24 de Novembro de 2018. Luís Montenegro já frequentava os prostíbulos políticos de Lisboa. A conferência de imprensa, em Lisboa, do Presidente João Lourenço, foi interrompida por uma órfã dos massacres, ou genocídio, do 27 de Maio de 1977, que tentava recitar um poema em memória dos pais, vítima dos massacres ordenados por Agostinho Neto, o único herói nacional permitido pelo MPLA, e que foi homenageado em 2024 pelo primeiro-ministro do reino… lusitano.
Por Orlando Castro
Os ideólogos do regime do MPLA e os políticos portugueses entendem, em grande parte por culpa nossa, que somos todos matumbos. E se por cá se fomenta o medo, a ignorância, o pensamento único, o mesmo (ainda) não se pode dizer em relação a Portugal. Custa, por isso, a entender que os dirigentes portugueses sejam tão cobardes e hipócritas.
Custa a crer, mas é verdade que os políticos portugueses fazem tudo (se calhar são bem remunerados) para procurar legitimar o que se passa de mais errado no mundo, desde que isso ajude a besuntar o seu umbigo.
Alguém ouviu Luís Montenegro (PSD), Pedro Nuno Santos (PS), André Ventura (Chega), Rui Rocha (Iniciativa Liberal), Mariana Mortágua (Bloco de Esquerda), Paulo Raimundo (PCP), Rui Tavares (Livre) e Inês Sousa Real (PAN) dizer que 68% da população angolana é afectada pela pobreza, que a taxa de mortalidade infantil é das mais alta do mundo, com 250 mortes por cada 1.000 crianças? Alguém os ouviu dizer que apenas 38% da população angolana tem acesso a água potável e somente 44% dispõe de saneamento básico?
Alguém os ouviu dizer que apenas um quarto da população angolana tem acesso a serviços de saúde, que, na maior parte dos casos, são de fraca qualidade? Alguém os ouviu dizer que 12% dos hospitais, 11% dos centros de saúde e 85% dos postos de saúde existentes no país apresentam problemas ao nível das instalações, da falta de pessoal e de carência de medicamentos?
Alguém os ouviu dizer que 45% das crianças angolanas sofrerem de má nutrição crónica, sendo que uma em cada quatro (25%) morre antes de atingir os cinco anos? Alguém os ouviu dizer que, em Angola, a dependência sócio-económica a favores, privilégios e bens, ou seja, o cabritismo, é o método utilizado pelo MPLA para amordaçar os angolanos?
Alguém os ouviu dizer que, em Angola, o acesso à boa educação, aos condomínios, ao capital accionista dos bancos e das seguradoras, aos grandes negócios, às licitações dos blocos petrolíferos, está limitado a um grupo muito restrito de famílias ligadas ao regime no poder?
Alguém os ouviu dizer que Angola é um dos países mais corruptos do mundo e que tem 20 milhões de pobres?
Ninguém os ouviu dizer qualquer coisa que possa irritar o partido que desgoverna Angola há 49 anos. Dir-se-á, e até é verdade, que esse silêncio sobre a realidade angolana é condição “sine qua non” para cair nas graças do dono do nosso país, até porque todos sabemos que nenhum negócio se faz sem a devida autorização do general João Lourenço.
Portugal consegue assim não o respeito mas a anuência do regime para as suas negociatas. Esquece-se, contudo, de algo que mais cedo ou mais tarde lhes vai sair caro: o regime não é eterno e os angolanos têm memória.
Os angolanos da casta superior que dirige o reino há 50 anos (o MPLA) acreditam que se justifica que Luís Montenegro, Nuno Pedo Santos, André Ventura, Rui Rocha, Mariana Mortágua, Paulo Raimundo, Rui Tavares e Inês Sousa Real agradeçam (mesmo que a despropósito) ao Presidente João Lourenço. Se o MPLA dizia que José Eduardo dos Santos era o “escolhido de Deus”, estes políticos portugueses devem dizer que João Lourenço é o próprio “Deus”. Portanto, por acção ou omissão, eles dizem.
