SÓ TEM FOME QUEM NÃO TEM… COMIDA!

A subnutrição no mundo tem aumentado desde 2017, com o número de pessoas subnutridas a subir de 572 milhões para 735 milhões, sendo mais elevada e persistente na África subsaariana e sul asiático, revela um índice global de 2023.

O Índice Global da Fome (IGF) de 2023, apresentado hoje em Lisboa pela associação “Ajuda em Acção”, avaliou a situação da fome em 116 países e coloca África como o continente com o maior número de pessoas que enfrentam insegurança alimentar grave, disse a activista Johanna Braun na apresentação do relatório.

Os conflitos são um dos factores que dificulta o acesso a alimentos e a serviços de saúde, e estima-se que 113,6 milhões de pessoas em África sejam afectadas por conflitos no decorrer deste ano, sendo Moçambique, Etiópia, Sudão do Sul e a República Democrática do Congo (RD Congo) os países mais afectados.

O índice utiliza quatro indicadores para medir a fome: a prevalência da subnutrição, a mortalidade infantil por desnutrição, o atraso no crescimento infantil e a baixa estatura em adultos, explicou Johanna Braun.

A região sul do Saara africano e o sul da Ásia continuam a enfrentar os níveis mais altos de fome, e quase estagnaram desde 2015, tendo uma classificação no índice que indica “uma situação de fome grave”.

De acordo com os dados do IGF, 43 países enfrentam níveis alarmantes de fome, num índice que inclui níveis de classificação de “Grave” e “Alarmante”, como o Burundi – onde 55,8% das crianças têm raquitismo -, a República Centro-Africana, a RD Congo, o Lesoto, o Madagáscar, o Níger, a Somália, o Sudão do Sul e o Iémen.

No entanto, sete nações conseguiram reduzir significativamente a fome, incluindo Angola, o Chade, a Etiópia, o Níger, a Serra Leoa, a Somália e a Zâmbia.Moçambique, o Bangladesh, o Chade, o Djibuti, o Laos, o Nepal e Timor-Leste melhoraram significativamente as pontuações do IGF entre 2015 e 2023.

De acordo com o índice, a luta contra a fome em África tem sido dificultada por várias crises sobrepostas, como a pandemia da Covid-19, conflitos internacionais e catástrofes climáticas, que afectam desproporcionalmente os países de baixo e médio rendimento.

A capacidade de recuperação desses países depende de factores subjacentes, incluindo a fragilidade do Estado, desigualdade, má governação e pobreza crónica, de acordo com a informação do relatório.

A insegurança alimentar e a subnutrição são mais prevalecentes no sul da Ásia e na região sul do Saara, afectando especialmente mulheres e raparigas.

Com cerca de 1,2 mil milhões de jovens no mundo, a juventude emerge como um factor crucial na luta contra a fome.

“Os sistemas alimentares actuais não conseguem garantir a segurança alimentar e nutricional, são insustentáveis e deixam muitos jovens vulneráveis”, segundo duas autoras convidadas para o estudo, Wendy Geza e Mendy Ndlovu.

A falta de apoio, inovação, educação e oportunidades de prosperidade são factores que contribuem para essa percepção negativa, segundo as autoras.

Para os jovens serem capazes de agir na transformação dos sistemas alimentares, é fundamental investir em educação, formação técnica, igualdade de género, acesso a recursos e condições de trabalho justas, sustentam.

O estudo destaca ainda a necessidade de políticas a longo prazo e a colaboração entre líderes e jovens para criar sistemas alimentares equitativos, sustentáveis e resilientes.

Pelo sim e pelo não, nomeadamente para memória presente comparativa, vejamos agora o que dizia o Índice Global da Fome 2022.

“Sombria” é como o Índice Global da Fome 2022 classifica a situação da fome no mundo, agravada pelas últimas crises e pelas actualmente em curso: impacto da pandemia da Covid-19, guerra na Ucrânia e alterações climáticas. A África subsaariana é a segunda região com os níveis de fome mais graves. É mesmo maldição… ou incompetência dos governantes.

“Como mostra o Índice Global da Fome (IGF) de 2022, a situação global da fome é sombria. A sobreposição das crises que o mundo enfrenta está a revelar as falhas dos sistemas alimentares, dos globais aos locais, e a realçar a vulnerabilidade das populações de todo o mundo em relação à fome”, lê-se no seu relatório divulgado a 13 de Outubro de 2022.

No documento, o IGF denuncia que “a percentagem de pessoas sem acesso regular a calorias suficientes está a aumentar”, em relação aos “cerca de 828 milhões de pessoas subalimentadas em 2021, o que representa uma inversão de mais de uma década de progresso no combate à fome”, devido a “uma onda de crises”.

