VINTE E DOIS ANOS DE FOME E INJUSTIÇAS

Filomeno Vieira Lopes, presidente do Bloco Democrático (BD, oposição angolana) considerou hoje que após 22 anos de paz os angolanos ainda enfrentam fome, injustiça económica e falta de oportunidades.

Filomeno Vieira Lopes, que falava no final de um encontro com a secretária-geral do Conselho de Igrejas Cristãs em Angola (CICA), considerou que a paz, alcançada em 4 de Abril de 2002, “foi o troféu de guerra de alguns para poderem depois exercer um poder em que puseram na linha da frente a acumulação primitiva de capitais”.

“O actual poder está muito assente na corrupção e isso não trouxe aquilo que é a outra paz, que é a chamada paz de justiça social, que é a paz que permite que fiquemos todos tranquilos de que este país não vai ter as perturbações que já teve no passado e que possamos considerar que guerra nunca mais”, frisou.

Falando sobre as celebrações dos 22 anos de paz e reconciliação nacional, que serão assinalados na quinta-feira, saudou a paz militar alcançada, apontando, no entanto, para a necessidade da justiça social perante a fome, pobreza e discriminação que persistem no país.

“Só com justiça social é que isto pode ocorrer e nós hoje temos um país com muita discriminação social, um país em que não se considera o cidadão e que se considera o militante, é o prolongamento desta discriminação”, realçou.

O líder do BD apontou para a fome, a falta de justiça económica, falta de oportunidades para a maioria dos cidadãos e a ausência de credibilidade e confiança nas instituições do Estado e no poder judicial como factores que potenciam “grandes desequilíbrios”.

“São estas questões que nos preocupam e que fazem com que o dia 4 (de Abril) seja um dia de reflexão profunda para podermos consolidar esta paz, como paz também de justiça social”, concluiu o também economista e coordenador adjunto da plataforma política Frente Patriótica Unida, que integra igualmente a UNITA (maior partido na oposição que a muito custo o MPLA ainda permite), e o projecto político PRA JA Servir Angola.

As comemorações oficiais dos 22 anos de paz realizam-se na quinta-feira, na província Huambo, e serão presididas pelo ministro de Estado e chefe da Casa Militar do Presidente da República de Angola, general Francisco Pereira Furtado.

No dia 4 de Abril, feriado nacional em Angola, o CICA, a Aliança Evangélica de Angola e o Fórum Cristão Angola realizam um culto ecuménico em Luanda para assinalar a data.

“Será um momento de acção de graças a Deus pelos 22 anos, mas, ao mesmo tempo, teremos momento de intercessão pelo país, pelo perdão, pela reconciliação, pela unidade nacional e também oraremos pela unidade da igreja, pelos governantes do país e pelos partidos políticos”, disse a secretária-geral do CICA, Deolinda Dorcas Teca.

Segundo a responsável, “paz não é apenas do silêncio das armas, paz é bem-estar, é tranquilidade, é redução de tantos males” que Angola ainda vive.

“4 de Abril — Juntos pelo Crescimento Inclusivo do País” é o lema das celebrações dos 22 anos de paz em Angola, que resulta do acordo assinado em 4 de Abril de 2002 entre as chefias militares das Forças Armadas Angolanas e as extintas Forças Armadas de Libertação de Angola (FALA), ex-braço armado da UNITA, que selou em definitivo o processo de paz.

Recentemente, Filomeno Vieira Lopes considerou que Angola tem um “regime mais sofisticado do que uma simples ditadura” e “cheio de habilidades” para iludir as pessoas e fazê-las acreditar que se trata de um regime aberto e livre.

Para o dirigente do BD, nas actuais condições, “não é possível alternância política porque é um regime autocrático, onde todas instituições estão capturadas pelo sistema”, incluindo os órgãos eleitorais.

“Querem fazer de nós o folclore da democracia, que trabalhemos só para [nos] mantermos sempre na oposição”, criticou, defendendo que as eleições de 2022 foram ganhas pela oposição, tendo o regime reagido com a militarização do país.

“Estamos num Estado em que as instituições estão capturadas e os partido da oposição servem apenas para dizer ao mundo que há democracia”, apontou o político e docente, acusando o regime liderado pelo MPLA, partido no poder desde 1975, de impedir a alternância e querer manter os seus adversários políticos na oposição eternamente.

Filomeno Vieira Lopes criticou igualmente a lei da segurança nacional, aprovada na generalidade e que vai ser discutida na especialidade, “que protege o partido do poder e o Presidente da República”, e abordou o tema das autarquias locais, uma “descentralização política, de que o regime tem medo”, porque é um factor de democratização do país.

Também Adalberto da Costa Júnior criticou ferozmente os poderes excessivos do general Presidente, que “manda em tudo”, sublinhando que nenhum dos líderes da oposição foi convidado para falar na televisão pública desde 2018.

“Apenas o Filomeno foi convidado a falar, enquanto especialista em economia, distraíram-se. (…) Bela democracia esta”, ironizou, frisando que o regime está a tentar aprovar leis antidemocráticas para assegurar a sua sobrevivência política. Sobrevivência e eternização, acrescente-se.

Entre estas está a lei da segurança nacional, que a UNITA quer expurgar dos pontos mais críticos na discussão na especialidade, como o controlo da Internet.

O presidente da UNITA defendeu a revisão da Constituição para eleição directa/nominal do Presidente da República e a criação do tribunal eleitoral e insistiu que a questão de um terceiro mandato de João Lourenço é “inegociável”, não tendo o apoio do seu partido.

Adalberto da Costa Júnior assegurou que o compromisso com a FPU é para “manter e continuar”, estando a plataforma num processo de consolidação e os seus integrantes têm “uma visão comum de uma Angola que é de todos, e não de excluídos, como faz o regime”.

O líder do PRA JA Servir Angola, Abel Chivukuvuku, lamentou que o partido ainda não tenha um estatuto legal, devido aos bloqueios do regime, mas garantiu que esta estratégia de impedimento “não vai funcionar”.

Para Abel Chivukuvuku, o balanço dos 50 anos de independência de Angola, que se completam no próximo ano, “é negativo para a maioria da população e só valeu para alguns que contam com propriedades e contas bancárias na Europa, Ásia e Américas e fazem férias no Dubai, Rio de Janeiro e outras paragens como as Seicheles”, numa alusão às férias do general João Lourenço no Natal.

Tal como os seus parceiros, criticou o autoritarismo e “poderes hiperbólicos do chefe de Estado, que controla todos os segmentos da vida pública”, e apelou à realização de eleições autárquicas.

Curiosamente, Francisco Viana, em representação da sociedade civil, disse que o povo “não aguenta até 2027” e pediu autarquias para já.

“Tem de ser agora, chegou a hora de aumentar a pressão e lutar pelos nossos direitos”, apelou o empresário, criticando o regime autocrático, que “foge das autarquias como o diabo foge da cruz”, e a Constituição “aberrante que confere ao titular do poder executivo demasiados poderes”.

Folha 8 com Lusa

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