Metade da população angolana apresenta um baixo nível de literacia financeira, pelo que o Governo decidiu elaborar uma Estratégia Nacional de Inclusão Financeira (ENIF) 2025-2027 para inverter a situação, anunciou o Banco Nacional de Angola (BNA).
Segundo o documento disponibilizado pelo BNA para consulta pública, em Angola, 51% da população não está financeiramente incluída, o nível de literacia financeira é baixo e a oferta de serviços financeiros estão concentrados em Luanda. Apenas 25% da população possui um bom nível de literacia financeira, refere-se no documento, em consulta pública no período de 31 de Março e 30 de Abril de 2025.
Os baixos níveis de inclusão financeira são também agravados por “diversos condicionalismos estruturais como os baixos níveis de formalidade económica, a falta de acesso a infra-estruturas básicas (electricidade, telecomunicações, água) e elevados níveis de pobreza” (20 milhões de pobres), acrescenta.
De acordo com o documento, a inclusão financeira constitui uma “prioridade de primeira ordem” para o Governo de Angola e a proposta, em consulta pública, é a primeira ferramenta de política em Angola que “estabelece as prioridades do país para avançar com a inclusão financeira, somando esforços e compromissos públicos e privados”.
“Espera-se que esse compromisso se mantenha até que a visão da ENIF seja alcançada, não devendo ser condicionado por um calendário ou por mudanças políticas”, salienta.
A elaboração do ENIF seguiu uma “abordagem consensual”, envolvendo o maior número possível de intervenientes relevantes dos sectores público e privado e a sua visão consiste em assegurar que cada indivíduo ou micro, pequenas e médias empresas, “independentemente da sua localização geográfica ou condição socioeconómica”, esteja incluído financeiramente.
A implementação da estratégia será focada nos segmentos definidos como prioritários, nomeadamente, mulheres, população rural, agricultores, trabalhadores informais, adolescentes e jovens.
O instrumento define igualmente as linhas estratégicas e o plano de acção para a sua implementação, monitorização e avaliação, promovendo uma comunicação clara e acessível ao público.
Segundo o BNA, a proposta da ENIF é uma iniciativa do Comité de Coordenação da Estratégia Nacional de Inclusão Financeira e o documento contou com o apoio técnico e metodológico do Banco Mundial, visando a mobilização coordenada de esforços para acelerar a inclusão financeira em Angola.
LITERACIA FINANCEIRA NAS… LIXEIRAS?
No dia 4 de Outubro de… 2023, o Inquérito de Literacia Financeira (ILF), divulgado pelo Instituto Nacional de Estatística, indicava que pouco menos de 32% dos angolanos possuíam conta bancária e que perto de 25% dominavam conceitos financeiros, maioritariamente mulheres e nas zonas urbanas.
O inquérito realizado pelo Instituto Nacional de Estatística (INE), cujos iniciou-se em Fevereiro de 2022, tendo a recolha dos dados durado quatro meses, com entrevistas a 35.190 famílias, das quais 26.000 de zonas urbanas.
Segundo os dados divulgados pelo INE, a percentagem de angolanos que dominam conceitos financeiros era de 24,7%, maioritariamente mulheres (55,1%) e nas zonas urbanas (62,2%).
O documento revelava que pouco menos de 32% da população com 15 ou mais anos de idade, que corresponde a 5,6 milhões de indivíduos, possui uma conta bancária, dos quais cerca de 84% possui um cartão de débito (multicaixa) activo, que utiliza para pagamentos.
“Dos cerca de 68% que não possuem conta bancária apresentaram como principal razão a falta de rendimento que justifique a abertura de conta”, indicava o estudo, salientando que entre os que não têm conta bancária cerca de 68% encontravam-se empregados, 25% desempregados e 7% inactivos.
A segunda razão apresentada pelos que não possuíam conta bancária era a falta de documentos (12,4%), seguindo-se a falta de uma agência bancária próxima (7,1%), não ver benefícios nenhuns (5,2%), não confiar em bancos (1,2%) e não ter um agente bancário próximo (1,0%).
