O ministro português da Presidência, António Leitão Amaro, manifestou-se hoje convicto de que a entrada do Estado na Efacec e o processo de privatização da empresa vão ser alvo de uma grande e atenta discussão pública.
Questionado sobre a auditoria à Efacec que está a ser feita pelo Tribunal de Contas, o ministro referiu que o Governo teve conhecimento de uma versão preliminar do relatório, mas que não se vai pronunciar, porque o processo [de auditoria] continua.
Porém, afirmou, “do que se sabe sobre o processo da entrada do Estado, na nacionalização, da Efacec, da forma como as decisões foram tomadas, como foram mobilizados dinheiros públicos, como foram arriscados dinheiros dos portugueses […], o que se sabe daquele relatório vai seguramente suscitar uma grande discussão pública”.
Citando informação preliminar de uma auditoria do Tribunal de Contas, o Observador noticiou esta quarta-feira que a intervenção na Efacec custou 484 milhões de euros aos cofres do Estado até à venda da empresa ao fundo alemão Mutares.
Em 1 de Novembro de 2023, o ministro da Economia de Portugal, António Costa Silva, disse que o Estado iria injectar mais 160 milhões de euros na Efacec, acrescentando que este “é um dia feliz” por se concluir a venda da empresa ao fundo alemão Mutares.
Em conferência de imprensa no Ministério da Economia, António Costa Silva disse que foi assinada a venda da Efacec à Mutares e que esta injectará 15 milhões de euros em capital e 60 milhões de euros em garantias.
Já o Estado injectaria mais 160 milhões de euros, anunciou. Até à altura, o Estado já tinha injectado 200 milhões de euros na empresa em suprimentos (10 milhões de euros por cada mês desde Abril de 2022)
Costa Silva destacou a importância de Efacec como “grande empresa tecnológica” para a economia portuguesa, referindo vários projectos em que estava envolvida, acrescentando que deixá-la cair teria sido “desastroso para a economia portuguesa” e sobretudo para a região Norte.
“Teria um efeito desastroso na economia portuguesa e sobretudo na região norte, região do Porto e Matosinhos que já sofreu com o encerramento da refinaria da Galp. O colapso da Efacec teria efeitos devastadores”, disse. A empresa tem sede em Matosinhos e contava com cerca de 2.000 trabalhadores.
O governante afirmou ainda que a Mutuares tem o compromisso de manter o centro operacional e de decisões da Efacec em Portugal.
Em 7 de Junho de 2023, o Governo aprovou a proposta da alemã Mutares para a privatização da Efacec, sem revelar os valores envolvidos. O Estado já injectou 132 milhões de euros na Efacec, a que se somam mais 85 milhões de euros em garantias.
Em Abril, a Parpública (sociedade gestora de participações sociais, do Estado Português, de capitais exclusivamente públicos), anunciou ter recebido propostas vinculativas melhoradas de quatro candidatos à compra de 71,73% da Efacec, no âmbito do processo de reprivatização da empresa.
O então ministro da Economia disse que o Governo tinha o compromisso do fundo alemão Mutares, de manter os postos de trabalho apesar de poder haver “ajustamentos pontuais”. “Há o compromisso da Mutares para globalmente manter a força de trabalho”, afirmou textualmente António Costa Silva.
O governante admitiu, contudo, que “eventualmente poderá haver um ajustamento pontual”, mas acrescentando que o fundo de investimento Mutares disse ao Governo que quer “reforçar postos de trabalho de engenharia” e tem previstos programas de requalificação profissional.
A Parpública (do Estado) vendeu a totalidade da Efacec (nacionalizada em 2020) ao fundo de investimento alemão Mutares, depois de ter obtido a aprovação da Comissão Europeia.
O Estado pôs mais 160 milhões de euros na empresa, tendo o Governo explicado que sem ‘limpar’ a situação financeira da Efacec não a conseguiria vender. A este valor somava-se aos 200 milhões de euros que o Estado já colocara na empresa nos últimos 20 meses (para pagar custos fixos, desde logo salários). Ainda na esfera do Estado, o Banco de Fomento tinha 35 milhões de euros em obrigações (convertíveis em capital) da Efacec.
A Mutares previa que a Efacec atingisse o equilíbrio em cinco anos (‘breakeven’) e tinha a obrigação de se manter na empresa pelo menos durante três anos (sem vender).
Por sua vez, o secretário de Estado das Finanças, João Nuno Mendes, explicou ainda que no negócio ficou acordado uma possibilidade de recuperação do dinheiro investido pelo Estado (num mecanismo de cascata), podendo o Estado recuperar dois terços dos lucros de uma venda e 75% de uma eventual distribuição de dividendos ou caixa (no prazo de cerca de cinco anos).
O secretário de Estado vincou ainda, por várias vezes, que desde que foi nacionalizada a Efacec pagou ao Estado cerca de 100 milhões de euros em IRS e Segurança Social.
Costa Silva considerou que o Estado existe precisamente para fazer face a falhas de mercado e que era fundamental salvar uma empresa que tem 2.000 postos de trabalho, “é uma marca da engenharia portuguesa e cria valor”.
“Se tivermos fé cega nos mercados e deixarmos que resolvam tudo, não só não resolvem como criam grande miséria para as pessoas”, afirmou.
Nesta operação de venda, o accionista minoritário MGI Capital (detida a meias pelo Grupo José de Mello e a Têxtil Manuel Gonçalves, que tina 28,27% da Efacec) deixou de ter qualquer participação na Efacec, não tendo recebido qualquer valor em troca.