O estudo prevê que “a situação é susceptível de piorar perante a actual onda de crises globais sobrepostas – conflito, alterações climáticas e repercussões económicas da pandemia de Covid-19 – todas elas poderosas potenciadoras de fome”.

“A guerra na Ucrânia veio aumentar ainda mais os preços globais dos alimentos, de combustíveis e fertilizantes e tem o potencial de agravar ainda mais a fome em 2023 e nos anos seguintes”, sustentam os especialistas responsáveis pela elaboração do índice, considerando que “estas crises vêm juntar-se a factores subjacentes, tais como pobreza, desigualdade, governação inadequada, fracas infra-estruturas e baixa produtividade agrícola, que contribuem para a fome e vulnerabilidade crónicas”.

“A nível mundial e em muitos países e regiões, os actuais sistemas alimentares são inadequados para enfrentar estes desafios e acabar com a fome”, vaticinam.

Segundo os especialistas, “sem uma mudança significativa”, existe um potencial de agravamento da situação já em 2023, não se prevendo que o mundo no seu conjunto consiga atingir um nível baixo de fome até 2030, como previsto nas metas definidas na chamada Agenda 2030 (traçada pela ONU e composta por 17 grandes objectivos de desenvolvimento sustentável).

O IGF apresenta uma escala de gravidade da fome que inclui os níveis “baixo, moderado, grave, alarmante e extremamente alarmante”.

De acordo com o estudo, “a fome elevada persiste em demasiadas regiões”, os níveis de população que se encontram subnutridos estão a aumentar e não se prevê qualquer melhoria até 2030.

O sul da Ásia é a região que apresenta os valores mais elevados e a África subsaariana a segunda região com os níveis de fome mais graves, com a subalimentação e a taxa de mortalidade infantil “mais altas do que qualquer outra região do mundo”, nos termos do relatório, que considera que também em regiões como a África oriental, a Ásia ocidental e o norte de África “os valores são preocupantes”.

O sul asiático é também a região com maior taxa de atraso no crescimento infantil (raquitismo) e, “de longe, a maior taxa de emaciação infantil do que qualquer outra região do mundo”.

Emaciação infantil significa percentagem de crianças com menos de cinco anos com baixo peso para a sua altura, o que é reflexo de subnutrição aguda, explica o IGF no relatório, apontando este como um dos quatro indicadores em que se baseia como instrumento “para medir e acompanhar de forma abrangente a fome a nível global, regional e nacional ao longo dos últimos anos e décadas”.

Os outros três indicadores que utiliza na sua fórmula para captar “a natureza multidimensional da fome” são a subalimentação, o atraso no crescimento infantil (que reflecte subnutrição crónica) e a taxa de mortalidade infantil de crianças com menos de cinco anos.

Os especialistas apontam para que cinco países do mundo estejam num nível alarmante – quatro deles africanos e o Iémen, um país em guerra civil desde 2014, que provocou, segundo a ONU, “a pior crise humanitária do mundo” e que, em Outubro de 2020, a edição anual do IGF incluía já entre os países com níveis de fome alarmantes.

Além disso, o IGF coloca quatro países num nível provisoriamente alarmante — mais três países africanos e a Síria, também palco de uma guerra civil desde 2011 – e 35 países num nível grave de fome (a maioria dos quais também africanos, além de Timor-Leste, Haiti, Índia e Paquistão, Papua-Nova Guiné, Coreia do Norte e Afeganistão, onde os talibãs retomaram o poder há pouco mais de um ano e que enfrenta uma grave crise económica).

As possíveis soluções apontadas no relatório passam pela transformação dos sistemas alimentares, bem como pela importância do papel que os Governos locais desempenham nestas regiões.

“Num sistema alimentar global que ficou aquém do fim sustentável da fome, é importante olhar para a governação dos sistemas alimentares a nível local, onde os cidadãos estão a encontrar formas inovadoras de responsabilizar os decisores pela resolução do problema da insegurança alimentar e nutricional”, refere uma das especialistas, Danielle Resnick, num ensaio incluído no relatório do IGF deste ano.

“Embora a transformação dos sistemas alimentares requeira, em última análise, intervenções a múltiplos níveis, justifica-se uma maior concentração na governação local dos sistemas alimentares”, porque “as práticas de gestão dos recursos naturais, os métodos agrícolas e pecuários e as preferências alimentares assentam frequentemente nas tradições culturais locais, experiências históricas, e condições agro-ecológicas”, defende Danielle Resnick.

Para o relatório do Índice Global de Fome de 2022, foram avaliados dados de 136 países. De entre estes, havia dados suficientes para calcular a pontuação de IGF de 2022 e classificar 121 países (a título de comparação, foram classificados 116 países no relatório de 2021), refere ainda o documento.

Folha 8 com Lusa

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