De barriga cheia, o deputado da MPLA, partido no poder em Angola há 49 anos, Virgílio Tchova desvalorizou hoje as críticas sobre falta de políticas públicas consistentes de combate à fome, considerando ser uma “preocupação constante” do Governo.
Por Orlando Castro
Em declarações à Lusa, certamente depois de um ligeiro arroto a caviar, Virgílio Tchova disse que “isto depende muito da perspectiva de quem diz. O Governo tem uma perspectiva, alguma sociedade civil tem outra perspectiva, precisamos é de nos encontrar e termos um discurso em que todos nós percebamos o ponto de vista do outro, acho que o debate é esse”.
O deputado do MPLA, partido no poder desde 1975, assegurou que a fome e pobreza são uma preocupação do Governo, reflectida nos programas em curso para “minorar a questão da fome e da pobreza que o país tenha”. É claro que, ao fim de 49 anos no Poder, o MPLA ainda não acertou na metodologia para que os angolanos aprendam a viver sem comer. Mas continua a tentar.
“Isso é responsabilidade do Estado, a sociedade civil até pode contribuir com ideias, mas a responsabilidade para resolver a questão da fome e da pobreza nas nossas comunidades é responsabilidade do Estado”, referiu Virgílio Tchova, certamente na convicção de que, e é verdade, só morrem à fome os que antes de morrerem estavam… vivos.
Falando à margem da cerimónia de abertura da “Conferência Nacional sobre Recursos Naturais: Fome e Riqueza”, o político do MPLA considerou a fome como um tema “perene e continuado”, acreditando que “nunca se vai acabar com a fome e pobreza”.
Virgílio Tchova, que aludiu a versículos bíblicos, sustentou: “Jesus disse uma vez que entre vocês haverá pobres, portanto penso que o mais importante é irmos melhorando a condição de vida das pessoas ao longo dos tempos”. Também poderia aludir à tese do seu querido líder, general João Lourenço, para quem se Tchova comer uma lagosta e a Maria zungueira nenhuma, em média cada um deles comeu… meia lagosta.
O também vice-presidente do grupo parlamentar do MPLA enalteceu a iniciativa do “Tchota Angola” – plataforma nacional de organizações da sociedade civil sobre a abordagem da gestão e exploração dos recursos naturais, considerando que esta solidifica o Estado democrático e de direito.
Tchova assegurou, igualmente, que a problemática do combate à fome e à pobreza surge desde o período colonial, observando, contudo, que a fome, por vezes, não se traduz apenas em falta de comida.
“Isto não é de hoje, o combate da fome e pobreza vem desde o tempo colonial e às vezes a fome não é falta de comida, é também a instrução, é também a saúde, saneamento básico, portanto, a fome e pobreza são fenómenos que estão associados à vários factores exógenos da vida das pessoas (…) e são essas questões de que o Estado tem vindo a se ocupar”, concluiu.
Virgílio Tchova tem razão. Pena é que, apesar dos avanços da ciência, ainda não seja possível aplicar a interrupção da gravidez (aborto) de forma retroactiva. Se fosse, onde estaria o Tchova?
Virgílio Tchova sabe que trufas pretas, caranguejos gigantes, cordeiro assado com cogumelos, bolbos de lírio de Inverno, supremos de galinha com espuma de raiz de beterraba e queijos acompanhados de mel e amêndoas caramelizadas e umas garrafas de Château-Grillet 2005, são uma elementar ementa de qualquer deputado ou dirigente do MPLA, mesmo que ali ao lado existam uns milhões de pobres.
Virgílio Tchova sabe (até porque lê – embora nem sempre entenda – regularmente o Folha 8) que, em Julho de 2008, os líderes das oito economias mais industrializadas do mundo (G8), reunidos no Japão numa cimeira sobre a fome, causaram espanto e repúdio na opinião pública internacional, após ter sido divulgada aos órgãos de comunicação social a ementa dos seus almoços de trabalho e jantares de gala. Coisa que o MPLA tem o cuidado de não divulgar.
Reunidos sob signo dos altos preços dos bens alimentares nos países desenvolvidos – e consequente apelo à poupança -, bem como da escassez de comida nos países mais pobres, os chefes de Estado e de Governo não se inibiram de experimentar 24 pratos, incluindo entradas e sobremesas, num jantar que terá custado, por cabeça, a módica quantia de 300 euros.
Embora seja algo corriqueiro (nomeadamente nos repastos dos dirigentes do MPLA), não faltou nessa cimeira do G8 (uma espécie de Comité Centrar do MPLA) também caviar legítimo com champanhe, salmão fumado, bifes de vaca de Quioto e espargos brancos. Nas refeições estiveram envolvidos 25 chefs japoneses e estrangeiros, entre os quais alguns galardoados com as afamadas três estrelas do Guia Michelin.
Segundo a imprensa britânica, o “decoro” dos líderes do G8 – ou, no mínimo, dos anfitriões japoneses – impediu-os de convidar para o jantar alguns dos participantes nas reuniões sobre as questões alimentares, como sejam os representantes da Etiópia, Tanzânia ou Senegal.
Os jornais e as televisões inglesas estiveram na linha da frente da divulgação do serviço de mesa e das reacções concomitantes. Dominic Nutt, da organização Britain Save the Children, citado por várias órgãos online, referiu que “é bastante hipócrita que os líderes do G8 não tenham resistido a um festim destes numa altura em que existe uma crise alimentar e milhões de pessoas não conseguem sequer uma refeição decente por dia”.
Para Andrew Mitchell, do governo-sombra conservador, “é irracional que cada um destes líderes tenha dado a garantia de que vão ajudar os mais pobres e depois façam isto”.
A cimeira do G8, realizada no Japão, custou um total de 358 milhões de euros, o suficiente para comprar 100 milhões de mosquiteiros que ajudam a impedir a propagação da malária em África ou quatro milhões de doentes com Sida. Só o centro de imprensa, construído propositadamente para o evento, custou 30 milhões de euros.