A nacionalização da Efacec ocorreu na sequência dos processos judiciais que envolveram a sua maior accionista, a empresária angolana Isabel dos Santos, relacionados com as revelações do “Luanda Leaks”, que originaram o congelamento das suas contas bancárias e arresto de bens.
As suspeitas de que foram envolvidos fundos públicos angolanos datam de Agosto de 2015, depois de um decreto presidencial do então chefe de Estado, José Eduardo dos Santos, pai de Isabel dos Santos, ter autorizado a ENDE a comprar 40% das acções da Winterfell que, cerca de três meses depois, formalizou a compra da Efacec. As dúvidas foram alimentadas pelo facto de o valor que a ENDE pagou pela compra não ter sido revelado.
Na ocasião, o Parlamento português perguntou ao Governo de Lisboa para verificar se foram seguidos os procedimentos de combate à lavagem de capitais.
Recorde-se que Comissão Europeia questionou em Fevereiro de 2016 as autoridades portuguesas sobre a venda de 66,1% da Efacec a Isabel dos Santos, no âmbito da legislação europeia de prevenção e combate ao branqueamento de capitais e financiamento do terrorismo.
Em 5 de Fevereiro de 2016 a comissária europeia Vera Jourova informou os eurodeputados do Intergrupo do Parlamento Europeu sobre Integridade e Transparência, Corrupção e Crime Organizado, que a Comissão questionou Portugal sobre “a conformidade da compra da empresa portuguesa Efacec por Isabel dos Santos”.
Em Outubro de 2015, os deputados enviaram para a Comissão Europeia, Autoridade Bancária Europeia (ABE) e Grupo de Acção Financeira (GAFI) uma carta a solicitar a investigação sobre a legalidade da compra da Efacec por Isabel dos Santos e dirigiram uma pergunta ao Banco de Portugal (BdP) a este propósito.
De acordo com as regras da União Europeia, as entidades portuguesas, nomeadamente, as instituições financeiras envolvidas na operação, “têm o dever legal de executar diligência reforçada sobre quaisquer operações que envolvam Pessoas Politicamente Expostas (PEP na sigla inglesa) – ou seja, o dever de estabelecer a origem dos fundos de PEP estrangeiros, ter uma imagem clara de como o PEP adquiriu a riqueza, de forma geral, ou para o negócio particular em que estão envolvidos”.
Os eurodeputados tinham pedido ao Banco Central Europeu (BCE), à Comissão Europeia e à ABE, enquanto agentes da supervisão da integridade do sistema financeiro europeu, para determinarem se o BdP – a autoridade de supervisão portuguesa – e as instituições financeiras em causa estariam a cumprir a legislação europeia no que respeita a esta aquisição, bem como a outras participações significativas de Isabel dos Santos em empresas em Portugal, particularmente, no sector de petróleo, através Galp, na banca, através do BPI e do BIC, e em telecomunicações, através do operador NOS, bem como em outros investimentos imobiliários.
No dia 28 de Dezembro de 2015, o BdP afirmou que, de acordo com a sua abordagem de supervisão e leis aplicáveis, não tem poderes para suspender ou bloquear a execução das operações financeiras concretas destinadas a adquirir ou aumentar a participação numa determinada empresa, salientando que a sua acção fiscalizadora “necessariamente consiste numa abordagem baseada no risco, cuja natureza periódica, corrente e preventiva é incompatível com o controlo ‘a priori’ de operações financeiras concretas”.
No que diz respeito à compra da Efacec, o regulador assinalou, numa carta enviada a Bruxelas, “que tomou medidas de supervisão que entendeu convenientes para obter informações detalhadas sobre se os bancos que financiaram a operação cumpriram com as medidas preventivas prescritas no quadro da prevenção do branqueamento de capitais”, acrescentando que “procedeu à verificação da origem dos fundos próprios envolvidos nessa aquisição e de que o seu financiamento foi aprovado com base numa análise sólida e procedimentos de risco adequados”.
A venda de 66,1% da Efacec Power Solutions (EPS) pelos grupos José de Mello e Têxtil Manuel Gonçalves a Isabel dos Santos foi concluída a 23 de Outubro de 2015.
Angola representava uma carteira de negócios de 80 milhões de euros para a Efacec, afirmou no dia 2 de Outubro de 2014 o director-geral da subsidiária angolana, José Cabral Costa.
De acordo com o administrador, a multinacional portuguesa operava no mercado angolano através de projectos próprios da Efacec Angola – participada a 100 por cento pelo mesmo grupo -, recorrendo às “capacidades locais”, ou em parceria com a sede, “nos projectos de maior envergadura”.
“Está aqui ininterruptamente desde 1967. A Efacec não saiu de Angola no tempo da guerra, ficou sempre aqui”, sublinhou José Cabral Costa, durante uma visita de empresários portugueses à província do Cuanza Norte.
Sobretudo na área da energia, o mercado de Angola representava um volume de negócios consolidado de 100 milhões de dólares (cerca de 80 milhões de euros) para a Efacec, dos quais 25% eram projectos próprios da subsidiária angolana do grupo português, garantiu o director-geral da Efacec Angola, assumindo uma taxa de crescimento, no país, acima dos dois dígitos nos últimos três anos.
Energias renováveis, telecomunicações ou automação são algumas das áreas de intervenção em Angola, mercado “considerado muito estratégico” pela Efacec, que agora começa a entrar em “obras maiores”.
Já em 2014 a empresa fechou um contrato de 62 milhões de euros com o Estado angolano, assumindo toda a parte electromecânica no Aproveitamento Hidroeléctrico de Lauchimo, na província de Lunda Norte, que era na altura a maior obra da Efacec no país.