A empresária angolana Isabel dos Santos disse hoje que jamais recusou prestar declarações à Justiça do MPLA e que não foi notificada pela Procuradoria-Geral da República de Angola (conhecida sucursal do MPLA) adiantando que já respondeu à acusação do caso Sonangol.
Numa mensagem divulgada depois de as autoridades angolanas dizerem que Isabel dos Santos se tinha negado a apresentar a sua versão dos factos de que é acusada, os advogados da empresária afirmam que é falsa a afirmação do Procurador-Geral Adjunto da República de Angola, Pedro Mendes de Carvalho, de que a empresária Isabel dos Santos foi notificada para ser ouvida, mas que preferiu não responder às questões.
“A Eng.ª Isabel dos Santos, que vive fora de Angola há vários anos (desde 2017), não foi notificada pela PGR de Angola para ser ouvida e jamais se recusou a prestar declarações à Justiça ou a colaborar para a descoberta da verdade dos factos e sua reposição”, destacam os advogados.
Segundo o comunicado, em 22 de Janeiro de 2024, Isabel dos Santos apresentou respostas e esclarecimentos à acusação relativa à sua gestão na petrolífera do MPLA, Sonangol (com data de 11 de Janeiro de 2024), no prazo estabelecido por lei de dez dias, na sequência da notificação recebida pelos seus advogados em 12 de Janeiro deste ano.
Na nota refere-se que Isabel dos Santos solicitou a instrução contraditória do processo, que deu entrada no tribunal em 22 de Janeiro.
O procurador-geral Adjunto da República, Pedro Mendes de Carvalho, fez estas revelações/acusações à margem de um ‘workshop’ sobre investigações financeira e branqueamento de capitais que decorreu em Luanda.
“De acordo com os prazos legais, o processo poderá entrar em julgamento daqui a dois ou três meses, mas depois tem todo o formalismo que tem de se obedecer”, caso seja solicitada a instrução contraditória, uma fase do processo em que tanto a defesa como a acusação podem intervir e em que os arguidos podem apresentar argumentos e provas.
Do ponto de vista formal e considerando (o que não é certo) que a PGR se rege por regras de um Estado de Direito, só depois disso o processo será remetido para juízo com despacho de pronúncia, o que significa que irá para a fase de julgamento, ou despacho de arquivamento.
“Foi notificada para o efeito, teve oportunidade de se defender, tem esta diligência no processo”, afirmou Pedro Mendes de Carvalho, sublinhando que o arguido é livre de apresentar ou não [a sua versão], podendo responder ou não às questões.
A empresária angolana é acusada de 12 crimes num processo que envolve a sua gestão à frente da petrolífera do regime Sonangol entre 2016 e 2017.
O director nacional de Investigação e Penal e director nacional de Prevenção e Combate à Corrupção da PGR destacou ainda que as autoridades angolanas mantêm boas relação institucionais com as suas congéneres, com quem têm estado a cooperar em matéria judicial.
“Temos estado a receber cartas rogatórias de outros países e temos estado a remeter cartas rogatórias, tem havido resultados”, disse, apontando Portugal e Suíça entre os países que têm solicitado diligências a Angola.
Pedro Mendes de Carvalho adiantou que Angola está a fazer uma serie de acções para ir ao encontro das recomendações da Grupo de Combate ao Branqueamento de Capitais para África Austral e Oriental (ESAAMLG) com vista a superar e capacitar melhor os operadores que intervêm no combate ao branqueamento de capitais, e tem vindo a instaurar mais processos.
Publicado em Junho do ano passado, o relatório do Grupo de Acção Financeira (GAFI), agência global de combate ao branqueamento de capitais e financiamento do terrorismo, incluiu uma série de recomendações que Angola terá de cumprir (isto é como quem diz!) para evitar o regresso à “lista cinzenta” da instituição, que implica restrições significativas ao acesso a financiamento internacional.
“Temos estado a trabalhar neste sentido, temos feito o máximo para que consigamos passar nesta avaliação”, realçou o responsável da PGR.
Pedro Mendes de Carvalho salientou que os recursos humanos (maioritariamente com currículo comprovado pelo… MPLA) têm vindo a ser reforçados, quer em número, quer em capacitação, tal como os recursos financeiros, para melhorar as condições dos magistrados.
Recorde-se que no passado dia 16, Isabel dos Santos disse que as autoridades angolanas dão “ordens directas” e instruções às suas congéneres portuguesas nos casos judiciais que a envolvem nos dois países.
A filha do antigo Presidente angolano, José Eduardo dos Santos, que falava à Rádio Essencial, disse que estavam em curso processos de reclamação dos seus investimentos em Angola e em Portugal.
Isabel dos Santos tem contas e activos arrestados em vários países na sequência de processos judiciais que correm em Angola e noutras jurisdições.
Instada a comentar o que espera das autoridades portuguesas, a empresária afirmou que as decisões e o posicionamento da Justiça portuguesa são “a mando da Justiça angolana”, nomeadamente da Procuradoria-Geral da República e do Serviço de Recuperação de Activos, que “mandam instruções” que são cumpridas pelas contrapartes portuguesas “sem verificar se aquilo é verdade ou mentira”.
