MUSSIVI, CEBOLAS E ARROZ…

A exploração ilegal da madeira Mussivi foi considerada “muito crítica” na província do Cuando Cubango, pelo ministro da Agricultura e Florestas, António Francisco de Assis, que anunciou a responsabilização criminal das empresas implicadas. Nada de novo, portanto.

O governante, que falava a alguma imprensa, no Cuito Cuanavale, após uma visita a três estaleiros de empresários chineses em Menongue e naquele município, que têm madeira do tipo Mussivi apreendida, disse que a exploração deste tipo de madeira está proibida no país.

António Francisco de Assis ressaltou que apesar de o corte de Mussivi não ser permitido, esta espécie de madeira foi a mais apreendida nos estaleiros visitados, por incumprimento da lei, pelo que o ministério vai acabar com essa prática, tendo já identificado as empresas prevaricadoras. Mais do mesmo. O Governo vai, com habitualmente, trocar seis por meia dúzia.

O ministro afirmou que a madeira apreendida vai reverter a favor do Estado, para apoiar as empresas que fabricam carteiras escolares, janelas, portas, mobiliário, e o restante poderá ser exportado, dependendo das modalidades exigidas para o efeito.

“O Cuando Cubango e o Moxico são as duas províncias detentoras da espécie Mussivi em Angola, cuja madeira é muito valorizada no continente asiático”, frisou o ministro, de acordo com quem já se sente a desflorestação desordenada.

António Francisco de Assis repetiu também que na campanha florestal que se avizinha haverá mais rigorosidade na exploração da madeira no Cuando Cubango e Moxico e um conjunto de medidas, para proteger o património florestal.

Por outro lado, o ministro incentivou as famílias camponesas do Cuito Cuanavale a dedicar-se, cada vez mais, à produção da cebola, uma vez que o produto cultivado nesta localidade tem qualidade para ser comercializado em todo o país.

Durante a sua visita, António de Assis constatou a produção do arroz no Destacamento Prisional do Cuito Cuanavale, afecto ao Serviço Penitenciário do Cuando Cubango, onde entregou sementes de arroz, milho e trigo, bem como pulverizadores, fertilizantes, catanas, enxadas e carros de mão.

O objectivo é potenciar os reclusos empenhados no cultivo de arroz, em três dos cinco hectares planificados para esta época agrícola, bem como multiplicar a produção de hortícolas, para a diversificação da dieta alimentar.

Na ocasião, o administrador do Cuito Cuanavale, Daniel Bimbi Alfredo, disse que a estiagem ocorrida no primeiro trimestre deste ano afectou sete mil 340 famílias camponesas, o que irá comprometer a campanha agrícola.

Referiu-se também ao surgimento, desde Março, de uma praga de gafanhotos e larvas brancas nas margens de dois rios locais, situação que está a preocupar as autoridades locais.

Lamentou igualmente a falta de crédito agrícola para o fomento da actividade mecanizada junto das cooperativas, associações e camponeses particulares, assim como de meios de transporte para o escoamento de produtos do campo e para técnicos da direcção municipal da agricultura e de tractores com as respectivas alfaias.

DA FLORESTA À MÁFIA DA MADEIRA

A comuna do Cuíma, município da Caála, província do Huambo, perdeu, entre 2020 e 2023, um total de 45 por cento de área florestal em consequência da exploração massiva de madeira. No entanto, recorde-se, na sua tomada de posse, João Lourenço prometeu defender tudo e todos, incluindo macacos e chimpanzés…

A devastação do perímetro florestal do Cuíma, criado na era colonial, com 18 mil hectares, foi desproporcional aos programas de reposição das árvores de cedro, eucalipto e pinheiro.

No início de 2023, o director da Agricultura e Pescas no município da Caála, Avelino Alfredo, que falava à ANGOP, disse que a exploração do polígono florestal consta do projecto de fomento económico sustentado, com foco no melhoramento das condições de vida da população e, ao mesmo tempo, contribuir para a redução das importações.

Para o efeito, foram licenciadas pelas autoridades governamentais as empresas “Estrelas da Floresta” e “Mbundi Limitada”, na perspectiva de poderem repovoar o perímetro e, com isso, garantir a preservação da biodiversidade.

Avelino Alfredo disse que a empresa Estrela da Floresta conseguiu repovoar 530 hectares com espécies de cedro, eucalipto e pinheiro, enquanto a “Mbundi Limitada” atingiu 50 hectares de área, com a plantação de eucalipto.

De igual modo, a empresa pública florestal de madeiras de Angola (Madang) deu início a um estudo sobre o estado actual do polígono florestal do Cuíma, para definir as políticas administrativas e as boas práticas de sustentabilidade dos perímetros, com foco na exploração racional em defesa do ambiente e da sustentabilidade ecológica.

