munições de metralhadora disparadas minutos antes, Carlos Milagre queixa-se de ter sido carregado e agredido pela polícia, embora afirme que estava apenas no passeio do mercado.
“Chegaram ali, meteram-me à força no carro, bateram-me a dizer que eu fechei a estrada, enquanto eu lá não estive”, garante, perante a fúria popular contra o blindado da UIR que ia fazendo disparos de gás lacrimogéneo para dispersar pequenos grupos.
A cerca de dois quilómetros do Parlamento, a Avenida Acordos de Lusaka foi tomada por pneus em chamas, enquanto a polícia tentava, sem sucesso, desmobilizar os manifestantes, que ainda viravam contentores do lixo para travar a circulação automóvel, juntamente com pedras, vidros e paus.
“O protesto que estamos a fazer é pelo melhor do nosso país. Já há 50 anos que a Frelimo está a governar e não muda nada”, queixa-se Abdul Carvalho, lamentando que pouco se fale das vítimas destas manifestações, segundo organizações no terreno quase 300 mortos e mais de 600 atingidos a tiro desde 21 de Outubro.
“Eu conheço, tenho três pessoas. Uns vizinhos, um dos meus primos já morreu”, afirma, enquanto os pneus em chamas levavam um espesso fumo negro a toda a avenida, apesar da chuva que ia caindo.
“Por que estão a matar”, questionava ainda Abdul, garantindo: “O povo está cansado, é isso que nós queremos mudar”. “Acredito que isto vai piorar (…) Não é arma que muda um país, é o povo”, disse ainda.
A Assembleia da República de Moçambique empossou hoje alguns dos deputados eleitos à X legislatura, mas dois dos partidos, Renamo, com 28 deputados, e MDM, com oito, cumpriram com o que anunciaram e boicotaram a cerimónia, contestando o processo eleitoral, dia em que estão convocados novos protestos no país.
Os 250 deputados eleitos à X Legislatura da Assembleia da República foram convocados para tomar posse, na sede do Parlamento, em Maputo, numa cerimónia solene que foi dirigida pelo Presidente da República cessante, Filipe Nyusi.
A Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo, no poder há 50 anos e que mantém a maioria no Parlamento) elegeu a ex-ministra Margarida Talapa como presidente do Parlamento, segunda figura do Estado moçambicano.
Além da Frelimo, tomaram posse 39 dos 43 deputados do Partido Otimista pelo Desenvolvimento de Moçambique (Podemos), até agora extraparlamentar e que apoiou a candidatura presidencial de Venâncio Mondlane, passando a ser o maior da oposição, contrariando o pedido de Venâncio Mondlane, para não tomarem posse.
Fonte do partido confirmou que os quatro deputados da formação política que faltaram à tomada de posse vão “regularizar a situação nos próximos dias”.
Venâncio Mondlane apelou no sábado a três dias de paralisação em Moçambique a partir de hoje, e a “manifestações pacíficas” durante a posse dos deputados ao parlamento e do novo Presidente moçambicano, contestando o processo eleitoral.
Mondlane regressou a Moçambique na quinta-feira, após dois meses e meio no exterior, alegando questões de segurança, e insiste em não reconhecer os resultados anunciados das eleições gerais de 9 de Outubro, em que a Frelimo elegeu o seu candidato presidencial, Daniel Chapo, manteve a maioria parlamentar, com 171 deputados, contra os atuais 184, e todos os governadores de província, segundo os resultados proclamados pelo em 23 de Dezembro.
Portugal, o país colonizador que – como fez em Angola com o MPLA – ofereceu Moçambique à Frelimo, disse que “tomou nota da proclamação do Conselho Constitucional de Moçambique sobre a conclusão do processo eleitoral, que indica Daniel Chapo como Presidente eleito de Moçambique”.
Portugal acocora-se desde – é claro – que Moçambique fique nas mãos da Frelimo e Angola nas do MPLA. Seria diferente e, de facto, nas eleições tudo foi diferente, mas a fraude permitiu que tudo continuasse na mesma, tal como planeado por Portugal em 1975.
