PAZ COM 20 MILHÕES DE POBRES?

A UNITA, o maior partido da oposição que o MPLA ainda permite em Angola, disse hoje que, volvidos 21 anos da conquista da paz, os angolanos continuam a viver uma “grave” crise política, judicial, económico-financeira e social, caracterizada pelo “retrocesso” dos indicadores do Estado Democrático de Direito. Pode haver retrocesso em algo que nunca existiu?

Para a UNITA, o contexto actual do país também é caracterizado pelo “aumento” dos níveis de pobreza, do índice de desemprego, sobretudo na juventude, da “corrupção endémica e sistemática e do abuso e violação dos direitos humanos”.

O secretariado-executivo do Comité Permanente da Comissão Política da UNITA, em declaração alusiva aos 21 anos (da assinatura dos acordos) de paz e reconciliação nacional, que hoje se assinala, refere que continuará a dialogar com o Governo para que este cumpra os assuntos pendentes dos acordos de paz.

A inserção e dignificação social de todos os ex-militares e a devolução do património material da UNITA constituem os “pendentes” dos Acordos de Paz. Pendentes há 21 anos…

Angola assinala hoje 21 anos de paz (ausência de tiros) em celebração do memorando complementar da paz assinado no Luena, província do Moxico, em 4 de Abril de 2002, entre o Governo angolano, liderado pelo MPLA, e a UNITA, que ditou o fim das hostilidades.

Nesta declaração alusiva à efeméride, a UNITA exorta também os cidadãos a “não relaxarem” na defesa dos seus direitos plasmados (mas não cumpridos) na Constituição e refere que a paz “foi sempre um objectivo primordial” de Jonas Savimbi, líder fundador do partido, “terrorista” segundo o MPLA, em contraposição com o seu herói nacional (e mundial), o assassino António Agostinho Neto.

O Comité Permanente da Comissão Política da UNITA diz igualmente acreditar “piamente” na virtude do diálogo como forma suprema de solução dos problemas dos homens. Deve ser por isso que a UNITA aposta na força da razão e o MPLA na razão da força.

Tal como no Alto Cauango (foto) em 19 de Maio de 1991 e, mais tarde mas ainda em Maio de 1991, em Bicesse, em Lusaka em Novembro de 1994, no Luena em Março de 2002, em Luanda em Abril de 2002, a UNITA “está disponível e continuará a tomar iniciativas de diálogo com todos os parceiros nacionais, para decantar, por consenso, as melhores soluções para os grandes problemas que Angola e os angolanos enfrentam”, salienta.

“É o caso da verdadeira reconciliação nacional, da consolidação e o aprofundamento do Estado democrático de Direito. Neste particular, a UNITA apela a todos os filhos de Angola no sentido de unirem energias com vista à institucionalização das autarquias ainda em 2023, que são o verdadeiro garante do desenvolvimento das comunidades”, acrescenta ainda a declaração.

A província do Namibe acolheu hoje o acto central das celebrações dos 21 anos da paz e reconciliação nacional em acto presidido pela ministra de Estado para a Área Social, Dalva Ringote, em representação do Presidente (não nominalmente eleito) João Lourenço.

MPLA exorta angolanos a fazerem da paz a sua “prioridade”

Por sua vez, o MPLA, partido no poder em Angola há 47 anos, disse hoje que a consolidação da paz e da democracia “permanece” no seu programa de governo no actual mandato e exortou os cidadãos a fazerem da paz “a sua prioridade”. Pela exagerada assiduidade com que fala de paz, o MPLA deve ter os conceitos trocados…

Numa declaração alusiva ao 4 de Abril, o Bureau Político do MPLA apela também para que cada cidadão seja um agente activo da tolerância e do amor ao próximo. Repto visível pela forma como a Polícia Nacional (do MPLA) trata os angolanos, matando primeiro e interrogando depois.

O MPLA, na sua declaração, saúda todo o povo angolano pela data e compromete-se a apoiar todas as acções que visem enaltecer os feitos dos heróis do MPLA envolvidos nos vários conflitos armados registados em Angola, desde logo os do seu herói nacional, Agostinho Neto, que nos massacres de 27 de Maio de 1977 mandou assassinar milhares e milhares de… angolanos.

O MPLA augura que o seu legado de lutas e conquistas sirva de inspiração às novas gerações, a fim de cultivarem, cada vez mais, o espírito patriótico e as diversas manifestações de cidadania, reflectidos como orgulho de todos os angolanos.

