MAIS UNS MILHÕES PARA A, DIZEM, SAÚDE

O Presidente angolano, general João Lourenço, autorizou dois projectos na área da Saúde, no valor de 88,6 milhões de euros. No despacho presidencial n.º3/23, de 19 de Janeiro, é autorizada a construção e apetrechamento do Instituto Oftalmológico de Luanda (IOL), no valor de 75 milhões de euros, que será celebrado com a Societé Française D´ Équipement Hospitalier.

O despacho refere que o Ministério da Saúde celebrou, em 2019, o contrato de construção do IOL com o consórcio de empresas constituído pela Homt España, S.A e a Griner Engenharia, S.A..

No despacho presidencial n.º 6/23, também de 19 de Janeiro, é autorizada a aquisição de equipamentos hospitalares à empresa Siemens Healthineeres e formação de técnicos, para o apetrechamento do Complexo Hospitalar Pedro Maria Tonha “Pedale”, no valor de 13,6 milhões de euros.

O despacho refere que os equipamentos a serem adquiridos visam o apetrechamento das áreas de radioterapia, imagiologia e medicina nuclear, “com carácter de urgência para assegurar a continuidade dos trabalhos e proporcionar melhor assistência e acompanhamento médico aos utentes”.

De acordo com o documento, há necessidade de se adoptar um procedimento célere e desconcentrado para a tomada de decisão contratual, tendo em conta a preocupação do Executivo em acomodar este serviço do sector da saúde no âmbito das prioridades definidas no Plano de Desenvolvimento Nacional 2018-2022, com vista à melhoria da qualidade de vida das populações.

Nesse sentido, foi celebrado com a alemã Siemens Healthineeres o contrato de aquisição de equipamentos para as áreas de Imagiologia e Medicina Nuclear no valor de 8,2 milhões de euros.

O investimento prevê igualmente um contrato de formação de técnicos, no valor de 2,1 milhões de euros, e o contrato de aquisição de equipamento de radioterapia, no valor de 3,3 milhões de euros.

No dia nove deste mês, a ministra da Saúde, Sílvia Lutucuta, visitou as obras do Complexo Hospitalar Pedro Maria Tonha “Pedale”, localizado no município de Talatona, na província de Luanda, e foi informada que a sua execução física é de 56%, tendo garantido que a inauguração acontece ainda este ano.

Em outro despacho, o Presidente (igualmente Titular do Poder Executivo) autorizou a despesa de 14,9 mil milhões de kwanzas (28,3 milhões de euros) para abertura de contratação emergencial de obras para travar a progressão de ravinas, na província angolana da Lunda Norte.

No despacho n.º 7/23, de 19 de Janeiro, é referido que o Ministério das Obras Públicas, Urbanismo e Habitação tem inscrito no seu programa o Projecto de Combate às Ravinas, que podem resultar na destruição de infra-estruturas habitacionais, desabamento de estradas e deterioração de bens de consumo e danos no sistema de abastecimento de água.

A progressão de ravinas foi constatada em 12 zonas da província da Lunda Norte “havendo necessidade imperiosa e urgente para dar início à realização de obras de contenção e estabilização das referidas ravinas” para “repor a circulação rodoviária naquelas localidades”, lê-se no despacho.

Saúde vai de mal a pior

No dia 2 de Janeiro de 2019, o Folha 8 publicou o artigo “Saúde vai de mal a pior”, que agora – pela sua actualidade – voltamos a publicar e que foi escrito por Carlos Botelho de Vasconcelos, Mestre em Medicina Molecular:

«Angola e os angolanos iniciam neste 2019 um novo ciclo. Infelizmente, a Saúde que, a par da Educação, deveria ser um sector privilegiado, mais não é do que um parente pobre do sistema, para desgraça da maioria da população, que outra alternativa não tem, senão o recurso ao serviço público de saúde.

Sempre fui conhecedor da falta de funcionalidade, desde 1975 (por informação e arquivos históricos), do sistema público de Saúde de Angola, por ter trabalhado, afincadamente, nos seus corredores e sentir a impotência do corpo clínico e profissional, por falta de recursos de toda a ordem e o clamor dos pacientes pobres, sem outra possibilidade.

Trabalhei no sector de saúde privado, em Luanda, entre 2008 e 2011, depois de, por sete (7) anos, ter estudado e especializado no Reino Unido, retornando ao país, com uma carga emocional e de esperança elevada em 2017, com o intuito de servir a pátria, neste sector tão sensível e importante, para a vida e saúde dos cidadãos.

Seria, para mim, uma linha de história e de progresso se não fosse tão dramático, vergonhoso e crítica a realidade dos hospitais e centros médicos dos Serviços Públicos de Saúde, em Angola, meu país natal, cujas angústias são também vividas por todos os profissionais, que assistem impávidos à implantação de um dos piores sistemas do mundo, pelos factos que a seguir passamos a escalpelizar:

1- O Ministério da Saúde não valoriza os quadros e profissionais angolanos do sector, tão-pouco prioriza pessoas com formação excepcional. Vezes sem conta, assiste-se a estrangeiros com contratos generosos, usufruírem de condições excepcionais, negadas a profissionais angolanos com igual ou superior formação e experiência. Por outro lado, o concurso público, para admissão de pessoal, no sistema de saúde de tão confuso, depois de meses de espera, mais valia a pena nem ter acontecido. E a pergunta que fica no ar é: “Quem elaborou testes tão descomunais”?;

2 – A Saúde Pública, em Angola, desde 1975, ano da Independência, nunca foi tratada, ao que parece, como prioridade nos planos governamentais, não sendo o facto, novidade para ninguém. Obviamente por a maioria dos governantes, sem excepção, tal como os ricos do regime, frequentarem clínicas no exterior do país, enquanto os hospitais públicos, um atrás do outro, deixam muito a desejar. O meu sonho de consumo, quiçá em 2019, é ver os governantes tratarem-se, obrigatória e exclusivamente, nos hospitais públicos, salvo quando não tenha determinadas especialidades;