“O Governo português está disponível para trabalhar com o novo Presidente e com o Governo moçambicanos em prol do reforço dos laços estratégicos entre os dois países, na continuidade dos laços históricos de amizade entre os dois povos. Reafirmamos a vontade de Portugal em se manter como parceiro-chave, contribuindo para o progresso sustentável e a paz em Moçambique. Portugal é, e deseja continuar a ser, o principal parceiro de Moçambique em matéria de cooperação internacional”, dizem – com a monumental e criminosa hipocrisia que os caracteriza – o Executivo de Luís Montenegro e o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa.
Lisboa acrescenta que “Portugal lamenta profundamente os episódios de violência que marcaram o período pós-eleitoral em Moçambique, causando inúmeras perdas humanas e intensificando as tensões políticas e sociais no país. A paz e a estabilidade social em Moçambique são valores inestimáveis, que devem ser salvaguardados na fase de transição política que agora se inicia”. Traduzindo: a Frelimo é Moçambique e Moçambique é da Frelimo.
“Esperamos que o novo ciclo governativo reflicta um compromisso de inclusão, em espírito de diálogo, capaz de responder aos desafios sociais, políticos e económicos que o país enfrenta. Torna-se por isso essencial que as novas autoridades moçambicanas possam iniciar quanto antes um debate político inclusivo com as forças da oposição e representantes da sociedade civil que reforce a coesão nacional, garanta a estabilidade social e fomente o progresso e desenvolvimento do povo moçambicano. Nesse debate, afigura-se importante considerar a reforma do processo eleitoral moçambicano, seguindo as recomendações da União Europeia e da CPLP”, diz Portugal, julgando que os moçambicanos são matumbos. Tal como os angolanos, somos pobres mas não somos matumbos e temos memória.
Apesar das múltiplas vigarices reveladas por muitos observadores internacionais, as ordens eram claras. Assim, a Comissão Nacional de Eleições (CNE) moçambicana anunciou a vitória de Daniel Chapo (Frelimo), e Portugal – tal como o MPLA – abriu as garrafas de champanhe.
O processo eleitoral de 2024 foi fortemente criticado por observadores internacionais, que apontam várias e graves irregularidades. Recorde-se que a Missão de Observação Eleitoral da União Europeia (MOE UE) às eleições gerais moçambicanas afirmou que constatou “irregularidades durante a contagem e alterações injustificadas” dos resultados eleitorais que precisam de ser esclarecidas.
“A MOE UE constatou irregularidades durante a contagem e alterações injustificadas dos resultados eleitorais a nível das assembleias de voto e a nível distrital”, lê-se num comunicado divulgado pelos observadores.
A Missão de Observação Eleitoral da União Europeia iniciou as suas actividades em Moçambique em 1 de Setembro de 2024 e destacou 179 observadores para o dia das eleições, tendo emitido uma declaração preliminar em 11 de Outubro, sobre o processo eleitoral.
“A MOE UE continuou a observar o processo eleitoral, embora os observadores da UE tenham sido impedidos de observar os processos de apuramento em alguns distritos e províncias, bem como a nível nacional”, lê-se.
No comunicado acrescenta-se que “como medida para contribuir para a confiança e integridade do processo eleitoral”, a MOE UE “reitera o seu apelo aos órgãos eleitorais para que conduzam o processo de apuramento de uma forma transparente e credível, assegurando a verificação dos resultados das mesas de voto”.
“A publicação dos resultados desagregados por mesa de voto não é apenas uma questão de boas práticas, mas também uma forte salvaguarda para a integridade dos resultados”, declarou a chefe da missão, Laura Ballarín, citada no comunicado.
“Tendo em conta as tensões sociais e a violência eleitoral registadas nos últimos dias, a MOE UE reitera a sua condenação dos assassinatos de Elvino Dias e Paulo Guambe [advogado de Venâncio Mondlane e mandatário do Partido Podemos, que o apoia, respectivamente], e apela à máxima contenção de todos e ao respeito pelas liberdades fundamentais e direitos políticos”, acrescenta-se no comunicado.
A MOE UE afirma ainda “que é da responsabilidade da administração eleitoral esclarecer as irregularidades e do Conselho Constitucional resolvê-las durante o processo de validação dos resultados, no respeito pela vontade dos eleitores”.