FALAM EM DIGNIDADE MAS O POVO MASTIGA POEIRA

Ontem, ouvi – pasmo – alguém afirmar no seu discurso que o Gu-ver-nu de Don Juan de las viagens tem vindo a fazer um trabalho para a “dignificação possível das vítimas dos conflitos políticos” e para o “consolo reparador dos seus familiares”, acrescentando que isso representa um contributo “indelével” à reconciliação nacional.

Por Mwata Santos

Bonito de ouvir. Mas vazio de realidade. Enquanto esses discursos ecoam em salões refrigerados, a dignidade real dos angolanos esvai-se a cada esquina, a cada estômago vazio, a cada olhar cansado de quem ainda acredita que o amanhã pode ser diferente do ontem, uma esperança moribunda como o outro cantou um dia.

Como se pode falar em “dignificação” num país onde a fome é rotina, o desemprego é regra e o salário mínimo é uma piada mal contada? Onde disparam à queima roupa contra as costas de uma mãe indefesa aos olhos tristonhos do seu filho menor? Onde o atendimento nos hospitais é tão desumano que as máquinas valem mais do que os profissionais, porque estes, mal pagos e desmotivados, sobrevivem mais do que servem?

Como se pode falar em “reconciliação” quando os jovens, mesmo licenciados, trocam os seus diplomas por vassouras em Lisboa, lavando pratos e limpando o rabo a velhos rabugentos por falta de oportunidades na terra que os viu nascer?

E o que dizer de uma Ministra da Educação que parece ter esquecido o significado da própria palavra “educação”? De transportes cujo preço sobe sem aviso, forçando milhões a caminharem quilómetros a pé sob o sol ardente? Da prostituição – inclusive infantil – que cresce sob o olhar impávido de quem devia proteger?

Falam de dignidade enquanto o povo se alimenta de carcaças de frango e arroz de pombas. Falam de reconciliação enquanto desperdiçam milhões de dólares para trazer o Messi a jogar em Luanda, perante um estádio cheio de barrigas vazias e corações exaustos.

Ou será que, para eles, “dignificar” é isso mesmo – condecorar os vivos que mal vivem, os mortos cujas campas andam às moscas, aplaudir o sofrimento com medalhas e chamar “conquistas” ao desespero mascarado de festa?

Se é essa a dignidade possível, então confirmam o que muitos já sabem: que o problema de Angola nunca foi a falta de recursos, mas a falta de vergonha mesmo.

Precisamos repensar Angola. É urgente!

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