O candidato presidencial Venâncio Mondlane, que lidera a maior contestação aos resultados eleitorais em Moçambique desde as primeiras eleições no país (1994), sugeriu hoje uma alteração à bandeira moçambicana e a revisão da Constituição.
Hoje, num directo a partir da rede social Facebook.. Mondlane disse que, “no ano que vem, nós queremos uma nova bandeira em Moçambique e nesta nova bandeira vai ter de ser retirada esta arma (…) a bandeira representa o espírito de um povo e, se há uma arma na bandeira, quer dizer a nossa mentalidade ainda está armada”.
Em causa está a maior contestação aos resultados eleitorais que Moçambique conheceu desde as primeiras eleições, em 1994, protestos que levaram o caos às ruas, provocando quase 300 mortes em resultado de confrontos entre a polícia e outras forças de segurança e os manifestantes, liderados por Venâncio Mondlane, a partir do estrangeiro.
Além da retirada da arma na bandeira moçambicana até ao dia 10 de Janeiro, com um “concurso” aberto para propostas, Mondlane quer a revisão da Constituição da República e a eleição, localmente, dos líderes dos distritos e bairros em todas províncias do país.
“Todas as instituições, desde as administrações até aos governos provinciais, estão suspensas e o povo vai escolher seus verdadeiros lideres (…). Queremos também uma nova Constituição da República, cujo projecto de revisão vai ser apresentado no dia 15 de Janeiro”, declarou Venâncio Mondlane.
Venâncio Mondlane também defendeu a substituição dos nomes de “comunistas” que foram atribuídos a algumas avenidas em Moçambique, apontando, a título de exemplo, as avenidas Kim Il-Sung e Mao Tsé-Tung, que estão localizadas no centro de Maputo.
“Os nomes das avenidas não têm de ser dados pelos governos centrais. Os nomes das ruas e avenidas devem ser dados pelas pessoas que vivem nesse bairro”, declarou o político, exemplificando os nomes “importantes para história de Moçambique” como Samora Machel, primeiro Presidente do país, Azagaia, rapper de intervenção social que perdeu a vida no ano passado vítima de doença, Alice Mabota, activista que perdeu a vida em 2023, ou Afonso Dhlakama, histórico líder de oposição que morreu em 2018.
O Conselho Constitucional de Moçambique proclamou, na segunda-feira, Daniel Chapo, candidato apoiado pela Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo, no poder desde 1975), como vencedor da eleição para Presidente da República, com 65,17% dos votos, sucedendo no cargo a Filipe Nyusi, assim como a vitória da Frelimo, que manteve a maioria parlamentar, nas eleições gerais de 9 de Outubro.
Este anúncio provocou o caos no país, com manifestantes pró-Venâncio Mondlane – que segundo o Conselho Constitucional obteve apenas 24% dos votos – nas ruas, barricadas, pilhagens e confrontos com a polícia, que tem vindo a realizar disparos para tentar a desmobilização.
Mondlane prometeu anunciar novos protestos para os próximos dias, mas hoje, no seu directo no Facebook, avançou que pondera abrir espaço para “cinco dias de tolerância” para entrada de organizações internacionais humanitárias e de investigação para avaliar alegados atropelos aos direitos humanos pela polícia em Moçambique, pedindo a opinião dos moçambicanos por email.
O político também avançou ainda que há um conjunto de antigos Presidentes de países da região austral que manifestaram a intenção intermediar as negociações, acusando o partido no poder de não estar interessado em conversações.
Desde 21 de Outubro, pelo menos 277 pessoas morreram nas manifestações pós-eleitorais em Moçambique, metade das quais apenas desde a proclamação dos resultados na segunda-feira, segundo novo balanço feito hoje pela plataforma eleitoral Decide.
Recorde-se que a União Europeia (UE), organização perita e chegar sempre atrasada, mesmo quando é – como foi o caso – avisada antes dos acontecimentos eclodirem, assumiu estar “extremamente preocupada” com a violência pós-eleitoral em Moçambique e “a considerável perda de vidas” até ao momento, pedindo “responsabilização” dos seus autores.
Numa declaração oficial sobre a proclamação dos resultados das eleições, a UE apela à “contenção” das partes, e que “se abstenham de qualquer acção que possa exacerbar ainda mais as tensões”.
Ou seja, a União Europeia beneficia o infractor e castiga a vítima. Nada de novo, é claro, chega da Europa a África. Aliás, como em Angola, os europeus adoram ter nos países africanos dirigentes corruptos e partidos eternizados no Poder (49 anos em Angola com o MPLA, e outros 49 com a Frelimo em Moçambique) pois, e é verdade, é muito mais fácil negociar com ditaduras do que com democracias.
“Apelamos igualmente à responsabilização e à justiça para se resolver os casos de violação dos direitos humanos”, refere a declaração, recordando que “como testemunho do empenho contínuo” em “contribuir para o reforço da democracia em Moçambique”, a UE enviou uma Missão de Observação Eleitoral (MOEUE) às eleições moçambicanas, com cerca de 180 elementos.
“A MOEUE constatou irregularidades durante a contagem dos votos e a alteração injustificada dos resultados eleitorais. A missão apelou aos órgãos eleitorais para que assegurem a máxima transparência do processo de contagem e apuramento”, lê-se na declaração. Ou seja, apesar de saber que houve fraude, pede contenção tanto ao vigarista como à vítima.
Na mesma declaração, a UE refere que “continua disponível para apoiar Moçambique na reforma do sistema eleitoral” e que “as próximas recomendações da MOEUE poderão contribuir para essa reforma”.
Ainda assim, “encoraja o Presidente eleito e a nova administração a iniciarem rapidamente um diálogo construtivo com a oposição e com as organizações da sociedade civil pertinentes” de forma a “restabelecer o contrato social com a população e para fazer respeitar os valores democráticos e os direitos humanos”.
“A parceria União Europeia-Moçambique é abrangente e tem como seu alicerce o povo moçambicano. A UE renova o seu compromisso em apoiar um futuro próspero e pacífico para o povo de Moçambique”, conclui.