PGR “AGRADECE” LIÇÃO DOS ADVOGADOS DE ZENU

O Procurador-Geral da República (PGR) angolano, general Hélder Pitta Gróz, desvalorizou hoje, em Luanda, a decisão que declarou inconstitucional o julgamento do caso “500 milhões”, envolvendo o filho do antigo Presidente José Eduardo dos Santos, considerando que “motiva a fazer melhor”.

Para o general Hélder Pitta Gróz, não está em causa o combate à corrupção, mas antes uma melhoria dos procedimentos, motivando a fazer mais e melhor.

“Não quer dizer que esta decisão do Tribunal Supremo vá pôr em causa o combate à corrupção e outras questões, pelo contrário, isso vai fortalecer a nossa forma de agir, vai fazer com que fiquemos mais atentos a determinados procedimentos e que possamos fazê-lo de uma forma mais intensa, com mais vigor, isso tendo em conta sempre a legislação predominante aqui em Angola”, referiu.

Hélder Pitta Gróz referia-se ao recente acórdão do Tribunal Constitucional (TC) de Angola que declarou inconstitucional a sentença do Tribunal Supremo, no caso do desvio ilegal de 500 milhões de dólares (469,7 milhões de euros) do Banco Nacional de Angola para o estrangeiro que resultou na condenação, entre outros, de José Filomeno dos Santos, conhecido como “Zenu”, filho do ex-Presidente José Eduardo dos Santos.

Para os juízes do TC, o plenário do Tribunal Supremo não observou os princípios da legalidade, julgamento justo e do contraditório, devendo o processo ser remetido novamente para esta instância para que sejam corrigidas as questões consideradas inconstitucionais.

Segundo Hélder Pitta Gróz, que falava à imprensa à margem de uma conferência sobre o reforço e cooperação entre Angola, a União Europeia e a Organização das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (ONUDC), o que foi posto em causa foi o julgamento, por não terem sido observados determinados princípios constitucionais.

“O processo agora será remetido ao Tribunal Supremo, que foi a instância que fez o julgamento e o Tribunal Supremo irá decidir sobre qual será o passo seguinte. Teremos de aguardar pelo pronunciamento do Tribunal Supremo para onde o processo irá”, frisou.

José Filomeno dos Santos, ex-presidente do Fundo Soberano de Angola, foi condenado, em segunda instância, em agosto de 2020, pelo Tribunal Supremo de Angola, a uma pena de prisão de cinco anos pela “prática dos crimes de peculato, burla por defraudação e tráfico de influência”.

A defesa recorreu da decisão para o Tribunal Constitucional, em 2022, tal como os outros três condenados, Valter da Silva, ex-governador do BNA, Jorge Gaudens Sebastião, empresário e amigo de infância de “Zenu”, e António Bule Manuel, director do BNA, todos sentenciados a penas de prisão: oito, seis e cinco anos, respectivamente.

Recorde-se que para o plenário dos juízes do TC, em acórdão datado de 3 de Abril de 2024 e tornado público no dia seguinte, o arresto dos bens dos arguidos violou os princípios constitucionais referindo, no entanto, que o recurso procede, devendo os autos baixar às instâncias devidas “para que sejam expurgadas as inconstitucionalidades verificadas”.

A posição do TC vem em resposta ao recurso extraordinário de inconstitucionalidade remetido ao órgão por Valter Filipe da Silva, Jorge Guadens Pontes Sebastião, José Filomeno dos Santos “Zenu” e António Samalia Bule Manuel condenados pelo Tribunal Supremo, em 2020, pela prática dos crimes de peculato, burla por defraudação e tráfico de influência, com penas fixadas entre cinco e oito anos de prisão, no conhecido caso “500 milhões”.

Entendem os requerentes que o acórdão do Supremo não observou o princípio da legalidade pois “fez tábua rasa a questões prévias essenciais para a descoberta da verdade material”, tais como “ter desvalorizado” as respostas dadas pelo então Presidente angolano, José Eduardo dos Santos, que morreu em Julho de 2022 em Espanha.

Violação dos princípios da legalidade, do acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva, da ampla defesa, da presunção de inocência, do processo justo e equitativo, do dever de fundamentação das decisões judiciais e do contraditório estão entre as queixas dos recorrentes.

De acordo com o plenário do TC, houve uma “desconsideração” do Tribunal Supremo em relação à carta constante dos autos, assinada pelo declarante José Eduardo dos Santos, em que autoriza Valter Filipe da Silva, ex-governador do Banco Nacional de Angola (BNA), a movimentar somas de dinheiro.

Referem que o julgamento foi conduzido sem a valoração da carta de José Eduardo dos Santos, considerada “essencial para a descoberta da verdade material” colocando assim em causa a salvaguarda de garantias constitucionalmente consagradas, o direito à defesa e o princípio do contraditório.

Perante o conteúdo das respostas, assinala o Tribunal Constitucional, o Supremo desvalorizou a carta-resposta de José Eduardo dos Santos por considerar não terem sido cumpridos os requisitos de autenticação da assinatura do declarante, nem mesmo o procedimento legal de envio.

“Em face ao exposto, esta corte entende que, por não ter sido admitida da carta-resposta do antigo Presidente da República, nos termos em que ocorreu, o acórdão objecto do presente recurso violou os princípios da presunção de inocência e do contraditório, bem como o direito à defesa”, lê-se na decisão, de 22 páginas.

Conclui igualmente o Tribunal Constitucional que foi violado o direito a um julgamento justo e conforme, à luz das normas da Constituição angolana, da Declaração Universal dos Direitos Humanos, do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos e da Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos.

O plenário entendeu também afastar da moldura penal concreta o crime de burla por defraudação, imputados os requerentes, “por não estarem reunidos os elementos do tipo” e nesta condição o TC infere que não foi posta em causa a alegada violação do princípio da imutabilidade da acusação.

Quanto à queixa sobre violação do direito a um julgamento justo, consideram os juízes que foram verificadas desconformidades constitucionais de certos procedimentos tomados no decurso do processo, como é o caso da não admissibilidade de prova documental relevante (carta do antigo Presidente da República), concluindo existir violação desse direito.

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