Os “camaradas” reiteram que a consolidação da paz, da democracia, bem como a preservação da unidade e coesão nacional, permanecem no seu programa de governação para o presente quinquénio, “como acção prioritária, podendo ser este valioso património a âncora fundamental para garantir a realização do sonho”.

Como pressuposto para um país melhor, “cada vez mais inclusivo e participativo”, o MPLA exorta o povo angolano a fazer da paz a sua prioridade, e que cada cidadão seja um agente activo da tolerância e do amor ao próximo, para construção de uma sociedade de progresso social e desenvolvimento sustentável.

“Com fundamento na implementação de políticas públicas bem-sucedidas, com realce para a luta contra a corrupção e todas as formas de injustiça e discriminação”, refere-se na declaração.

Os angolanos são ainda exortados a comemorarem a efeméride com “júbilo, espírito de gratidão e perene preocupação de preservação da paz arduamente conquistada”, como tributo de “valor imensurável” para a história de Angola e dos angolanos.

Em Luanda, João Lourenço rendeu homenagem ao ex-presidente angolano José Eduardo dos Santos, e condecora várias personalidades, civis e militares, com outorga da Paz e Concórdia, Ordem de Mérito Civil, Ordem dos Combatentes da Liberdade e outras no âmbito da efeméride.

A desfaçatez de João Lourenço é de tal ordem que numa típica e mesquinha acção de propaganda, João Lourenço resolveu condecorar cerca de 500 personalidades angolanas, que – diz – se destacaram no processo de conquista da Independência Nacional, da paz, democracia e reconciliação nacional. A lata (ausência de vergonha, atrevimento, descaramento, ousadia, topete) é de tal ordem que um dos condecorados é (a título póstumo) Alves Bernardo Baptista «Nito Alves» (Ordem dos Combatentes da Liberdade, 1.º Grau).

Ou seja, o MPLA/João Lourenço continua a manter como único herói nacional o assassino António Agostinho Neto, o então presidente que mandou assassinar (e com ele mais uns milhares de angolanos) Alves Bernardo Baptista «Nito Alves», agora condecorado.

Como se isso não bastasse, João Lourenço deu aval à entrega dos restos mortais de vítimas dos massacres de 27 de Maio de 1977, ordenados por Agostinho Neto, às famílias, incluindo os corpos de Sita Vales, José Van-Dunem e “Nito Alves” que – afinal – não correspondiam (de acordo com os testes de ADN) a essas vítimas.

De facto, a máquina de propaganda do Governo angolano e da CIVICOP – Comissão de Reconciliação em Memória das Vítimas dos Conflitos Políticos, ao realizar cerimónias fúnebres e entregar corpos em cerimónias públicas amplamente televisionadas, em véspera de eleições, mais não foram do que um macabro exercício de crueldade.

O país viu. O mundo também. Todo o país viu e viveu esse momento como um suposto tempo de verdade e reconciliação. Porém, nem todos aceitaram “comer e calar”. Alguns familiares dos assassinados pediram a realização de testes de ADN para confirmar a identidade dos cadáveres.

O Governo angolano promoveu, no ano passado, as cerimónias fúnebres de Alves Bernardo Batista “Nito Alves”, Jacob Caetano João “Monstro Imortal”, Arsénio Lourenço Mesquita “Sihanouk” e Ilídio Ramalhete, vítimas dos massacres ordenados em 27 de Maio de 1977 pelo único herói nacional que o MPLA permite, venera e endeusa.

No local onde foram encontradas essas ossadas, estariam também as de José Van-Dunem e Sita Vales, um jovem casal de dirigentes do MPLA, que foram também assassinados na altura, mas os seus familiares exigiram novos exames forenses, tendo-se deslocado a Luanda uma equipa de especialistas portugueses, liderada pelo ex-presidente do Instituto Nacional de Medicina Legal e professor catedrático da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra, Duarte Nuno Vieira.

E foi com espanto (típico da ingenuidade dos sofredores) e dor que após a realização dos exames, se concluiu que nenhuma das amostras corresponde aos cadáveres apresentados.

Os peritos portugueses encontraram oito corpos misturados em sacos, tiveram de reconstituir cada corpo e posteriormente fazer os exames. Um desses corpos, entre os oito, era apenas uma mandíbula. Entre estes havia duas crianças…

Folha 8 com Lusa

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