O presidente da UNITA, o maior partido da oposição que o MPLA ainda permite em Angola, acusou hoje a comunidade internacional de fechar os olhos às violações dos direitos humanos e à democracia para defender os seus interesses em Angola. Ainda bem que Adalberto da Costa Júnior resolveu agora dizer o que o Folha 8 e a TV8 têm escrito e mostrado há vários anos. Mais vale tarde do que nunca!
Adalberto da Costa Júnior, que falava num comício para comemorar os 57 anos de existência da UNITA, disse que “aquilo que aconteceu em Angola não foi só voto nas urnas, houve manipulação, houve também os interesses internacionais aqui, que muitas vezes silenciam as vozes daqueles países que dizem: para o meu país democracia, para lá, para os outros, eles que se desenrasquem, desde que me dêem as minas, que me dêem o petróleo, que me dêem aquilo que eu quero, eu fecho os olhos aos direitos humanos”.
O líder da UNITA presidiu, no município de Viana, ao acto central de comemoração do 57.º aniversário da fundação do partido, que decorreu sob o lema “UNITA – 57 Por uma Angola Independente Democrática e Desenvolvida”.
Adalberto da Costa Júnior pediu à comunidade internacional que “ajude um pouco mais”, agradecendo o papel de muitos embaixadores, “que ganharam coragem nos últimos tempos”.
“Mas os países, por trás, têm que ter um pouco mais de valores, de ética na política, ou esse mundo cheio de problemas dificilmente será conquistado numa fase melhor”, disse.
Adalberto da Costa Júnior manifestou-se preocupado com os jovens que estão a deixar o país à procura de melhores condições de vida no exterior.
Angola independente há 48 anos e “cheia de potencialidades”, prosseguiu Adalberto da Costa Júnior, apesar das décadas de guerra, não pode continuar aceitar “as desculpas do tempo, que a guerra justifica a pobreza de hoje”.
“Vocês aceitam hoje esse tipo de desculpas? Que a juventude fuja de Angola e possa dizer-se que é culpa da guerra? Acham que foi a guerra (…) acham que é a guerra que justifica a agressão de activistas cívicos”, questionou.
“E são muitos, são activistas, músicos, profissionais de todo o tipo de especializações, até agora os magistrados, estamos a ouvir, uma grande quantidade de magistrados da primeira e da segunda instância, estão a desistir e preferem ir trabalhar nas obras lá fora, isto é aceitável”, perguntou.
Adalberto da Costa Júnior disse que a UNITA tudo tem feito pelo país, “que mostra algum desalento”, para ajudar, contribuir, “para uma melhor Angola”, reconhecendo a dinâmica do grupo parlamentar do partido, que tem levado à mesa da Assembleia Nacional “as preocupações de âmbito nacional, da defesa do seu povo, a defesa dos direitos humanos”, esta última, uma das questões que mais preocupa o partido.
Para o líder da UNITA, o país tem “muitos motivos” para se mostrar “desalentado”, referindo-se, por exemplo, à crise que afecta a justiça angolana nos últimos tempos.
“Olhamos para o país e os exemplos que vêm são tristes, são até vergonhosos. Quando você tem a hierarquia das instituições da justiça na lama, não orgulha ninguém, e é um indicador claro das dificuldades e dos problemas que nós temos”, apontou.
O presidente da UNITA considerou que o modelo da contratação simplificada, que “virou a norma”, é “corrupção, alta corrupção. A forma mais activa de fazer corrupção é a inexistência de concursos públicos e das eleições para hoje é a prática de todos os dias”, disse Adalberto da Costa Júnior.
O líder do segundo maior partido político de Angola referiu que há dinheiro “para evitar a extrema pobreza”, denunciando os casos de suicídios em províncias do país “onde muito pai se suicida e mata os filhos por extrema fome, porque não aguenta o sofrimento, a dor da barriga, ver o sofrimento dos seus filhos e enforca os filhos e suicidam-se, em províncias de extrema riqueza”.
“Termino dizendo, contem connosco, nós estamos prontos para vos servir, e a UNITA, esse instrumento que simbolicamente hoje aqui está a celebrar os seus 57 anos, está bem e recomenda-se”, frisou.
A UNITA mostrou até agora, é verdade, que sabe o que é a democracia e adoptou-a definitivamente. Tê-lo-á feito de forma consciente? Temos algumas dúvidas, sobretudo depois das manipulações e vigarices eleitorais e do medo de reagir, sem temor, ao facto de ter ganho as últimas eleições e acabar de joelhos e aceitar ser derrotada.
Adalberto da Costa Júnior, tal como antes Isaías Samakuva, mostrou ao mundo que as democracias ocidentais estão a sustentar um regime corrupto e um partido que quer perpetuar-se no poder. E de que lhe valeu isso?
Agora estamos a ver que ao Ocidente basta uma UNITA mais ou menos submissa para dar um ar democrático à ditadura do MPLA. Aliás, por alguma razão o Ocidente não reage às vigarices, às fraudes protagonizadas pelo MPLA. E não reage porque não lhe interessa que a democracia funcione em Angola. É sempre mais fácil negociar com as ditaduras.
Se calhar, em função do que se está a passar em diversas partes do Mundo, as perspectivas estão a mudar. Quem sabe se, um dia destes, também não vamos ver as ruas de Luanda cheias de gente de barriga vazia a exigir que o dono do país parta de vez.
