DEVAGAR, DEVAGARINHO… PARADO

O Procurador-Geral da República de Angola, general Hélder Pitta Gróz, disse hoje que está concluído o processo contra Isabel dos Santos, filha do ex-Presidente José Eduardo dos Santos, e que foram enviadas cartas rogatórias para o Dubai para a notificar da acusação.

As cartas rogatórias são um instrumento usado na cooperação judicial que consistem numa solicitação para a prática de um acto processual que exige intervenção de serviços judiciários de uma autoridade estrangeira.

A empresária Isabel dos Santos é alvo de processos judiciais em vários jurisdições além de Angola, incluindo Portugal.

“Nós já temos o processo concluído, já foi elaborada a acusação”, disse o general Hélder Pitta Gróz, acrescentando que esta tem de ser notificada aos arguidos antes de o processo seguir para tribunal.

“Há arguidos que estão em Portugal, que já recebemos resposta positiva da sua notificação e falta somente recebermos a resposta em relação a Isabel dos Santos. Nós já fizemos uma carta rogatória para o Dubai onde presumivelmente estará a viver. Aguardamos que, a qualquer momento, dêem a resposta, positiva no sentido de que conseguiram notificar ou negativa se não conseguirem notificar”, detalhou Pitta Gróz, adiantando que, em caso de resposta positiva, o processo pode ser remetido de imediato ao tribunal.

Isabel dos Santos e outros quatro arguidos são acusados de vários crimes relacionados com a gestão na petrolífera estatal angolana (do MPLA) Sonangol, entre 2016 e 2017, e de terem causado ao Estado angolano um prejuízo superior a 208 milhões de dólares (190 milhões de euros), envolvendo salários indevidamente pagos, vendas com prejuízo, fraude fiscal e pagamentos fraudulentos a empresas.

Pitta Gróz fez ainda um ponto de situação em relação a outros casos que envolvem figuras próximas do ex-Presidente (como foram ele próprio e o actual Presidente) e que enfrentam agora a Justiça, como o general Hélder Vieira Dias “Kopelipa” e o ex-vice-presidente e antigo patrão da Sonangol, Manuel Vicente.

No que diz respeito a “Kopelipa” foi realizada a instrução contraditória e aguarda-se que o tribunal marque a data de julgamento, enquanto no caso de Manuel Vicente as autoridades continuam “a trabalhar” no processo, disse Pitta Gróz, sem indicar datas, admitindo que o facto do ex-governante se encontrar no exterior implica mais demoras.

“Muitas das situações são realizadas também no exterior, dependemos muito da cooperação internacional, da rapidez e eficiência desses países aos quais temos estado a solicitar algumas informações que nos possam dar, não posso dizer se será no fim deste ano ou no próximo ano”, frisou o general procurador.

Respondendo à Lusa, Pitta Gróz acrescentou que Manuel Vicente ainda não foi ouvido e que se desconhece o montante total dos activos que podem ser recuperados pelo Estado angolano.

O responsável máximo da PGR afirmou que a luta contra a corrupção, que traz grandes desafios “pela sua complexidade” não abrandou em Angola, mas tornou-se menos visível mediaticamente. Na verdade trata-se de uma luta selectiva e a velocidade a que segue é a habitual no MPLA: devagar, devagarinho e parada.

“Temos estado a trabalhar, mas sem tanta publicidade do que temos feito. Inicialmente pretendíamos criar um certo impacto nas pessoas, para que pudessem refrear os seus ímpetos em terem acesso aos bens públicos e conseguiu-se de alguma forma”, gracejou, indicando que “houve práticas que deixaram de ser feitas”.

PGR TROCA EM SEIS POR MEIA DÚZIA

No passado dia 10 de Janeiro, o PGR afirmou que o processo relativo à gestão da empresária angolana Isabel dos Santos estava prestes a ser concluído e que deveria entrar brevemente no tribunal.

O general Hélder Pitta Gróz referiu também que um outro processo, que não especificou, que envolve a empresária e filha do ex-Presidente da República de Angola, José Eduardo dos Santos, deveria ser remetido a tribunal no primeiro trimestre deste ano.

“Temos um processo que está já na sua fase final, dentro de dias será remetido a tribunal, é o processo que diz respeito à gestão da Sonangol”, disse o Procurador-Geral da República.

