CARINHO DA DIRECÇÃO DA UNITA?

A UNITA desvalorizou as “polémicas desnecessárias” sobre a ausência de dirigentes na apresentação da Fundação Jonas Savimbi, cuja acção filantrópica não se confunde com acção política, garantindo que esta “vai ter sempre o carinho” da Direcção do partido liderado por Adalberto da Costa Júnior.

De acordo com o presidente do grupo parlamentar da UNITA, (o maior partido na oposição que, a muito custo, o MPLA ainda permite em Angola), Liberty Chiyaka, que negou qualquer fragmentação da UNITA em torno da Fundação, essas abordagens visam buscar problemas onde não existem.

“Porque é que vamos inventar polémicas desnecessárias? Não inventemos histórias. Vamos manter a Fundação nos marcos da lei, vamos também deixar a UNITA fazer o seu papel”, disse o político, argumentando que o objecto político da Fundação, enquanto organização filantrópica, não se confunde com o objecto de um partido político.

A Fundação Jonas Savimbi, “felizmente do nosso presidente fundador”, salientou Chiyaka, ou outras fundações, “nunca vão concorrer com o poder político, o seu foco é diferente”.

O foco da UNITA é trabalhar para conquistar o poder e realizar a cidadania, por isso, “as coisas não se confundem”, sustentou, quando apresentava o balanço do segundo ano parlamentar da V Legislatura da Assembleia Nacional.

O ex-presidente da UNITA, Isaías Samakuva, queixou-se, na terça-feira, de entraves à criação da Fundação Jonas Malheiro Savimbi e insistiu que há quem não queira reconhecer o papel de Savimbi em Angola, inclusive no próprio partido que fundou.

Questionado sobre as ausências de dirigentes da UNITA na apresentação pública da Fundação, à qual pertence com o estatuto de presidente do Conselho de Curadores, Isaías Samakuva, que sucedeu a Jonas Savimbi na liderança da UNITA, durante 16 anos, sendo substituído pelo actual presidente, Adalberto da Costa Júnior, salientou que foram enviados convites “para toda a gente”, incluindo membros do governo e da Direcção da UNITA e de outros partidos, cabendo às pessoas que recebem o convite decidir.

Liberty Chiyaka referiu que a deputada Amélia Judith Ernesto (membro do Comité Permanente e secretária nacional para a Gestão de Quotas da UNITA) esteve na cerimónia de apresentação da Fundação, argumentando que se os membros de Direcção do partido estivessem na cerimónia “iriam dizer que se tratava de um partido”. A tese de Chiyaka está, de facto, ao nível do que de melhor nos habituaram figuras relevantes do MPLA, casos de João Pinto ou Luvualu de Carvalho.

“Não vamos confundir as coisas, deixemos a Fundação em paz. A fundação não se confunde com o partido político. Porque é os dirigentes da UNITA têm de ser membros da fundação? Nós estamos a confundir os papéis, não pode ser”, atirou. Ao contrário do que nos habituara, Liberty Chiyaka está a confundir a jibóia com a minhoca. Talvez pelos ensinamentos do MPLA, o líder parlamentar da UNITA também gosta de passar aos angolanos atestados de matumbez aos angolanos. É pena.

A Fundação Jonas Malheiro Savimbi tem estado envolvida em polémica desde que foi anunciada a sua legalização depois do líder da UNITA, Adalberto da Costa Júnior, falar em interferências e instrumentalização, embora considere legítima a vontade dos familiares criarem esta entidade.