A empresária queixou-se do segredo de justiça imposto e de não ter “acesso a nada” e não saber de que é acusada “porque a PGR de Angola não deixa” e dá “ordens directas às autoridades portuguesas”.
Quanto a Angola, afirmou que os arrestos decretados no final de 2019 “têm um impacto muito negativo na gestão” das suas antigas empresas, salientando que “a vocação do Estado não é gerir empresas privadas, e sim governar bem o país”.
Em 31 de Dezembro de 2019, o Tribunal Provincial de Luanda decretou o arresto preventivo das contas bancárias pessoais de Isabel dos Santos, de Sindika Dokolo (seu marido, já falecido) e de Mário Leite da Silva, no Banco de Fomento Angola (BFA), Banco Internacional de Crédito (BIC), Banco Angolano de Investimentos (BAI) e Banco Económico, além das participações sociais que os três detêm enquanto beneficiários efectivos no BIC, Unitel, BFA e ZAP Media.
O despacho sentença proferido na altura dava como provada a existência de um crédito dos requeridos para com o Estado angolano num valor superior a mil milhões de dólares (894,9 milhões de euros), dívida que os requeridos terão reconhecido, mas alegaram não ter condições para pagar, de acordo com o documento.
O Consórcio Internacional de (suposto) Jornalismo de Investigação revelou em 19 de Janeiro de 2020 mais de 715 mil ficheiros, sob o nome de Luanda Leaks, que detalham alegados esquemas financeiros de Isabel dos Santos e do marido que lhes terão permitido retirar dinheiro do erário público angolano através de paraísos fiscais.
Noutra frente, Isabel dos Santos associou o processo por suposta gestão danosa na Sonangol a um “calendário político” do Presidente angolano, Presidente do MPLA e Titular do Poder Executivo, general João Lourenço, que quer conquistar popularidade para um terceiro mandato e afastar as pessoas que se lhe opõem.
“Não há dúvida de que João Lourenço quer um terceiro mandato e parte disto é para lhe dar votos de popularidade. Ele está a fazer isto como parte da agenda de um terceiro mandato para conseguir fazer a mudança da Constituição e tirar do caminho qualquer pessoa que não tenha a mesma visão”, sublinhou a filha do ex-Presidente José Eduardo dos Santos.
“Eu não acredito que o Estado tenha de ser dono de tudo, eu acredito na liberdade de imprensa, temos um posicionamento político muito diferente”, continuou Isabel dos Santos, acusando João Lourenço de quer tirar poder económico a quem possa fazer-lhe frente, apoiar outros candidatos ou outros partidos.
A empresária queixou-se de ter visto o seu dinheiro e activos congelados há cerca de quatro anos, sem qualquer condenação ou acusação, não podendo sequer pagar a educação dos filhos ou custear despesas de saúde.
“São medidas de muita agressividade, só se faz isso a quem se quer intimidar”, frisou, questionando também a gestão das empresas que lhe foram retiradas, nomeadamente a operadora de telecomunicações Unitel, que enfrenta dificuldades.
Isabel dos Santos garantiu que iria responder às acusações que lhe são feitas no prazo de dez dias que lhe é dado para prestar esclarecimentos, que o seu advogado tudo fará para tudo remeter dentro do prazo e afirmou que não se encontra em parte incerta, devido ao pedido enviado pelas autoridades angolanas para a Interpol e que a impede de se deslocar.
“Nas procurações consta o meu endereço, as autoridades angolanas e portuguesas sabem onde eu estou, tenho recebido correios das autoridades portuguesas em minha casa”, acrescentou.
A empresária salientou que nunca fez parte de decisões políticas nem integrou as estruturas dirigentes do MPLA (partido do poder há 48 anos) e que não tinha relações próximas com João Lourenço e a sua família, dizendo não saber os motivos da escolha deste candidato para suceder ao seu pai.
Isabel dos Santos afirmou que José Eduardo dos Santos tinha um estilo de gestão “colegial” que incluía as opiniões dos seus auxiliares: “acredito que o MPLA deve ter debatido a candidatura de João Lourenço e ter tomado uma decisão nesse sentido”.
A empresária angolana sublinhou que para a sua família esta é “uma fase dura, difícil”. “Nós amamos Angola e não viver em Angola é algo que sofremos muito”, destacou Isabel dos Santos.
“Sentimos saudades, sentimos que aquilo que nos está a acontecer não é justo, que nos está a acontecer porque somos filhos de José Eduardo dos Santos”, continuou.
Isabel dos Santos e os seus irmãos Welwitscia “Tchizé” dos Santos e José Eduardo Paulino dos Santos “Coreon Du” vivem há vários anos fora de Angola, depois de João Lourenço assumir o poder, sendo a empresária visada em vários processos judiciais a nível internacional.
A filha do antigo Presidente criticou o executivo angolano por se ter comportado “de forma muito desumana” na altura da morte de José Eduardo dos Santos, impondo um funeral de Estado em Luanda, contra a vontade dos filhos mais velhos, e acusou o poder político de não ter sido leal ao pai nem à história de Angola, faltando vozes que se levantassem contra o que estava a acontecer.
Folha 8 com Lusa
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