Avelino Alfredo disse que as autoridades administrativas têm vindo a trabalhar na promoção de campanhas de sensibilização contra as queimadas, construção de residências e do cultivo em perímetros florestais.

Explicou que as campanhas são aproveitadas para a consciencialização da população a conhecer os valores ecológicos e, ao mesmo tempo, a contribuir no combate às queimadas anárquicas e à desflorestação.

A iniciativa, segundo o responsável, visa conservar as zonas verdes e buscar hábitos saudáveis da protecção do ambiente.

O município da Caála, um dos 11 municípios que compõe a província do Huambo, tem uma zona florestal estimada em 25 mil hectares, nomeadamente dos perímetros da Calenga, Cuíma e Tchandenda.

Máfia da madeira. E de quem é a culpa?

Em Setembro de 2021, o então governador da província do Cuando Cubango, Júlio Bessa, disse que havia uma máfia na exploração da madeira, que envolve cidadãos nacionais e de origem asiática. É algo de novo? Não. E o que faz o Governo? Para não variar, olha para o lado e diz que está a preparar um regulamento, e assobia para embalar os matumbos.

“De facto está instalada uma máfia na madeira, que está muito ramificada e que passa por nós angolanos e vai terminar em pessoas oriundas da Ásia e não se sente aqui uma vontade de organização”, afirmou o governante.

Em declarações à RNA, Júlio Bessa esclareceu que sempre que as autoridades tomam uma medida algumas “vozes vão se levantando, no sentido de contrariar”.

“Mas o que nós temos dito é que não nos assusta, não estou com receio dessas pessoas, eu tenho sido uma pessoa muito aberta, tenho reunido frequentemente com os parceiros, com a associação dos madeireiros e temos tipo uma abertura total neste sentido”, salientou Júlio Bessa.

O então governador do Cuando Cubango realçou que “as ideias são claras” e tem defendido que à semelhança do sector petrolífero é preciso dar-se concessões.

“Este é o ponto de vista do governo do Cuando Cubango. As empresas petrolíferas concorrem para um bloco, se ganharem estão no bloco 2, 32 ou 34, aqui também tem que ser assim”, acentuou.

Em Setembro de 2018, o Governo anunciou que estava a elaborar um novo regulamento para a exploração de madeira no país, medida que visava pôr – como já dizia… José Eduardo dos Santos – termo à “anarquia” reinante, processo que, porém, “ainda vai demorar”.

O director nacional do Instituto de Desenvolvimento Florestal (IDF) do Ministério da Agricultura e Florestas de Angola, Simão Zau, explicou na altura que a ideia é, paralelamente, combater a fraude e a corrupção num sector que está desregulado.

“O novo regulamento define algumas situações novas. Actualmente, Angola vinha a trabalhar num sistema simples, com base no princípio de que, sem licença, não há exploração florestal, mas sem muitas garantias do ponto de vista de conservação da espécie”, face à falta de fiscalização, sublinhou Simão Zau.

Segundo aquele técnico, estavam já a decorrer “estudos de concepção para a exploração florestal” com o objectivo de aplicar princípios de gestão sustentável das florestas junto dos operadores do sector madeireiro no processo de plantação, exploração, transformação, transporte e comercialização.

“Isso é um ganho que vem no regulamento. Vão começar a criar-se as primeiras concessões antes da próxima campanha começar (1 de Maio de 2019). Pelo menos definir. É um processo gradual, porque implantar uma concessão não acontece num dia”, afirmou.

“Há uma série de instrumentos que é necessário ainda resolver, marcar as áreas, fazer o inventário dessas áreas, desenhar os blocos anuais de exploração, etc.”, explicou.

Questionado se o novo regulamento visava terminar com a anarquia reinante e, ao mesmo tempo, combater a fraude e a corrupção, Simão Zau destacou que essa é uma das razões para se disciplinar e racionalizar o sector madeireiro em Angola.

“Isso vai ser combatido, vão ser analisadas as atribuições de licenças. Está definido no novo regulamento quem pode ser autorizado para estabelecer um contrato de concessão com o Ministério da Agricultura e Florestas. Terão de ser empresas com uma certa idoneidade técnica e financeira para poder, sem sobressaltos, trabalhar de acordo com o que está definindo no regulamento”, indicou.

Segundo Simão Zau, há outras questões ambientais que foram incorporadas no regulamento “moderno e actualizado”, que vai “ajudar muito” na gestão da exploração florestal e na fiscalização.

“Neste momento, estamos a criar entrepostos madeireiros em todo o país, por onde toda a madeira terá de passar. Aí vai ser verificada e identificada a origem e o cumprimento de outros parâmetros que têm a ver com a própria árvore, se a espécie é licenciada ou não. Isso tudo vai ajudar a eliminar e combater a fraude e combater também o garimpo”, sublinhou.

Com o novo regulamento, quem tiver direito “vai pagar a concessão por 25 anos ou mais, pelo que vai defender aquilo como se fosse dele”, acrescentou.