No início de 2018, o jornalista e escritor Sousa Jamba foi entrevistado pelo “Jornal de Angola”. À pertinente pergunta sobre de que UNITA tinha mais saudades, se a dirigida pelo seu fundador, Jonas Savimbi, ou a que chegou à grande cidade, com todos os seus “mais velhos”, e ficou por aqui, deixando o seu principal território étnico para trás, Sousa Jamba respondeu:

“Saudades não seria o termo. Continuo a tentar entender a complexidade do Dr. Savimbi, que é, sem dúvida, um dos personagens mais complexos que conheci. De 1977 a 1980, o Dr. Savimbi foi um líder altamente exemplar: corajoso, disciplinado, pronto a consultar os seus colegas, com uma visão que privilegiava a formação de militares e quadros de qualidade. Depois, surge o culto de personalidade, a eliminação física de figuras tidas como rivais ao chefe e outros males que quase cancela o que foi tão positivo nele. Aprecio muito a liderança das cidades – do Dr. Samakuva – que em 2003 soube conciliar as facções que existiam depois da morte do líder fundador. Em situações que ameaçavam a paz e o processo de reconciliação nacional, esta liderança sempre optou pelo consenso e moderação. O Dr. Isaías Samakuva deve ser reconhecido pelo papel tão positivo em manter a UNITA intacta.”

Para quem continua “a tentar entender a complexidade” de Jonas Savimbi, Sousa Jamba tinha já nessa altura conclusões muito assertivas. O que, aliás, não é difícil. Chamar à colação os defeitos (e Savimbi tinha muitos, ou não fosse um ser humano que nunca foi considerado “o escolhido de Deus”) de alguém que já morrera é muito fácil. Dizê-lo enquanto estava vivo era, de facto, mais complicado. Mas, reconheça-se, não é pecado embora possa ser moralmente condenável, ser forte perante os mortos e passivo com os vivos, sobretudo quando estes têm o Poder.

“O que se passou com o escritor Sousa Jamba cujo livro “Patriotas”, na versão inglesa, viu retirada duas páginas que retratavam a queima de pessoas vivas acusadas de bruxaria na Jamba?”, perguntou o entrevistador.

Sousa Jamba explicou que “a versão em Inglês contém relatos que tocam nos aspectos negativos da UNITA, como a queima de pessoas acusadas de bruxaria. Em 1991, fui pressionado a não incluir na versão portuguesa esta questão (..)”. Que chatice. Quase apetece dizer que “quem não cede a pressões não é filho de boa gente”. Então quando se tem de escolher entre ser um herói morto ou um cobarde vivo, tudo fica mais simples. Para os cobardes, é claro.

“O Dr. Savimbi tinha um lado sem escrúpulos: no ajuste de contas, com ele a família e os próximos não eram poupados”, explicou Sousa Jamba. Digamos que era algo semelhante, embora em ínfima escala, a Agostinho Neto e aos massacres de 7 de Maio de 1977. É isto, não é Sousa Jamba?

Na opinião de Sousa Jamba, “a UNITA vai ter que falar com franqueza sobre as figuras que desapareceram em circunstâncias bastante nebulosas. O partido vai ter que lidar com candura com os erros crassos cometidos quando o Huambo estava sob o seu controlo. Há muitos jovens que ficaram traumatizados com o autoritarismo daquele momento. A UNITA precisa mesmo de uma Comissão da Verdade. Só assim poderemos apreciar o muito que certamente é louvável e positivo no partido, que, naturalmente, vai ter que se adaptar aos novos tempos”.

Pelos vistos, todos os partidos que fizeram a guerra têm necessidade de avançar com uma Comissão da Verdade. Ou será só a UNITA? Sousa Jamba só refere os da UNITA mas, certamente, não esquece todos os outros, bem mais graves.

Aliás, falar dos “erros crassos” que Savimbi cometeu e esquecer outros, muitos outros, bem mais graves, parece ser uma boa forma da cair – como muitos outros ex-militantes e ex-militares da UNITA – nas boas graças do “escolhido de Deus”, versão II – João Lourenço.

Sousa Jamba não falou especificamente nisso, mas ele também sabe que tudo o que de mal se passou, passa ou passará em Angola é culpa da UNITA. Desde logo porque as balas das FALA matavam apenas civis e as das FAPLA/FAA só acertavam nos militares inimigos.

