SEGURANÇA E PAZ PARA ASSEGURAR UMA DEMOCRACIA DURADOURA

Para os que me não conhecem, eu sou Adalberto Costa Júnior, Presidente da UNITA, Partido fundado por Jonas Malheiro Savimbi, em 1966 em Angola. Sou também Vice-Presidente do IDC.

Por Adalberto Costa Júnior (*)

É para mim uma grande honra estar perante tão ilustres personalidades, representando todos os continentes do mundo, onde o IDC está presente, e por isso com grande honra aceitei o desafio de aqui estar e discorrer sobre um tema candente e sempre actual: SEGURANÇA E PAZ COMO FUNDAMENTOS DE UMA DEMOCRACIA DURADOURA.

Ante os riscos, perigos e ameaças que emergem neste mundo globalizado, interdependente e em permanentes mudanças, faz sentido que se reflicta sobre as condições e instrumentos que favorecem a construção e preservação da segurança e paz, premissas sem as quais não há desenvolvimento. Sem desenvolvimento, sem paz e segurança a democracia é uma MERA ILUSÃO/ UMA QUIMERA. De onde resulta a relevância da abordagem do tema que me foi submetido. Assim:

A segurança é, de entre uma miríade de tentativas da sua definição, um conjunto de medidas activas e passivas para garantia da protecção contra a violência, concretizada por ataques, roubos, guerras, sabotagem destruição de bens públicos e, ou, privados. A segurança previne e protege de situações adversas.

Dissecando o tema começaria por trazer a liça, uma resumida compreensão das grandes premissas que o tema sugere e que têm sempre como objectivo final, o desenvolvimento, que grandes e pequenos estados, fortes e frágeis buscam.

Assim a Segurança visa justamente antecipar e confrontar as situações de risco e ameaças com que as sociedades do nosso tempo se confrontam, nomeadamente as tensões, que, no sistema internacional, decorrem da dialéctica entre a cooperação e o conflito, a conquista e ampliação de territórios de alguns estados, para o controlo de pontos nevrálgicos, com ou sem fundamento na legitimidade histórica, etc. No plano interno de cada país, a Segurança visa antecipar e debelar as situações que dão lugar aos conflitos gerados pelas contradições políticas internas, pelo desemprego jovem, pela desigualdade no acesso à riqueza e ao bem-estar, ao controlo das riquezas naturais, à marginalização de minorias ou de maiorias, etc., etc..

A segurança é, antes de mais, um ato de precaução ou de dissuasão, isto é, tem uma lógica de prevenção, procurando evitar que ameaças e riscos se concretizem. Ora vemos que na origem dos conflitos na Ucrânia, na Palestina e em Taiwan, o que está em causa é a ampliação da soberania territorial do mais forte em desfavor do mais fraco, questões que, apesar de terem sido previstas, faz tempo, não mereceram o tratamento antecipado que merecem. De onde emerge a guerra da Ucrânia e Palestina, ou subsiste a ameaça no caso de Taiwan. Mesmo na RDC, está também em causa a tentativa de ampliação de soberania territorial e a intervenção dos mais fortes sobre países mais fracos. Na RDC o conflito não é apenas entre a RDC e o Ruanda. Na verdade, este é um conflito pelo controlo dos minerais raros, que envolvem EUA, China, Rússia e mesmo potências europeias!

A Segurança passa pela minimização ou eliminação das ameaças e riscos.

“As ameaças e os riscos são hoje múltiplos e distintos, sendo necessário identificá-los, antecipar-se a eles e encontrar respostas sem o que não se pode falar em segurança e paz.

Ameaça é todo e qualquer evento, acção, pessoa ou entidade que possui um potencial de explorar as vulnerabilidades de um sistema ou organização e causar danos. As ameaças podem ser naturais (desastres naturais) e humanas.

As ameaças exploram as vulnerabilidades para atingirem os seus objectivos.

Por seu turno, o risco é a probabilidade de que uma ameaça explorará com sucesso as vulnerabilidades de um dado sistema, combinada com as consequências desse evento indesejado”

Entretanto a Paz, que advém do latim absentia belli, define-se por alguns como um estado de tranquilidade ou harmonia e pela ausência de conflitos ou violência.

Para nós a Paz é algo muito mais que a simples ausência da guerra, de conflito ou violência. Na experiência Angolana, a Paz é a presença de Justiça, de Igualdade, de respeito pelos Direitos Humanos, de Inclusão e de Sustentabilidade.

