João Lourenço, Presidente angolano não nominalmente eleito, autorizou a privatização, por alienação, através de suposto concurso público, de oito unidades industriais em Luanda, maioritariamente localizadas na Zona Económica Especial (ZEE) Luanda-Bengo, e quatro outras na província de Cabinda. Como todas, esta decisão teve a concordância do Presidente do MPLA e do Titular do Poder Executivo.
O Despacho Presidencial nº 232/23, de 2 de Outubro, refere que a alienação destes activos enquadra-se no Programa de Privatizações (2023-2026), que há necessidade de se concluir. A venda está, aliás, na linha programática do MPLA que – ao longo dos 48 anos de Poder – visa vender o país a retalho, enquanto (é claro) houver o que vender.
Na ZEE, vão para alienação a INDUCAMAR (unidade de fabrico de pneus e câmaras de ar), a INDUMASSAS (fábrica de massa alimentar), a INDUTUBO (fábrica de tubos HDPE), a MECAMETAL (unidade de fabrico de peças e estruturas metálicas), a PIVANGOLA (unidade de fabrico de pivôs de irrigação agrícola), a SIDUREX (siderurgia de laminação de aço) e a ZUB II (unidade de fabrico de vigas e painéis em betão).
A lista de bens a alienar inclui ainda o Complexo de Silos de Catete, em Luanda, e, na província de Cabinda, o Armazém de Chimbodo, o Complexo de Frio de Cabinda, a Cerâmica do Sassa Zau e a Moageira de Farinha de Trigo de Cabinda.
O Propriv 2023-2026, a segunda fase deste programa, inclui para privatização 73 activos e empresas, dos quais 21 são empresas de referência nacional, seja lá o que isso for.
Até ao final de 2022, o Governo/MPLA encaixou, desde 2019, 567 mil milhões de kwanzas (mil milhões de euros) com a privatização de 96 activos, no âmbito do Programa de Privatizações (Propriv), que poderá prorrogar-se por mais cinco anos, anunciou no dia 9 de Janeiro de 2023 Ottoniel dos Santos. Em vez de vender o país por atacado, o MPLA descobriu que lucra mais vendendo a retalho…
A informação foi avançada pelo secretário de Estado para as Finanças e Tesouro, Ottoniel dos Santos, no final de uma reunião de balanço do programa de privatizações de empresas e activos do Estado em curso.
O Propriv, executado pelo Instituto de Gestão de Activos e Participações do Estado (IGAPE), arrancou em 2019, com um total de 195 empresas e activos para privatização, tendo ficado com um total de 178 activos, depois de sofrer alterações.
Ottoniel dos Santos referiu que, dos 567 mil milhões de kwanzas encaixados, estavam ainda por receber, contratualmente, um total de 394 mil milhões de kwanzas (750,8 milhões de euros), estando na altura algumas prestações já vencidas, no valor de 15,1 milhões de kwanzas (28,7 mil euros).
Segundo o governante do MPLA, foram privatizados até à data 96 empresas e activos, sobrando 82 activos, dos quais 27 tinham processos em curso, 31 estavam pendentes e 25 por retirar do programa de privatizações.
O secretário de Estado para Finanças e Tesouro salientou que, relativamente aos activos que ainda estavam por privatizar, e que tinham seus processos em curso, seriam desenvolvidos ao longo do primeiro trimestre de 2023, enquanto os outros processos deveriam ser ajustados.
“Aqui estamos a referir-nos nomeadamente a processos que dependem de uma intervenção jurídica, outros, de algum ajuste do ponto de vista organizacional das empresas para que possam ser privatizadas e finalmente formalizar a retirada de 24 activos do Propriv.
Relativamente aos novos activos a serem inseridos, Ottoniel dos Santos avançou que seriam inicialmente 68, incluindo os que ainda estavam em curso no primeiro ciclo e os que derivam dos processos de recuperação de activos, que o Estado quer privatizar, bem como levantamentos feitos por governos provinciais (todos do MPLA) e gestores sectoriais, que entendem que determinados activos podem passar para a esfera privada.
Com a alienação de empresas e activos foram já garantidos um total de 2.747 empregos, dos quais 1.462 são novos e 1.285 anteriormente existentes, adiantou.
O governante disse ainda que seria proposta a prorrogação do programa por mais cinco anos, ao longo do mandato, por duas razões fundamentais: primeiro, o conjunto de processos do ciclo que encerrou em 2022 e que ainda estavam por concluir e, segundo, por conta dos novos activos que serão inseridos no programa.
Ottoniel dos Santos disse que, entre as empresas propostas para serem retiradas do Propriv, algumas têm pouca capacidade de atrair o sector privado e outras empresas deverão ser liquidadas.
Ottoniel dos Santos fez um balanço positivo do Propriv tendo em conta a conjuntura vivida nos últimos cinco anos, marcada pela pandemia de Covid-19, a fase de reestruturação e reformas que Angola – disse ele – está a implementar.
“Somando estes dois grupos [os activos privatizados e os que têm processos a decorrer] e tendo em conta o total de activos que estavam para privatizar, nós prevemos um percentual de 69% de efectivação do programa. Penso que para uma primeira experiência sistematizada – porque Angola já teve outros processos de privatizações (…) – dadas as circunstâncias que referi, o programa está a ter um resultado promissor”, sublinhou.
A bem do seu reino, MPLA pôs Angola à venda
Em Junho de 2019, o Governo anunciou que mais de 190 empresas públicas, 32 delas de referência nacional, seriam privatizadas via Bolsa de Valores para aumentar os níveis de eficiência. Essa dos níveis de eficiência teve piada. Lá foram os mesmos de sempre (do regime do MPLA) e o capital estrangeiro – mesmo que abutre – abocanhar a carne e deixar-nos os ossos… se não servirem para fazer farinha.
