LIBERDADE DE  IMPRENSA NÃO RIMA COM FACEBOOK

No dia 3 de Maio de 2022, Dia Mundial da Liberdade de Imprensa, a alta comissária da ONU para os Direitos Humanos, Michelle Bachelet, discursou ao lado dos jornalistas e Prémios Nobel da Paz, Maria Ressa e Dmitry Muratov, lamentando a falta elucidação para 87% dos crimes contra jornalistas. O Facebook é uma das organizações que, ao confundir a obra-prima do Mestre com a prima do mestre de obras, mais crimes comete contra os jornalistas.

A alta comissária destacou que o “simbolismo do Nobel da Paz” de 2021 não poderia ser mais pertinente, com a intensificação de conflitos que não respeitam os direitos humanos. Por isso, Bachelet acredita que “o trabalho dos jornalistas em expor atrocidades é mais crucial do que nunca.” E como é que eles podem fazer isso? Via Facebook não é com certeza. Quando nós escrevemos que os “nazis consideram que António Agostinho Neto foi um digno seguidor do seu patrono, Adolf Hitler”, o Facebook bloqueia tanto a página do Folha 8 como a do nosso director adjunto, por “incitamento ao ódio”.

Michelle Bachelet destacou que o 3 de Maio é uma data para homenagear os profissionais “que trabalham no meio de pressões, intimidações, vigilância e riscos”, para que todas as pessoas tenham acesso a informações precisas e independentes.

Apesar do papel crucial que têm para as sociedades, Michelle Bachelet lembrou que os “jornalistas continuam a trabalhar sob grandes ameaças”, seja em zonas de conflito ou em países com espaço cívico restrito e altos níveis de crime organizado. Censurar a verdade, não cuidando de a analisar, bloqueando o mensageiro sem aquilatar o valor da mensagem, não será uma forma de crime organizado?

A alta comissária citou casos de jornalistas literalmente assassinados ao redor do mundo. De acordo com a Unesco, foram 55 profissionais mortos em 2021, sendo que a impunidade permanece: 87% dos crimes ocorridos desde 2006 ainda não foram elucidados. Michelle Bachelet não falava de crimes de censura.

A alta comissária para os Direitos Humanos ressaltou a importância de se promover uma imprensa livre e independente e assim, combater a desinformação, construir confiança pública e proteger os direitos humanos. Como é que isso se consegue quando, por exemplo, o Facebook “mata” a verdade, não cuidando de a analisar, “assassinando” o mensageiro sem aquilatar o valor da mensagem?

Aos jornalistas de todo o mundo, Michelle Bachelet ressaltou a “coragem e o compromisso destemido em nos trazer a verdade”.

Segundo, por exemplo, o Estatuto do Jornalista de Portugal, constituem direitos fundamentais dos jornalistas: a) A liberdade de expressão e de criação; b) A liberdade de acesso às fontes de informação; c) A garantia de sigilo profissional; d) A garantia de independência; e) A participação na orientação do respectivo órgão de informação.

Diz também que a liberdade de expressão e criação dos jornalistas não está sujeita a impedimentos ou discriminações nem subordinada a qualquer tipo ou forma de censura.

Em matéria de sigilo profissional estabelece que:

1 – Sem prejuízo do disposto na lei processual penal, os jornalistas não são obrigados a revelar as suas fontes de informação, não sendo o seu silêncio passível de qualquer sanção, directa ou indirecta.

2 – As autoridades judiciárias perante as quais os jornalistas sejam chamados a depor devem informá-los previamente, sob pena de nulidade, sobre o conteúdo e a extensão do direito à não revelação das fontes de informação.

3 – No caso de ser ordenada a revelação das fontes nos termos da lei processual penal, o tribunal deve especificar o âmbito dos factos sobre os quais o jornalista está obrigado a prestar depoimento.

4 – Quando houver lugar à revelação das fontes de informação nos termos da lei processual penal, o juiz pode decidir, por despacho, oficiosamente ou a requerimento do jornalista, restringir a livre assistência do público ou que a prestação de depoimento decorra com exclusão de publicidade, ficando os intervenientes no acto obrigados ao dever de segredo sobre os factos relatados.