Não há paz onde impera a desigualdade, onde a riqueza é repartida de forma desigual, onde são desrespeitados os Direitos Humanos dos cidadãos e onde a superioridade dos interesses, incluindo internacionais, elegem o lado das autocracias em detrimento da defesa dos direitos dos povos a serem bem governados.

A paz é o corolário da segurança, é condição sem a qual não se alcança o desenvolvimento, e a democracia não se consolida nem se torna duradoura.

Sou originário de um continente onde Deus implantou Angola, meu país, na região austral de África, onde até aos nossos dias permanece um conflito armado latente em Cabinda, no norte do país, e na sua vizinhança lavra um conflito que assume proporções inter-estatais, centrado na pilhagem de recursos minerais e florestais, na República Democrática do Congo; e, com uma feição nitidamente terrorista, outro conflito militar ocorrendo em Moçambique; sem olvidar o drama das populações que morrem e abandonam as suas casas por causa do conflito no Sudão, e não só; o tema SEGURANÇA E PAZ PARA ASSEGURAR UMA DEMOCRACIA DURADOURA, não poderia ser mais sugestivo e necessário de ser dissecado no continente Africano!

Apesar disso, estamos certos de que a busca da segurança e da paz para assegurar o desenvolvimento humano e material não é uma questão exclusiva de alguns países, chamados países frágeis de África, da América Latina ou da Ásia, continentes onde subsiste o subdesenvolvimento.

A segurança, a paz e o desenvolvimento como corolários de uma democracia duradoura são, a nosso ver, uma preocupação global pois os desequilíbrios em matéria de segurança e paz, ocorrendo num ou mais países de relevância estratégica, (para de entre outros garantirem o fornecimento de matérias primas cruciais, assegurar a navegação comercial, e não só), afectam quase todo o mundo. Estamos a vivenciar na Europa, desde 2021, com a eclosão do maior conflito militar desde a II Grande Guerra opondo a Rússia e a Ucrânia, com devastadoras consequências para o preço da energia, dos combustíveis, dos alimentos básicos… Com alterações em toda a geoestratégia mundial! A acção dos hutis no Yemen cujos efeitos e consequências afectam em maior ou menor grau o frete marítimo de transporte de mercadorias, com consequências globais.

Paz e Segurança não são temas circunscritos aos territórios onde se desenvolvem os conflitos e as ameaças. Paz e segurança intervêm na geoestratégia mundial e afectam a estabilidade política e económica de todos os continentes.

Hoje são ameaças a Paz e Segurança, além das disputas territoriais, a luta pelos recursos minerais, em especial aqueles minerais raros, o trafico de drogas o trafico de seres humanos, o terrorismo, sem esquecer aquele de origem religiosa; Não podemos deixar de citar como atentado a segurança a destruição do ambiente e dos habitats, porquanto estes poem em causa as condições de vida das comunidades humanas e animais.

São riscos a segurança também algumas posturas baseadas na existência de duplos valores consoante o interesse dos países onde a Democracia, Direitos Humanos, Estado Democrático de Direito adquirem valências múltiplas, em função dos interesses económicos, dos contratos celebrados, permitindo se que hoje violadores dos Direitos universais estabelecidos sejam campeões das liberdades e atentem contra a soberania dos seus povos.

“São riscos à Paz e à Segurança a inexistência no nosso continente de instituições fortes, mas sim autocracias fortes com governação autoritária e muitas vezes ditatorial.”

Estas constituem-se atentados à paz e à segurança.

O Índice de Paz Global (GPI), produzido pelo Institute for Economics and Peace (IEP), é uma medida abrangente da tranquilidade global. Classifica 163 países com base em 23 indicadores qualitativos e quantitativos de fontes altamente respeitadas. Estes indicadores abrangem três domínios:
1. Segurança Social: Este domínio avalia o nível de segurança dentro de um país.
2. Conflito Doméstico e Internacional em Curso: Avalia a extensão dos conflitos, tanto internos quanto externos.
3. Militarização: Este domínio mede o grau de militarização em determinado país.
Aqui estão algumas tendências-chave do Índice Global da Paz de 2023:
• Apesar de 126 países terem melhorado a sua paz, de 2009 a 2020, o nível médio de tranquilidade global deteriorou-se;
• 84 Países registaram uma melhoria, enquanto 79 registaram uma deterioração;
• As mortes por conflitos globais aumentaram 96%, atingindo 238 mil mortes causadas directamente pelos conflitos actuais, mensurados (certamente este número é um minorante nas áreas mensuradas, sendo o número real muito maior);
• Novos dados mostram que a Etiópia agora teve um número maior de mortes em conflitos do que a Ucrânia, superando o pico global anterior durante a guerra da Síria (mas não se fala desta realidade dramática e destes números);
• O impacto económico global da violência, aumentou 17% (equivalente a USD$ 1 trilhão), atingindo USD$ 17,5 trilhões em 2022 (cerca de 13% do PIB global).).

