A noite escondia segredos sombrios na zona do Polo Industrial de Viana. O silêncio era apenas interrompido pelo som distante de motores e passos apressados. O pneu do meu carro estourou bem ali, junto aos lancis de betão, e enquanto tentava resolver essa maka, vi-a. Pequena, frágil, perdida na escuridão. Sozinha. Aproximei-me, fiz perguntas, ouvi respostas desconexas. Mas nada me preparou para o que viria a seguir.
Por Mwata Santos
A verdade era muito pior do que qualquer suposição. Há duas semanas, num sábado à noite, por volta das 21h00. Nas imediações de um hipermercado no Porto Seco. Uma situação já por si só desconfortável, mas que viria a revelar algo ainda mais perturbador.
Poucos metros antes do incidente, passei por uma menina de, no máximo, 13 ou 14 anos, sozinha, ali naquela zona escura e melindrosa, àquela hora. Estranhei. O que faria ali? Para onde iria?
Assim que o carro abrandou por causa do pneu, vi que ela parecia querer aproximar-se. No entanto, assim que saí e abri o porta-malas para verificar o pneu de socorro (que, para piorar a situação, também não me podia socorrer), ela hesitou e recuou.
Enquanto tentava solucionar o tema dos pneus, ligando para alguns contactos, ela passou por mim novamente e foi parar a poucos metros da entrada do hipermercado. O cenário incomodava-me. Algo não estava certo.
Decidi, então, insistir em conduzir o carro, mesmo naquelas condições, para evitar ser uma vítima dos amigos do alheio e procurar um local seguro. Mas, ao arrancar, deparei-me com ela mais uma vez. Parei o carro. Não podia ignorar.
— O que fazes aqui a esta hora? — Perguntei.
Ela respondeu que tinha sido assaltada e ficado sem dinheiro para o táxi que a levaria até ao Sequele. O relato, no entanto, era confuso, cheio de contradições. Mas, ainda assim, disse-lhe para entrar no carro. O mínimo que podia fazer era levá-la para um local seguro e ajudá-la com o dinheiro do transporte.
Assim que entrou, indicou-me, sem hesitação, um lugar onde havia guardas e alguns carros estacionados. Parecia conhecer bem a área.
Ao chegarmos, um dos operativos, André, aproximou-se. Expliquei-lhe a situação e pedi à menina que descesse. Mas assim que ele a viu, fez-lhe algumas perguntas e percebia-se a hesitação nas respostas. Em seguida, puxou-me de lado e sussurrou:
— Mano, ela faz vida. Trabalha aqui todos os dias. Muitos carros param a toda hora para levá-la e às suas amigas.
Fiquei gelado.
Olhei novamente para ela. Pequena. Frágil. Nem seios ainda tinha. Como pode um adulto sentir prazer com uma criança? Como pode alguém olhar para uma menina que mal aprendeu a andar e desejar possuí-la?
O pior é que todos sabem. Os moradores sabem. As autoridades sabem. Mas nada fazem. Nada.
Senti um aperto no peito. Uma angústia difícil de descrever.
André confidenciou-me que era obrigado a expulsá-las constantemente para evitar problemas com o supervisor. Mas a verdade é que, pouco depois de a deixar ali e ir à recauchutagem, quando regressei, ele contou-me que ela já tinha sido contratada de novo. Em questão de minutos. Mais uma empreitada. Mais um carrasco.
Esta não é apenas mais uma história triste. É uma realidade cruel que acontece todos os dias diante dos nossos olhos.
O meu apelo vai às nossas supostas autoridades e ao INAC: crianças estão a ser exploradas sexualmente à mercê da sorte ingrata. Que futuro estamos a construir? Até quando vamos fingir que não vemos?
Precisamos repensar Angola. É urgente!