Em Maio de 2018, o Governo previa privatizar 74 empresas públicas a médio prazo, sobretudo do sector industrial. A informação constava do prospecto da emissão de ‘eurobonds’ de 3.000 milhões de dólares (2.500 milhões de euros), a 10 e 30 anos e com juros acima dos 8,2% ao ano. Mudam-se (aumentam) as dívidas, muda-se o número de empresas. É o MPLA ao seu melhor estilo.
Em Outubro de 2018, a Economist Intelligence Unit (EIU) defendia que o processo de privatizações em Angola teria de ser bem gerido e alertava para a “crescente preocupação” sobre as ligações entre os destinatários das vendas das empresas e três dos mais altos dignitários do país: o Presidente da República (João Lourenço), o Presidente do MPLA (João Lourenço) e o Titular do Poder Executivo (João Lourenço).
Segundo o, na altura, coordenador adjunto da comissão técnica de privatizações do Ministério das Finanças, Patrício Vilares, o processo de privatizações das empresas públicas já estava em curso e obedecia a normas e critérios com base na lei.
De acordo com Patrício Vilares, que falava à margem da 6ª reunião Ordinária da Comissão Económica do Conselho de Ministros, o programa de privatizações visava a “melhoria do tecido produtivo”, envolvendo as empresas com maior impacto na economia para lhes dar “condições de maior competitividade e dinamização para o sector público”. Seriam privatizadas empresas dos sectores da agricultura, indústria, turismo, transportes, telecomunicações, finanças e mineiro.
A Comissão Económica do Governo aprovou o programa de privatizações, documento que identificava as empresas públicas ou de domínio público a serem privatizadas no âmbito da redução da intervenção do Estado na economia como produtor directo de bens e serviços, e da promoção de condições favoráveis à iniciativa privada, ao investimento estrangeiro e à aquisição de “know-how” em competências específicas.
Como estaria Angola a reagir à crise económica e financeira se a Sonangol já tivesse sido privatizada e, por isso, deixasse de estar sob a alçada (mesmo que incorrecta) do Estado? Seria possível, se esta empresa estratégica fosse de estrangeiros (mesmo que tendo sipaios do regime como administradores), amortecer o impacto da crise, garantindo algum poder negocial, nomeadamente a nível de empréstimos?
Privatizar uma empresa estratégica como a Sonangol seria (será, é) como privatizar as Forças Armadas, perdendo um dos principais factores da nossa independência económica e financeira, no caso.
Só por ingenuidade, sejamos optimistas, se poderá pensar que os nossos principais responsáveis políticos, a começar pelo Presidente da República, não alinharão nesta estratégia ultraliberal e, por isso, suicida. Privatizar a Sonangol é passar o nosso centro de decisão económico para estranhos e, inclusive, para fora do próprio país.
No caso de uma empresa, da empresa das empresas (a verdadeira galinha dos ovos de ouro, segundo João Lourenço), é seguir a estratégia dos que, do ponto de vista estritamente da rentabilidade comercial, e por isso apátrida, preparam as empresas com a única finalidade de as alienar, criando mais-valias, nada preocupados com quem é o comprador, para onde vai o centro de decisão, que consequências tratará para a economia nacional, para o seu tecido social, para a independência do próprio país.
A crise económica e financeira que Angola atravessa há alguns anos, não só exige como justifica que o Estado mantenha em seu poder empresas e entidades que são estratégicas e que deveriam ser inalienáveis. Estão a funcionar mal? Ponham-se a funcionar bem. Têm altos custos? Têm. Mas são custos que não podem implicar a venda da nossa identidade. E essa identidade só se mantém se, por exemplo, a Sonangol continuar a ser do Estado, continuar (ou voltar) a ser uma empresa âncora do país e não do dono do país.
Angola (mesmo com a bélica oposição do MPLA) precisa de travar esta intenção antes que seja demasiado tarde. Não se trata de uma empresa como muitas outras que o Estado quer, e bem, privatizar. A Sonangol é… Angola. E Angola não está à venda (embora às vezes pareça) nem em fase de privatização. Ou será que está?
Numa longa análise ao processo de privatizações em curso em Angola, a unidade de análise económica da revista britânica ‘The Economist’ alertou para a necessidade de o processo ser bem gerido, sob pena de afastar os potenciais interessados.
“É importante que quaisquer vendas sejam bem geridas, entregando o melhor valor, e que as transferências sejam transparentes para evitar enriquecimentos ilícitos de uma elite bem relacionada politicamente”, avisaram os analistas sobre as privatizações esperadas, totais ou parciais, de empresas como a petrolífera Sonangol, a transportadora aérea TAAG ou a Angola Telecom.
“Vender empresas ou activos nacionais vai ajudar a obter o tão necessário financiamento para o Governo cortar os custos dos salários e reduzir as vulnerabilidades”, e deve também “ajudar o mercado, aumentando a concorrência e melhorando os padrões dos serviços, mas coloca um risco de aumento da instabilidade laboral se as reestruturações afectaram empregos e benefícios”, alertava-se na análise ao programa de privatizações angolano.
Angola introduziu em 1994 a nova legislação sobre privatizações, para aumentar a eficiência, produtividade e competitividade da indústria do país, nacionalizada a custo zero pelo MPLA após a independência de Portugal, proclamada a 11 de Novembro de 1975.
Entre 2001 e 2005, o Governo chegou a identificar 102 empresas para privatização total ou parcial, processo que não chegou a ser concluído.
Folha 8 com Lusa
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