• UMA ADVERTÊNCIA PARA O MUNDO:

Um bloqueio chinês a Taiwan, se concretizado causaria na previsão do Índice Global da Paz, uma queda na produção económica global, de USD$ 2,7 trilhões, quase o dobro da perda durante a crise financeira global de 2008. (Quais seriam as consequências para os países frágeis e para a produção e exportações chinesas e outras?)
• Com o conflito na Ucrânia, 92 países aumentaram os seus gastos militares, enquanto 110 reduziram-nos;
• Os conflitos estão se internacionalizando, com 91 países envolvidos em alguma forma em conflitos externos (contra apenas 58 em 2008);

O impacto da Guerra na Ucrânia na paz é significativo:

• O ranking da Ucrânia caiu 14 posições, para a 157ª posição.
• O impacto económico da violência na Ucrânia aumentou 479% (equivalente a US$ 449 bilhões, ou 64% do PIB da Ucrânia).).
• Surpreendentemente, apesar do conflito, a Rússia viu melhorias em sua taxa de encarceramento/prisões internas, diminuíram as manifestações violentas, diminuíram as liberdades, a taxa dos homicídios baixou (com a taxa de homicídios em seu nível mais baixo desde 2008).
• 65% dos homens na Ucrânia com idades entre 20 e 24 anos fugiram do país ou morreram no conflito1.

NOTA: infelizmente, não encontramos os dados que elucidem o impacto das catástrofes e guerras que impactam os chamados países frágeis e mui particularmente o Sudão, a Etiópia, a República Democrática do Congo, ou Moçambique. E fica a pergunta. Porquê? Talvez porque não interesse estudar e quantificar o que se passa no continente Africano! O IGP trás estudos sobre conflitos na europa, no médio oriente, na Ásia, mas não em Africa. Nós africanos devíamo-nos preocupar e investir mais em investigação sobre o nosso continente. Se não formos nós a retirar o continente das ditaduras, dos regimes autoritários, do neocolonialismo consentido e exercido hoje por governos africanos, outros não o farão.

Nos nossos países, o atraso colonial foi agravado por conflitos de toda a índole, pela exclusão partidária, pelo autoritarismo e pelas erradas opções políticas, subsiste o subdesenvolvimento crónico que se agrava com os conflitos cíclicos gerados pela má governação e pelo fardo que acarretamos com as consequências dos conflitos e guerras que eclodem ao nosso redor, que nos legam elevada imigração das elites, grandes fluxos de refugiados, instabilidade social e económica e nos colocam na clientela do FMI e do BM, programas com elevados custos para o continente africano.

Paz, segurança e desenvolvimento deverão ter nos nossos países prioridade na agenda nacional e serem também prioridade na agenda da União Africana, com Universidades e Investigação que nos conduza à novas realidades e à sustentabilidade para os nossos povos.
A África dilacerada por conflitos que vão desde aos conflitos eleitorais, gerados amiúde por processos eleitorais fraudulentos, pelas reivindicações de uma juventude cada vez mais numerosa, sem emprego e sem acesso a uma escolarização de qualidade; desemboca em golpes de estado e em conflitos armados, e não deixa de nos lembrar que os problemas que emperram a paz e a segurança, condicionam o funcionamento da democracia lá onde não está resolvido o problema da má governação. Existe uma relação directa e insofismável entre um bom governo e a existência verificável da segurança, paz e Democracia Duradouras, assim como se verifica uma relação directa entre a influência negativa, por vezes vinda do exterior, pela via da superioridade dos interesses económicos que se aliam e protegem as autocracias corruptas, que manipulam eleições, com o não funcionamento da democracia, e com a instabilidade em África.