Tal como sabe que:

– As bombas lançadas pela Força Aérea do MPLA só atingiam alvos inimigos e nunca estruturas civis;

– A UNITA é que foi responsável pelos mais de 40.000 angolanos torturados e assassinados em todo o país depois dos acontecimentos de 27 de Maio de 1977, acusados de serem apoiantes de Nito Alves ou opositores ao regime;

– A UNITA foi também responsável pelo massacre de Luanda que visou o seu próprio aniquilamento e de cidadãos Ovimbundus e Bakongos, onde morreram 50 mil angolanos, entre os quais o vice-presidente da UNITA, Jeremias Kalandula Chitunda, o secretário-geral, Adolosi Paulo Mango Alicerces, o representante na CCPM, Elias Salupeto Pena, e o chefe dos Serviços Administrativos em Luanda, Eliseu Sapitango Chimbili.

– Na lista de principais terroristas e inimigos do Povo (sendo que o Povo é o MPLA e que o MPLA é o Povo) estão nomes como Alda Sachiango, Isaías Samakuva, Alcides Sakala, Jeremias Chitunda, Adolosi Paulo Mango Alicerces, Elias Salupeto Pena, Jonas Savimbi, António Dembo ou Arlindo Pena “Ben Ben”.

– O massacre do Pica-Pau em que, no dia 4 de Junho de 1975, perto de 300 crianças e jovens, na maioria órfãos, foram assassinados e os seus corpos mutilados no Comité de Paz da UNITA em Luanda… foram obra da UNITA.

– O massacre da Ponte do rio Kwanza, em que no dia 12 de Julho de 1975, 700 militantes da UNITA foram barbaramente assassinados, perto do Dondo, perante a passividade das forças militares portuguesas que garantiam a sua protecção, foi obra da UNITA.

– Entre 1978 e 1986, centenas de angolanos foram fuzilados publicamente, nas praças e estádios das cidades de Angola, uma prática iniciada no dia 3 de Dezembro de 1978 na Praça da Revolução no Lobito, com o fuzilamento de 5 patriotas e que teve o seu auge a 25 de Agosto de 1980, com o fuzilamento de 15 angolanos no Campo da Revolução em Luanda. Responsável? A UNITA.

– Foi a aviação da UNITA que, em Junho de 1994, bombardeou e destruiu Escola de Waku Kungo, tendo morto mais de 150 crianças e professores, que, entre Janeiro de 1993 e Novembro de 1994, bombardeou indiscriminadamente a cidade do Huambo, a Missão Evangélica do Kaluquembe e a Missão Católica do Kuvango, tendo morto mais de 3.000 civis.

Como é que vias Jonas Savimbi?, perguntou o entrevistador do JA.

Sousa Jamba responde: “Era um personagem cheio de contradições. Ele foi, em termos físicos, muito corajoso e capaz, mas havia o seu lado burguês. Uma vez, quando estive na Jamba, estava a ajudar numa tradução e ele apareceu, à madrugada, vestido de pijama de seda e óculos, com um calhamaço sobre logística em inglês na mão. Ele parecia ser um intelectual finíssimo numa biblioteca privada num chalé suíço. Ele escutava música clássica e reggae – sobretudo o Jimmy Cliff. Ele lia muito em Francês, Português e Inglês, e escrevia nas margens dos livros com caneta de feltro preta, como se estivesse a argumentar com os autores. Havia, na sua biblioteca, vários livros sobre Winston Churchill.”

Era, como comprova Sousa Jamba, um personagem cheio de contradições. Ouvir música clássica e reggae, ler livros escritos em português, francês e inglês e ter uma biblioteca com obras sobre Winston Churchill é a prova provada.

Conta Sousa Jamba que Savimbi “não perdoava aos que, aparentemente, o teriam traído”. Aparentemente? Estaria a falar do general Geraldo Sachipengo Nunda, expoente máximo dos que saltaram a barricada e ajudaram a puxar o gatilho que levaria ao seu assassinato?

Por Orlando Castro, com Lusa

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