5 – Os directores de informação dos órgãos de comunicação social e os administradores ou gerentes das respectivas entidades proprietárias, bem como qualquer pessoa que nelas exerça funções, não podem, salvo mediante autorização escrita dos jornalistas envolvidos, divulgar as respectivas fontes de informação, incluindo os arquivos jornalísticos de texto, som ou imagem das empresas ou quaisquer documentos susceptíveis de as revelar.

6 – A busca em órgãos de comunicação social só pode ser ordenada ou autorizada pelo juiz, o qual preside pessoalmente à diligência, avisando previamente o presidente da organização sindical dos jornalistas com maior representatividade para que o mesmo, ou um seu delegado, possa estar presente, sob reserva de confidencialidade.

7 – O material utilizado pelos jornalistas no exercício da sua profissão só pode ser apreendido no decurso das buscas em órgãos de comunicação social previstas no número anterior ou efectuadas nas mesmas condições noutros lugares mediante mandado de juiz, nos casos em que seja legalmente admissível a quebra do sigilo profissional.

8 – O material obtido em qualquer das acções previstas nos números anteriores que permita a identificação de uma fonte de informação é selado e remetido ao tribunal competente para ordenar a quebra do sigilo, que apenas pode autorizar a sua utilização como prova quando a quebra tenha efectivamente sido ordenada.

No seu artigo 14, afirma:

1 – Constitui dever fundamental dos jornalistas exercer a respectiva actividade com respeito pela ética profissional, competindo-lhes, designadamente:

a) Informar com rigor e isenção, rejeitando o sensacionalismo e demarcando claramente os factos da opinião;

b) Repudiar a censura ou outras formas ilegítimas de limitação da liberdade de expressão e do direito de informar, bem como divulgar as condutas atentatórias do exercício destes direitos;

c) Recusar funções ou tarefas susceptíveis de comprometer a sua independência e integridade profissional;

d) Respeitar a orientação e os objectivos definidos no estatuto editorial do órgão de comunicação social para que trabalhem;

e) Procurar a diversificação das suas fontes de informação e ouvir as partes com interesses atendíveis nos casos de que se ocupem;

f) Identificar, como regra, as suas fontes de informação, e atribuir as opiniões recolhidas aos respectivos autores.

2 – São ainda deveres dos jornalistas:

a) Proteger a confidencialidade das fontes de informação na medida do exigível em cada situação, tendo em conta o disposto no artigo 11.º, excepto se os tentarem usar para obter benefícios ilegítimos ou para veicular informações falsas;

b) Proceder à rectificação das incorrecções ou imprecisões que lhes sejam imputáveis;

c) Abster-se de formular acusações sem provas e respeitar a presunção de inocência;

d) Abster-se de recolher declarações ou imagens que atinjam a dignidade das pessoas através da exploração da sua vulnerabilidade psicológica, emocional ou física;

e) Não tratar discriminatoriamente as pessoas, designadamente em razão da ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual;

f) Não recolher imagens e sons com o recurso a meios não autorizados a não ser que se verifique um estado de necessidade para a segurança das pessoas envolvidas e o interesse público o justifique;

g) Não identificar, directa ou indirectamente, as vítimas de crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual, contra a honra ou contra a reserva da vida privada até à audiência de julgamento, e para além dela, se o ofendido for menor de 16 anos, bem como os menores que tiverem sido objecto de medidas tutelares sancionatórias;

h) Preservar, salvo razões de incontestável interesse público, a reserva da intimidade, bem como respeitar a privacidade de acordo com a natureza do caso e a condição das pessoas;

i) Identificar-se, salvo razões de manifesto interesse público, como jornalista e não encenar ou falsificar situações com o intuito de abusar da boa fé do público;

j) Não utilizar ou apresentar como sua qualquer criação ou prestação alheia;

l) Abster-se de participar no tratamento ou apresentação de materiais lúdicos, designadamente concursos ou passatempos, e de televotos.

3 – Sem prejuízo da responsabilidade criminal ou civil que ao caso couber nos termos gerais, a violação da componente deontológica dos deveres referidos no número anterior apenas pode dar lugar ao regime de responsabilidade disciplinar previsto na lei.

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