Em, África por exemplo, se não for equacionado o problema do encorajamento das potências mundiais às autocracias, (ao permitirem que governos corruptos e incompetentes se perpetuem no poder, aticem conflitos internos, promovam a corrupção e a inobservância dos direitos humanos dos cidadãos, alterem os resultados das eleições e desrespeitem os limites constitucionais dos mandatos que eles próprios fixaram nas suas constituições); se contra estes e outros males, nada for feito, a segurança e a paz que condicionam o desenvolvimento económico e a democracia duradoura, serão sempre abalados por golpes de estado, eleições fraudulentas e conflituosas, conflitos armados de índole tribal ou gerados pela exclusão de maiorias ou minorias, e guerras pelo acesso aos recursos naturais.

Não é por acaso que, um pouco à semelhança dos cenários vividos na década de oitenta, voltam a verificar-se golpes militares na mesma medida em que se assiste o revigoramento das autocracias que procuram justificar a sua existência e sobrevivência pela via da orquestração de golpes constitucionais para a formalização do prorrogamento de mandatos, sem olvidar a manipulação das escolhas dos cidadãos em eleições fraudulentas em diferentes países da África, e a intromissão de potências mundiais, no auge de outra guerra fria, animada pelo emergente conflito entre a manutenção da ordem mundial antiga, dominada pelo G7, com os Estados Unidos à cabeça, e a proposta de uma nova ordem mundial multipolar a ser imposta pelos BRICS, com a China e a Rússia na liderança, ´conflito cujos efeitos já se desenham no Sahel africano e não só.

O alarme soou, particularmente, com a vaga de “mudanças inconstitucionais de governo” no Níger, Mali, Burkina Faso e Gabão, sem falar da sublevação fracassada em Freetown (Serra Leoa), e em Kinshasa na RDC, dos conflitos armados que continuam a flagelar o Sudão, o leste da República Democrática do Congo ou ainda o caso de Cabo Delgado no norte de Moçambique, rico em recursos minerais.

Traçado em largas pinceladas, este é o quadro vivido em África, no domínio da segurança e da paz, afectando a democratização efectiva dos nossos países.

Uma trágica aguarela que mostra que o continente ainda está longe de viver um ambiente de estabilidade em matéria de segurança e paz para alcançar uma Democracia duradoura. Mas também já existem os pessimistas a quem a democracia desiludiu pela simples questão de que não lhes foi dito que a democracia não existe sem paz, segurança e, sobretudo, sem um bom governo, o que significa a necessidade de um governo que preste contas e que seja legitimado pela livre escolha.

Só com um bom governo, eleito pela maioria, que governe até para os que o não elegeram, é que se pode garantir a segurança, a paz e uma democracia duradoura.

Democracia duradoura sem um bom governo, aceite pela maioria dos governados sucumbe nas agruras da insegurança e do conflito!

O ambiente de Paz, de Segurança e de desenvolvimento no continente africano carecem de ver aprovados nas instituições do continente e naquelas outras internacionais, tais como no Parlamento Pan Africano, no Parlamento Europeu e no Congresso Americano, medidas punitivas contra os autores de Golpes Constitucionais, que levam ao poder inúmeros governos ilegítimos, que caracterizam a realidade de um número elevado de países africanos. A Comunidade Internacional por hábito silencia estes golpes constitucionais efectuados pelos governos dos países que não realizam eleições livres e transparentes, que controlam os seus tribunais e as Comissões Nacionais Eleitorais e que invariavelmente tentam alterar as Constituições para reforçar poderes e limitar a soberania popular.

Mas vou terminar dizendo que renasce a esperança no continente africano, porque há uma maturação dos seus povos, ontem colonizados, depois neocolonizados, explorados pelos seus próprios irmãos, quais novos colonos, conduzidos ao desespero de uma emigração de alto risco e custos brutais em vidas. Há uma nova esperança na maturidade dos povos que se começa a manifestar na punição de movimentos de libertação que não souberam ser transformadores dos seus países e que começas a ser punidos por uma juventude ansiosa por usufruir da imensa riqueza dos seus países e também determinada a correr riscos elevados para mudar o triste destino dos seus progenitores.

As potências ocidentais, as emergentes potências económicas devem estudar melhor as mudanças de maturidade que estão a ocorrer no continente africano e a incontornável força de uma juventude mais sofredora, com acesso à internet, conhecedora do mundo e decidida a mudar o seu destino.

Conferências como esta são momentos rara importância, sendo que o IDC Africa tem sabido trazer ao debate questões de relevante actualidade.

(*) Texto da intervenção, ontem, na Conferência da Internacional Democrata do Centro (África), em Paris.

Nota. O presente texto não corresponde “ipsis verbis” ao que foi divulgado pela Presidente da UNITA pelo facto de ter sido sujeito a diversas correcções ortográficas.

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