A CAMINHO DE SER (MAIS) UM PUTIN

O general João Lourenço, Presidente angolano (não nominalmente eleito), igualmente Presidente do MPLA (partido no Poder há 49 anos) e Titular do Poder Executivo, acusou hoje políticos e parlamentares de envolvimento em crimes de vandalismo que provocam “danos avultados” à economia, defendendo que os responsáveis devem ser “exemplarmente punidos”.

João Lourenço, que discursava na abertura do ano parlamentar, na Assembleia Nacional, onde fez um retrato do Estado da Nação, avisou que vai prestar uma especial atenção aos crimes de contrabando de combustível, de exploração ilegal de recursos minerais e de vandalização dos bens públicos que provocam danos avultados à economia angolana e prejudicam os cidadãos.

O chefe de Estado realçou que “o aumento do contrabando de combustíveis, o dano ambiental resultante da exploração ilegal de minerais estratégicos e de madeira”, bem como o reinvestimento público necessário nos domínios da energia, águas, transportes e telecomunicações devido à vandalização de bens públicos, obriga a unir esforços numa “cruzada nacional contra estes tipos de crime”.

“Os seus autores, os compradores do produto do roubo, mas sobretudo os instigadores e fomentadores, devem ser exemplarmente punidos”, sublinhou o Presidente, reiterando que há políticos envolvidos nestes crimes.

“Lamentavelmente, alguns deles são políticos e parlamentares, que têm a obrigação de defender a lei e o bem público, comportamento que deve ser condenado pela nossa sociedade”, disse João Lourenço, suscitando agitação nas bancadas parlamentares, incluido da sua.

O Parlamento angolano aprovou recentemente uma lei que prevê penas até 25 anos de prisão para quem promover, incitar, financiar, impulsionar actos de vandalismo de bens e serviço público, legislação que partidos da oposição e organizações da sociedade civil acreditam ter intenções ocultas de limitar as liberdades civis e de manifestação.

Por outro lado, o contrabando, estimulado pelo baixo preços dos combustíveis em Angola, tem (supostamente) estado na mira das autoridades angolanas que perdem milhões de lucros e de receitas, depois de uma denúncia pública do governador da província do Zaire (norte de Angola) que faz fronteira com a República Democrática do Congo (RDCongo).

Segundo dados da Polícia angolana, entre 13 de setembro a 3 de Outubro foram apreendidos quase 600 mil litros de combustível nas fronteiras com a RDCongo, Namíbia e Zâmbia avaliados em 13 milhões de kwanzas (cerca de 13.000 euros).

Por outro lado, o general João Lourenço assegurou que o país “mantém-se estável e seguro”, com Forças Armadas (das quais é Comandante-em-Chefe), Polícia Nacional e demais órgãos do sistema de defesa nacional em condições de defender a soberania e integridade territorial, e considerou que a situação de segurança pública “é estável”, tendo havido contenção nos níveis de criminalidade.

“Em comparação com o período homólogo, há uma diminuição significativa de crimes, embora tal situação não esconda as fragilidades ainda existentes e o trabalho que temos de continuar a fazer para que tenhamos um país cada vez mais seguro”, concluiu.

Reagindo a este grito de “virgem ofendida” (são já, repita-se, 49 anos de governo do MPLA) o líder parlamentar da UNITA disponibilizou-se para apurar a veracidade da “grave acusação” feita pelo Presidente angolano do envolvimento de políticos em crimes de contrabando e vandalismo.

Liberty Chiaka, que falava aos jornalistas após o discurso do Presidente, disse que João Lourenço “fez uma acusação que é grave”, ao afirmar que “lamentavelmente”, políticos e parlamentares, “que têm a obrigação de defender a lei e o bem público”, instigam e fomentam crimes como o contrabando de combustíveis e a vandalização de bens públicos.

“Nós, enquanto deputados, estamos na disposição de contribuirmos para se apurar a veracidade desta grave acusação. Mas é importante dizer que todos nós sabemos que os que fazem o contrabando de combustível são dirigentes do regime, em certa medida, o Presidente estava a apontar as suas baterias ao seu grupo parlamentar”, referiu.

Liberty Chiaka denunciou que há um plano de usar o poder judicial para combater adversários políticos e “se for este propósito” esta iniciativa “está fadada ao fracasso”.

O deputado do maior partido da oposição que o MPLA ainda permite, manifestou-se também decepcionado com o retrato feito pelo Presidente sobre o Estado da Nação, por não reflectir “a dura realidade que os angolanos vivem”. Convenhamos, por exemplo, que mais de 20 milhões de pobres não são uma dura realidade”…

“Infelizmente, depois de duas horas do discurso do Presidente, a nossa maior decepção foi não termos ouvido do Presidente um retrato fiel da dura realidade que os angolanos vivem”, disse Liberty Chiaka, afirmando que Angola regista retrocessos do ponto de vista do Estado democrático de direito das conquistas alcançadas.

O líder do grupo parlamentar da UNITA lamentou que Angola, que completa no próximo ano 50 anos de independência, registe “presos políticos, presos de consciência”, o que significa que, “em rigor, do ponto de vista político o país falhou”.

O político criticou também a nova divisão política administrativa, que aumentou para mais três o número de províncias do país, considerando que “atenta claramente contra a materialização das autarquias locais”.

“É um expediente que o Presidente da República criou para retardar a realização material das autarquias locais. Quanto a isso não podemos ficar satisfeitos”, referiu.

Liberty Chiaka lamentou também que João Lourenço não tenha feito nenhuma referência à “grave situação de fome que Angola vive”. Também a UNITA se esqueceu de dizer que, segundo o MPLA, só tem fome quem nada tem para comer…

“O país tem 17 milhões de pobres, dez milhões de angolanos passam fome: nem uma palavra, nenhuma estratégia foi apontada para se combater a pobreza, a extrema pobreza e a fome”, salientou Liberty Chiaka, dando um bónus ao MPLA já que, de fato, os pobres são mais de 20 milhões.

De acordo com Liberty Chiaka, o chefe de Estado também não se referiu ou reconheceu que “existem excessos, violações dos direitos humanos”, realçando que são constantes os relatos “de execuções sumárias”.

“Até fez referência que, supostamente, a situação de segurança pública estava controlada. É muito mau. Todos os dias temos relatos do país real, da grave situação de criminalidade que Angola enfrenta”, disse.

Nesta cerimónia, que marca o início do ano parlamentar, o grupo parlamentar da UNITA realizou um protesto, exibindo panfletos sobre a situação económica e social, que levou algumas vezes o Presidente da República a interromper o discurso.

Liberty Chiaka afirmou que os deputados pediram para o Presidente se demitir porque, “do ponto de vista da sua governação, infelizmente, o Governo falhou”.

Folha 8 com Lusa

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