Em causa está o processo relativo a uma denúncia sobre transferência de mais de 38 milhões de dólares (cerca de 33 milhões de euros) para empresas controladas por Isabel dos Santos, depois de esta ter sido exonerada do cargo de presidente do Conselho de Administração da Sonangol, petrolífera estatal.

Segundo Hélder Pitta Gróz, a PGR está a conseguir dar boa resposta aos processos que já vinham de anos anteriores. Nota-se.

“Como sabe, a investigação criminal nem sempre é fácil e quando dependemos de terceiros para obter alguns meios de prova, os atrasos acabam por ser maiores do que aquilo que nós desejaríamos”, sublinhou.

Isabel dos Santos está envolvida em processos judiciais em várias jurisdições, incluindo Portugal, e é visada desde 2022 de um “alerta vermelho” da Interpol, na sequência de um pedido de Angola para a sua localização e detenção provisória.

Nessa altura (Janeiro passado, recorde-se) o Procurador-Geral da República do MPLA salientou que a PGR continuava a trabalhar no processo que envolve Manuel Vicente “uma vez que as imunidades já foram levantadas e o processo expirou o prazo concedido pela lei”. “Agora vamos agarrar nele e vamos ver em quanto tempo conseguiremos ou não concluir”, frisou.

Manuel Vicente esteve protegido pela lei angolana de imunidade para titulares de cargos públicos, que limita essa protecção a cinco anos após o fim do exercício de funções, prazo que expirou em Setembro de 2023.

Em 2018, o processo-crime iniciado em Portugal, conhecido como “Operação Fizz”, em que o ex-vice-Presidente angolano era acusado de ter corrompido o procurador português Orlando Figueira, causou um “irritante” nas relações entre os dois países, que ficou resolvido depois de o caso relativo a Manuel Vicente ter sido transferido para Angola por ordem expressa do MPLA.

De acordo com Hélder Pitta Gróz, a PGR continua a trabalhar em conjunto com as autoridades suíças “e a troca de correspondência tem sido frequente”, contudo, não avançou se já receberam carta rogatória relativa ao processo que envolve a Sonangol e o grupo empresarial Trafigura.

Já no dia 26 de Outubro de 2023, Hélder Pitta Gróz garantiu que os processos criminais que envolvem personalidades angolanas (todas afectas ao MPLA) não estavam parados e que a justiça angolana mantinha as portas abertas ao diálogo. Andar para trás também significa não estar parado…

Questionado sobre a fase em que se encontravam os processos relativos à filha de José Eduardo dos Santos, o ex-presidente angolano que escolheu e impôs o general João Lourenço como seu sucessor, Isabel dos Santos e do ex-vice-presidente, Manuel Vicente, ambos na mira (do canhangulo) da justiça do MPLA/João Lourenço, por alegada corrupção, Pitta Gróz não se pronunciou sobre casos concretos, que – quando isso interessa ao regime – “estão sujeitos ao segredo de justiça”, mas garantiu que as autoridades estão “a trabalhar”. Devagar, devagarinho, paradas.

“Há processos mais complexos do que outros, há processos que necessitam de mais cooperação internacional do que outros, outros precisam de mais cooperação institucional, cada processo tem o seu ‘timing’”, disse o general PGR, acrescentando que “os recursos humanos e materiais também não chegam para tudo”.

Hélder Pitta Gróz garantiu, ainda, que os processos não estão encerrados, sem desvendar se os visados estão a colaborar, porque “cada caso é um caso”.

“Quando há um arresto, em princípio já há uma imposição, aí é indiferente se há colaboração ou não. Há uns que, como se diz na gíria, se chegam à frente e há outros que não,” afirmou Pitta Gróz, justificando que os mecanismos de cooperação internacional também são lentos. Ao que parece, as entidades internacionais, adoptaram também a regra de ouro do MPLA em que a (suposta) justiça só tem três velocidades: devagar, devagarinho e parada.

“Não demoram um ou dois dias, tudo tem regras próprias e temos de observar a legislação de cada um desses Estados. Temos estado com a porta aberta para que o diálogo continue e acredito que mais tarde ou mais cedo estaremos em condições de dar mais alguma informação sobre isso”, indicou o mesmo responsável.

Folha 8 com Lusa

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