Em relação aos que possuíam contas bancárias, 56% utilizam-nas apenas uma vez por mês, 16% duas a três vezes por semana e 14% uma vez por semana. Relativamente aos utentes de cartão multicaixa, 83,8% fazia uso deste instrumento, enquanto 4,2% não o utilizava e 12% não tinha.
Sobre os hábitos de poupança e planeamento da reforma, o inquérito mostrava que, da população com mais de 15 anos, cerca de 5% alguma vez procurou conselhos jurídicos para resolver assuntos relacionados com a sua conta bancária e, destes, “81% declararam evasão de dinheiro na sua conta sem o seu conhecimento ou consentimento, como principal motivo da procura por conselhos”.
Apenas 4% da população com 15 ou mais anos tinha seguro, cerca de 56% tinha conhecimentos sobre poupança e 36% fazia poupança, dos quais 54% o fazia mensalmente.
A maioria dos inquiridos (73%) ainda preferia guardar as suas poupanças em casa e 35% aplicava-as num produto bancário, sendo que cerca de 37% do público-alvo já ouvira falar sobre a reforma ou pensão de velhice, e destes apenas 18% possuíam um plano de reforma.
No que se refere a investimento bancário e escolha de produtos financeiros, 20% da população tinha conhecimento deste tema, mas apenas 2% fazia uso deles.
“Destes, 83% fazia recurso aos seus respectivos depósitos a prazo como produto financeiro de investimento”, indicava o documento, acrescentando que cerca de um terço (33%) da população afirmou ter conhecimento sobre juros.
No seu discurso de abertura, o director-geral do INE, José Calengi, disse que os resultados seriam importantes para a formulação e correcção de políticas no sector financeiro e no bancário, em particular.
Já a administradora executiva do Banco Nacional de Angola (BNA), Marília Poças, referiu que o banco central realizara já mais de 1.200 acções de formação de literacia financeira, de 2021 até 2023, que beneficiaram mais de 62.400 pessoas.
“Contudo, os resultados apresentados mostram-nos que o caminho que ainda temos que percorrer é desafiante e há urgência em reforçar as nossas acções”, disse Marília Poças, adiantando que o Despacho Presidencial 201/2023, de 25 de Agosto, criou a Comissão de Coordenação da Estratégia Nacional de Inclusão Financeira.
A comissão está incumbida de elaborar a Estratégia Nacional de Inclusão Financeira, documento que visaria estabelecer, promover e monitorar sistematicamente os níveis de inclusão financeira no país.
COM INCLUSÃO FINANCEIRA A FOME SABE A CAVIAR
Recorde-se que a ministra das Finanças, Vera Daves de Sousa, realçou no dia 29 de Junho de 2023, em Luanda, os “sérios desafios” de inclusão financeira nas zonas rurais e para as mulheres, com percentagens altas de exclusão nessas duas categorias, segundo uma pesquisa efectuada sobre o assunto.
Seria mesmo necessário fazer uma pesquisa para esse efeito. Não bastaria ao MPLA fazer o que nunca fez, ou seja, conhecer o país… real?
Vera Daves de Sousa disse, em declarações à imprensa, no final da conferência “Inclusão Financeira em Angola — Desafios e Oportunidades”, organizada pelo Banco Nacional de Angola (BNA), que os resultados da pesquisa demonstravam que ainda há “bastante trabalho a fazer”. Uau! É obra!
“Relativamente às zonas urbanas não estamos mal, mas estamos com sérios desafios relativamente às zonas rurais e também se formos numa perspectiva de género, junto das mulheres. Temos aqui muito trabalho a ser endereçado não só pelo BNA, mas por todas as instituições que participam e que têm um papel no sistema financeiro”, sublinhou a ministra.