3 – O Ministério da Saúde clama, propagandisticamente, aos quatro ventos, pretender humanizar os profissionais de saúde, mas este desejo sempre foi equivocado nos anteriores titulares à actual ministra, Sílvia Lutucuta. Como requerer qualidade nos Serviços Públicos de Saúde com as pessoas a trabalhar em péssimas condições, os médicos a dobrar turnos, para conseguirem aumento do salário/mês (e assim conseguirem colocar comida a mesa e pagar a escola dos filhos), quando o processo inicial deve passar pela valorização salarial de quem cuida da vida dos cidadãos. Sem isso é uma quimera, exigir melhores serviços aos profissionais de saúde, presos a toda espécie de dificuldades e falta de materiais de trabalho. Neste quesito, fica muito difícil acabar com a corrupção, principalmente neste sector, se o trabalho de base, não for feito, uma vez a gasosa determinar quem passa primeiro na fila de atendimento ao consultório médico ou bloco operatório, não por falta de humanismo, mas pelo óbvio, que ilumina toda uma cadeia funcional, que encontra humanos, cada um com as suas dificuldades e forma de encarar a realidade;

4 – Os profissionais de saúde, incluindo médicos, especialistas e demais quadros, não usufruem de meios de transporte, nem facilidades bancárias (crédito), para a sua aquisição, como forma de facilitar a mobilidade do e para o local de trabalho. Muitos médicos têm de apanhar, diariamente, os famosos candongueiros e os poucos autocarros (precários) disponibilizados, que contribuem para os atrasos, que originam faltas e o consequente corte no já magro salário. Por outro lado, os profissionais que conseguem comprar carro precisam “fazer das tripas coração” para manter o combustível em dia quando, em sentido inverso, muitos directores de hospitais públicos, sem justificativa, desfilam com jeeps de alta cilindrada, cujo custo inicial daria para cerca de 10 ou 15 profissionais, financiar a aquisição de um carro de ocasião;

5 – Não existe na maioria dos Hospitais e Centros Médicos Públicos condições humanas e de trabalho dignas para funcionários e pacientes, o que revolta quem deles tem conhecimento, por funcionarem em condições sub-humanas com sobrelotação; profissionais desqualificados; estagiários inaptos (a tratarem pacientes em estado grave, sem a mínima supervisão); falta de material gastável, tais como luvas, seringas, reagentes, medicamentos, etc. (Particularmente, fui orientado a usar um par de luvas latex descartável, por dia, num hospital público – isso mesmo, um par por dia);

6 – O Ministério da Saúde aprendeu muito bem a banalizar a situação vergonhosa dos hospitais públicos, e muitos profissionais acreditam estarem destinados a trabalhar em condições precárias por não terem a quem reclamar, pois a titular do pelouro não responde, na maioria das vezes, às cartas que lhe são enviadas, pelos profissionais. Neste quadro nebuloso, ainda se quer culpar o quadro clínico por não trabalha com amor e dedicação, para salvar vidas humanas. Como salvar vidas se não existem meios e os funcionários nem sequer são ouvidos, nas suas reclamações?;

7 – Resistência às propostas e mudanças sugeridas pelos profissionais, a quem aconselham a ficar calados (tive experiência pessoal), sob alegação das coisas mudarem a longo prazo, por Angola não ser do primeiro mundo. Esquecem-se esses arautos da desgraça alheia, ser a longo prazo que se luta e combate contra a malária, a tuberculose e o HIV, porquanto a maioria das campanhas governamentais iludem o real quadro dessas doenças, confrontadas pela falta gritante de medicamentos para tratar os pacientes, com diagnósticos rápidos e a necessidade de materiais gastáveis, contrários à tese de não devemos ser imediatistas, quando a vida é apenas uma;

8 – É condenável a prática do Governo sempre que surgem surtos de doenças ao pedir ajuda a organizações e profissionais estrangeiros, que pagam milhões de dólares, menosprezando os quadros angolanos;

9 – O Ministério da Saúde deve respeitar (é meu desejo) mais os profissionais clínicos que tanto se sacrificam nos hospitais, mesmo sem meios, e, muitas vezes, no final, por não conseguirem, o melhor, serem acusados de negligência. A ministra da Saúde não se pode limitar apenas a dar a cara, na comunicação social, quando existe um surto ou greve, mas apresentar um plano de prevenção dos grandes problemas do sector e, isso sim, dar a cara, todos os dias, para verificar a crua realidade, nos hospitais e centros médicos públicos;

10 – Os dados estatísticos publicados e divulgados pelo Ministério da Saúde, sobre mortes por malária e HIV, principalmente, são muito questionáveis, pois a realidade é muito diferente, uma vez os dados serem bem superiores, mas a lógica é de tentar iludir a Organização Mundial de Saúde e outras organizações internacionais e mesmo a população, quando não existem programas nesse sentido (redução). A verdade é das mortes por malária, tuberculose e HIV, serem ainda preocupantes e a ilusão governamental surge do facto desses números não serem alvo de auditoria interna, independente, nos hospitais e centros hospitalares públicos e privados.

Em 2019, esta é ainda a nossa dura e crua realidade, no Sistema Público de Saúde, que deveria deixar de nos envergonhar, mesmo diante de países pequenos, como a Namíbia, cujos governantes têm outra visão e compromisso para com os seus cidadãos. Por esta razão, acho, que o maior lençol de vergonha deve cobrir todo corpo da direcção do Ministério da Saúde de Angola.»

Folha 8 com Lusa

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