Também Marcelo Rebelo de Sousa, ao elogiar o “projecto de paz, de democracia, de regeneração financeira, de desenvolvimento económico, de combate à corrupção” protagonizado pelo Presidente do MPLA, João Lourenço, mostrou várias vezes que não sabe o que diz nem diz o que sabe. Mas não está só. Quando se está no Poder todos são bestiais. Quando deixam de estar são, regra geral, bestas. Os familiares de José Eduardo dos Santos que o digam.
Todos nos recordamos de, numa intervenção durante um jantar oficial oferecido por João Lourenço, no Palácio Presidencial, em Luanda, Marcelo Rebelo de Sousa saudar como “o vulto cimeiro de um novo tempo angolano”. Não se terá lembrado de o propor para um Prémio Nobel, mas quando “descobrir” que existem 20 milhões de angolanos pobres… vai propor. Justamente, acrescente-se.
“Vossa excelência protagoniza-o com um projecto de paz, de democracia, de regeneração financeira, de desenvolvimento económico, de combate à corrupção, de afirmação regional e mundial. Nós, portugueses, seguimos com empenho essa aposta de modernização, de transparência, de abertura, de inovação, de acrescida ambição”, afirmou Marcelo Rebelo de Sousa, bem ao estilo dos sipaios coloniais, mas com uma substancial diferença. Estes eram obrigados a bajular, o presidente português não é obrigado a isso. Ou será que é?
Segundo o Presidente português, João Lourenço protagoniza “um novo tempo angolano, na lúcida, consistente e corajosa determinação de aproveitar do passado o que se mantém vivo, mas, sobretudo, entender o que importa renovar para tornar o futuro mais possível, mais ambicioso e mais feliz para todos os angolanos”.
Continuemos, para memória futura, com o brilhantismo bacoco de Marcelo. Disse ele que, da parte de Portugal, Angola conta com “o empenho de centenas de milhares que querem contribuir para a riqueza e a justiça social” com o seu trabalho, bem como “das empresas, a começar nas mais modestas, no investimento e no reforço do tecido socioeconómico angolano” e também com “o empenho das instituições públicas portuguesas, do Estado às autarquias locais”.
“Podem contar connosco na vossa missão renovadora e recriadora. Portugal estará sempre e cada vez mais ao lado de Angola”, acrescentou Marcelo Rebelo de Sousa, fazendo aqui e mais uma vez o exercício de passar aos angolanos um atestado de menoridade e matumbez.
Portugal, por sua vez, conta com a “incansável solidariedade” de Angola. “Contamos com os vossos trabalhadores, as vossas empresas, as vossas instituições públicas, a vossa convergência nos domínios bilateral e multilateral. Temos a certeza de que Angola estará sempre e cada vez mais ao lado de Portugal”, prosseguiu Marcelo no seu laudatório e hipócrita exercício de servilismo.
De acordo com o Presidente português, este “novo momento na vida de Angola” coincide com “um novo ciclo” nas relações bilaterais. “E nada nem ninguém nos separará, porque os nossos povos já estabeleceram o seu e o nosso caminho”, considerou Marcelo, sentindo o umbigo aos saltos, alimentado pela esperança de que os portugueses não acordem e os angolanos nunca lhe cobrem a cobardia.
“Porque estamos mesmo juntos, na parceria estratégica, na cooperação económica, financeira, educativa, científica, cultural, social e política. Porque no essencial vemos o mundo e a nossa pertença global e regional do mesmo modo, a pensar na paz, nos direitos humanos, na democracia, no direito internacional, no desenvolvimento sustentável, na correcção das desigualdades”, argumentou aquele que, em matéria de bajulação, bateu todos os recordes anteriores.
No final da sua intervenção, de cerca de sete minutos (que entrará para o “Guinness World Records” por ser o que mais bajulação fez em tão curto espaço de tempo), Marcelo Rebelo de Sousa disse que “a história faz-se e refaz-se todos os dias e nuns dias mais do que noutros”, acrescentando: “Estes que vivemos são desses dias”.