O Inquérito FinScope Consumer Angola 2022 sobre o estado da inclusão financeira, efectuado pela FinMark Trust, revelou que as pessoas com maior inclusão financeira estão nas áreas urbanas (48%) e que a maioria das mulheres são financeiramente excluídas (60%), bem como os indivíduos que dependem da agricultura (70%), do trabalho por conta própria (54%) e dos biscates (68%).
O estudo também não tinha nenhuma rubrica relativa à exclusão (ou não) dos 20 milhões de pobres, ou da multidão de angolanos se alimentam nas lixeiras, ou ainda dos cinco milhões de crianças que estão fora do sistema escolar do país.
Segundo Vera Daves de Sousa, o Governo tinha (tem) um papel a fazer, através dos seus programas, para conseguir aumentar os níveis de inclusão financeira. É claro, dizemos nós, que o governo (do MPLA) ainda não teve tempo para resolver esse problema. De facto, reconheça-se, estar no Poder só há 50 anos é muito pouco tempo…
“Saímos daqui com um diagnóstico claro, com recomendações claras, o que temos que fazer agora é, de forma coordenada, concertada e alinhada, endereçarmos esses desafios de exclusão financeira e de baixos níveis de saúde financeira por parte dos angolanos”, destacou a ministra. Será, na verdade, muito bom educar financeiramente todos aqueles angolanos que, actualmente, nem sequer sabem o que é uma… refeição.
Dara Castelo, da FinMark Trust, que apresentou o estudo destacou que Luanda, talvez por ser a capital, tem a maior taxa de inclusão financeira (58%), do que nas restantes províncias do país onde “o típico é a exclusão financeira”.
Exclusão financeira, exclusão de saúde, de habitação, de emprego, de escolaridade, de comida, de dignidade, de… de… de… .
“Ao nível regional, olhando para os países da SADC [Comunidade de Desenvolvimento da África Austral] Angola tem a menor taxa de inclusão financeira”, acrescentou Dara Castelo, certamente soltando uma ligeira eructação (arroto) a mandioca. Perdão, a lagosta!
De acordo com Dara Castelo, a maioria dos financeiramente incluídos usam apenas um produto financeiro, “o que sugere que há pouca profundidade mesmo na taxa de inclusão, que pode haver uma falta de oferta de produtos adaptados a todas as suas necessidades diferentes do dia-a-dia”.
Relativamente à acessibilidade, considera-se que os serviços financeiros digitais, como pagamentos móveis e outros, promovem a inclusão financeira, principalmente porque reduzem as barreiras de acesso.
Embora 72% de todos os inquiridos tenham acesso a um telemóvel, a penetração dos pagamentos móveis é muito baixa, sendo que apenas 6% dos entrevistados têm contas registadas.
“O que aponta uma enorme oportunidade para alargar a inclusão financeira através dos móveis”, considerando que não se pode “replicar as barreiras que existem nos produtos tradicionais e a tecnologia acessível à maior parte da população, que não são ‘smartphones’”.
Relativamente a poupanças e investimentos, o inquérito revela que 75% não poupam e entre os que o fazem “há uma dependência em mecanismos informais”, nomeadamente guardar dinheiro em casa.
O consumo de crédito é baixo, de acordo com o documento, “um pouco mais pronunciado entre os funcionários públicos”, sendo a preferência predominante procurar empréstimos entre familiares e amigos.
O estudo deixava já na altura algumas recomendações, nomeadamente para o sector público, no sentido de elaborar uma Estratégia Nacional de Educação Financeira que complemente a política de inclusão financeira, com foco em competências digitais e para o BNA que continue a dar prioridade à educação financeira do consumidor através do programa de literacia financeira e digital, entre outras.
A pesquisa teve como objectivos descrever os níveis de inclusão financeira, de uso e acesso aos produtos financeiros, formais e informais, os tipos de produtos e serviços usados pelos indivíduos financeiramente incluídos, identificar os facilitadores e as barreiras para o uso de produtos e serviços financeiros e avaliar as tendências ao longo do tempo.