E a culpa é de quem?

No dia 9 de Janeiro de 2018, o então secretário de Estado para os Recursos Florestais, André Moda, atribuiu responsabilidade a cidadãos nacionais pela exploração desmedida de madeira por estrangeiros, maioritariamente chineses, aliada ao número insignificante de fiscais para o efeito.

André Moda falava sobre a situação da exploração da madeira em Angola, alvo nos últimos tempos de várias denúncias públicas relativamente a quantidade desse recurso, alegadamente explorado por cidadãos chineses, sobretudo no leste de Angola.

“Infelizmente, estamos a gerir situações como este comportamento de fazer uso ilegal, mesmo a presença dos estrangeiros na posse dos nossos recursos, é devido ao comportamento do próprio cidadão nacional”, disse André Moda, referindo-se à violação da lei para a exploração florestal pelos cidadãos nacionais.

A lei de exploração florestal estabelece que apenas pode ser detentor de uma licença para o efeito, o cidadão nacional ou empresas de direito angolano, sendo proibido o seu trespasse.

Segundo André Moda, para a campanha florestal de 2018 o quadro deveria mudar, devido à execução da nova modalidade para a exploração florestal, que deixará de ser através de licenças para passar a contratos de concessão.

“Neste exercício de 2018 haverá penalizações, essas constatações decorrem do quadro legal antigo, que havia de facto licenças de exploração florestais cedidas a partir das províncias, não era fácil controlar, também devido aos meios humanos e de equipamentos escassos para a fiscalização”, referiu, informando a existência de apenas 326 fiscais para todo o país, auxiliados por órgãos de defesa e segurança nacionais.

Para reforçar a fiscalização, estava em cima da mesa uma proposta de criação de uma polícia florestal para maior controlo das florestas do país, informou ainda André Moda.

Por sua vez, o director nacional para a floresta, Domingos Veloso, disse que a exploração ilegal de madeira por chineses “é um facto”, pelo que vários encontros têm sido realizados com os donos das licenças para sensibilização.

“Os estrangeiros são bem-vindos, sejam chineses, vietnamitas, portugueses, porque eles têm capital, equipamentos, coisas que não temos, mas as parcerias têm regras. Os estrangeiros, por força da Lei florestal, estão impedidos de estar presentes seja nas operações de corte, na transportação, na sua semi-transformação ou na comercialização do produto”, disse, sendo apenas permitido ao parceiro estrangeiro a consultoria, assessoria ou comercialização do produto.

Contudo, a fragilidade na fiscalização da actividade leva a casos pontuais de violação da lei, disse ainda Domingos Veloso.

“Como medida, a licença na posse de um estrangeiro deve ser imediatamente apreendida e o angolano que tiver repassado essa licença deve ser impedido de voltar a beneficiar de uma licença de exploração”, avisou.

Nos novos moldes legais, o Estado esperava para a campanha florestal de 2018 uma diminuição drástica de solicitações, tendo em conta que o regime de contrato de concessão obriga o beneficiário a realizar o repovoamento florestal, a ter uma indústria ao contrário dos requisitos para a emissão de uma licença.

“Já estamos a ver que nem todos que se dedicam a essa actividade tenham essas condições, de maneira que o número de empresas na próxima campanha vai reduzir drasticamente”, disse Domingos Veloso.

Em Julho de 2017, o Governo afirmou que pretendia vender a madeira apreendida durante a campanha florestal de 2016 por práticas ilegais, nomeadamente de abate, uma decisão do Ministério da Agricultura, que já na altura manifestava preocupação com este fenómeno.

Uma decisão do Ministério da Agricultura referia que a madeira apreendida nas províncias do Bié, Benguela, Cuando Cubango, Huambo, Lunda Sul e Moxico, por infracções à Lei de Bases de Florestas e Fauna Selvagem, seria vendida por uma comissão própria, formalmente constituída a 18 de Julho.

A comissão teria de assegurar a “verificação e quantificação em metros cúbicos da madeira apreendida e constituição dos respectivos lotes”, bem como “propor o preço inicial de venda de cada lote de madeira”, podendo “convidar” os “potenciais empresários e operadores florestais” a apresentarem propostas de compra, “incluindo os infractores”.

Em Junho de 2017, as autoridades anunciaram que só no Huambo, no primeiro semestre de 2017, tinham sido apreendidos 178 metros cúbicos de madeira conhecida como “pau-ferro”, protegida por lei e uma das mais caras do mundo, alegadamente provenientes da província do Cuando Cubango, no sul do país.

Angola proibiu, a partir de 2017, a exportação e circulação de madeira em toro pelo país, obrigando à primeira transformação na própria província de abate, como forma de controlar a actividade, agregar valor e potenciar a criação de postos de trabalho na fileira florestal.

Folha 8 com Angop

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