O MPLA está no poder desde 1975 e por lá vai ficar. A razão é simples. Com a ajuda subserviente da comunidade internacional, o regime continua a aumentar a razão da força e a arrasar a força da razão.
Todo o mundo sabe que com o poder absoluto que tem nas mãos (é também o presidente do MPLA e Titular do Poder Executivo), João Lourenço desde 2017 (tal como antes José Eduardo dos Santos) é um dos ditadores ou, na melhor das hipóteses, um presidente autocrático. E, como também todos sabem, se o poder corrompe, o poder absoluto corrompe absolutamente.
O facto de não ser caso único, nomeadamente em África, em nada abona do ponto de vista democrático e civilizacional a favor de João Lourenço. Mas, verdade seja escrita, isso não o preocupa. Se ele foi capaz de se divorciar da Rússia para casar com os EUA é porque sabe de que lados sobrevivem os ditadores bons.
Tivesse Muammar Kadafi tido o mesmo sentido estratégico e ainda hoje estaria do lado dos ditadores bons. Como mudou, passou a terrorista mau, e foi o que se viu.
Só em ditadura, mesmo que legitimada pelos votos comprados a um povo que quase sempre pensa com a barriga (vazia) e não com a cabeça, é possível estar tantos anos no poder. Em qualquer estado de direito democrático tal não seria possível. Mas isso tem alguma importância? Claro que não.
Aliás, e Angola não foge infelizmente à regra, África é um alfobre constante e habitual de conflitos armados porque a falta de democraticidade obriga a que a alternância política seja conquistada pela linguagem das armas. Há obviamente outras razões, mas quando se julga que eleições são só por si sinónimo de democracia está-se a caminhar para a ditadura.
Com o MPLA passa-se exactamente isso. A guerra legitimou tudo o que se consegue imaginar de mau. Permitiu ao MPLA perpetuar-se no poder, tal como como permitiu que a UNITA dissesse que essa era (e pelo que se vai vendo até parece que teve razão) a única via para mudar de dono do país.
E quando, por manifesta ingenuidade e não menos manifesta simplicidade, o Povo dá sinais de querer alterar este (mau) estado de coisas, o regime acena logo com o espectro da guerra. “Isso não”, dizem os angolanos de tão sacrificados por dezenas de anos de guerra. E, mal por mal, preferem a barriga vazia do que os tiros.
Também a comunidade internacional vem logo a terreiro para, sem cuidar da veracidade das teses do regime, dizer que não permitirá o regresso à guerra. E como é que o faz? Simples. Apoiando o MPLA.
É claro que, é sempre assim nas ditaduras, o povo foi sempre e continua a ser (as eleições não alteraram a génese da ditadura, apenas a maquilharam) carne para canhão. Seja na guerra ou na paz, o Povo continua a ser o escravo.
Por outro lado, a típica hipocrisia das grandes potências ocidentais, nomeadamente EUA e União Europeia, ajudou a dotar tanto José Eduardo dos Santos como João Lourenço com o rótulo de grandes estadistas. Rótulos que não correspondem ao produto. Essa opção estratégica de norte-americanos e europeus tem, reconheça-se, razão de ser sobretudo no âmbito económico.
É muito mais fácil negociar com um regime ditatorial do que com um que seja democrático. É muito mais fácil negociar com alguém que, à partida, se sabe que irá estar na cadeira do poder durante toda a vida, do que com alguém que pode ao fim de um par de anos ser substituído pela livre escolha popular.
É, como acontece com João Lourenço, muito mais fácil negociar com o líder de um clã (MPLA) que representa quase 100 por cento do Produto Interno Bruto, do que com alguém que não seja dono do país mas apenas, como acontece nas democracias, representante temporário do povo soberano.
Desde 2002, o presidente vitalício de Angola tem conseguido fingir que democratiza o país e, mais do que isso, conseguiu (embora não por mérito seu mas, isso sim, por demérito da UNITA) domesticar completamente todos aqueles que lhe poderiam fazer frente.
Todos sabemos que, até pelo facto de o país ter estado em guerra dezenas de anos, João Lourenço não tem as mãos limpas de sangue. Aliás, nenhuma ditador tem as mãos limpas.
Mas essa também não é uma preocupação. Quando se tem muitos e muitos milhões, pouco importa como estão as mãos. Aliás, esses milhões servem também para branquear, para limpar, para transplantar, para comprar (quase) tudo e (quase) todos.
Tudo isto é possível com alguma facilidade quando se é dono de um país rico e, dessa forma, se consegue tudo o que se quer. E quando aparecem pessoas que não estão à venda mas incomodam e ameaçam o trono, há sempre forma de as fazer chocar com uma bala.
Acresce, e nisso os angolanos não são diferentes de outros povos sujeitos à vontade dos ditadores, que continua válida a tese de que “se não consegues vencê-los junta-te a eles”. Não admira por isso que João Lourenço tenha cada vez mais fiéis seguidores, sejam militares, políticos, empresários e até supostos jornalistas.
É claro que, enquanto isso, o Povo continua a ser gerado com fome, a nascer com fome, e a morrer pouco depois… com fome. E a fome, a miséria, as doenças, as assimetrias sociais são chagas imputáveis ao Poder. E quem está no poder há 47 anos? O MPLA. Até um dia, como é óbvio.
Folha 8 com Lusa