“LEVANTAMENTO ARMADO” CONTRA A “OCUPAÇÃO”

A da FLEC-FAC, organização independentista de Cabinda, apelou hoje “a um levantamento armado” contra a “ocupação” angolana e adianta que “disponibilizará todos os meios à população (…) para tornar” aquele território “insuportável à presença de Angola”.

E m comunicado assinado pelo seu porta-voz, Jean Claude Nzita, a Frente de Libertação do Estado de Cabinda (FLEC) salienta que “no quadro da nova estratégia equacionada no novo Plano Militar da FLEC-FAC, a Direcção Político-Militar da FLEC-FAC apela a todos os seus concidadãos a aderirem a um levantamento armado nas cidades e nas aldeias contra o ocupante angolano e seus colaboradores em Cabinda”.

Na nota de imprensa, apela-se também a todos os cabindas “que ainda não têm meios militares para participarem na insurreição armada, que desencadeiem uma postura permanente de desobediência civil perante a administração colonial angolana em Cabinda”.

A FLEC mantém há vários anos uma luta pela independência do território, de onde provém grande parte do petróleo angolano, alegando (e bem) que o enclave era um protectorado português – tal como ficou estabelecido no Tratado de Simulambuco, assinado em 1885 – e não parte integrante do território angolano.

Num contexto colonial em que Portugal aparecia como mal menor entre todos os que queriam ser donos da Cabinda, os cabindas optaram por negociar com os portugueses, acreditando que a sua segurança e autonomia sairiam resguardas.

A 29 de Setembro de 1883, foi assinado o Tratado de Chinfuma no morro do mesmo nome, a norte do rio Chiloango. O local foi escolhido porque só por si corroborava o alcance do acordo. Assim, ficou estabelecido o protectorado e a soberania de Portugal sobre todos os territórios que se estendem do rio Massabi até ao Malembo.

Portugal, de acordo com o articulado do documento, comprometia-se a garantir a perenidade e integridade das áreas bem especificadas no âmbito do protectorado (Artigo 3º, do Tratado de Chifuma), situação corroborada também pelo auto de posse que foi autenticado pelo rei do Cacongo.

Pouco mais de um ano depois, a 26 de Dezembro de 1884, outros responsáveis da hierarquia social e política de Cabinda consideraram favorável o Tratado de Chifuma, até então considerado como já tendo dado frutos no sentido da defesa dos interesses dos cabindas, e decidiram apostar na mesma estratégia, assinando então o Tratado de Chicambo, cópia fiel do anterior.

De acordo com a História de Portugal, anterior aos capítulos revolucionários que a reescreveram a partir do 25 de Abril de 1974, todos os acordos com os cabindas foram feitos, assinados e assumidos conscientemente pelo Governador-Geral de Angola, capitão-tenente Ferreira do Amaral, tendo como testemunha presencial o tenente Guilherme Capelo, comandante da corveta “Rainha de Portugal”, navio de guerra que patrulhava a região regularmente e que era uma garantia da soberania portuguesa.

Mau grado estes Tratados e todas as garantias dadas pelas autoridades portuguesas em matéria de segurança, os cabindas continuavam a sentir-se sem segurança e sujeitos aos mesmos perigos protagonizados pelas outras potências coloniais.

Confrontado com a esta realidade que, inclusive, poderia levar a umas espécie de rebelião que anulasse os acordos anteriores, Portugal resolveu com a anuência de um maior número de líderes de Cabinda, avançar para um outro Tratado mais amplo e abrangente e que englobasse os anteriores e lhes desse outras mais-valias.

Foi assim que, em 1 de Fevereiro de 1885, nasce o Tratado de Simulambuco. Na óptica de Lisboa, sob o reinado de D. Luís, este Tratado era importantíssimo sobretudo no âmbito da famosa Conferência de Berlim.

A Conferência de Berlim realizada entre 19 de Novembro de 1884 e 26 de Fevereiro de 1885 teve como objectivo organizar a ocupação de África pelas potências coloniais e resultou numa divisão que não respeitou, nem a história, nem as relações étnicas e mesmo familiares dos povos do Continente.

A Conferência de Berlim validou o Tratado de Simulambuco e reconheceu, como era condição sine qua non de Portugal, todos os direitos portugueses na região.

Portugal assumia então, tanto perante os cabindas como o mundo, a obrigação de ser guardião, por todos os meios ao seu dispor, do Protectorado de Cabinda.

No Tratado estava, e está, escrito:

“Nós, abaixo assinados príncipes governadores de Cabinda, sabendo que na Europa se trata de resolver, em conferência de embaixadores de diferentes potências, questões que directamente dizem respeito aos territórios da Costa Ocidental de África, e, por conseguinte, ao destino dos seus povos, aproveitamos a estada neste porto da corveta portuguesa “Rainha de Portugal”, a fim de, em nosso nome e no dos povos que governamos, pedirmos ao seu comandante, como delegado do Governo de Sua Majestade Fidelíssima, para fazermos e concordarmos num tratado pelo qual fiquemos sob o protectorado de Portugal, tornando-nos, de facto, súbditos da coroa portuguesa, como já o éramos por hábitos e relações de amizade. E, portanto, sendo de nossa inteira, livre e plena vontade que de futuro entremos nos domínios da coroa portuguesa para aceder aos nossos desejos e dos povos que governamos, determinado o dia, onde, em sessão solene, se há-de assinar o tratado que nos coloque sob protecção da bandeira de Portugal”.

Também os portugueses escreveram e subscreveram.

“Guilherme Augusto de Brito Capello, capitão tenente da Armada, comandante da corveta Rainha de Portugal, comendador d’Aviz e cavaleiro de várias Ordens, autorizado pelo Governo de Sua Majestade Fidelíssima, El-Rei de Portugal, satisfazendo aos desejos manifestados pelos príncipes de Cabinda, em petição devidamente por eles assinada em grande Fundação, concluiu com os referidos Príncipes, Governadores e Chefes abaixo assinados, seus sucessores e herdeiros o seguinte:

Articulado do Tratado:

Artigo 1º – Os Príncipes e mais chefes do país e seus sucessores declaram voluntariamente reconhecer a soberania de Portugal, colocando sob o protectorado desta nação todos os territórios por eles governados.

Artigo 2° – Portugal reconhece e confirmará todos os chefes que forem reconhecidos pelos povos segundo as suas leis e usos, prometendo-lhes auxílio e protecção.

Artigo 3º – Portugal obriga-se a fazer manter a integridade dos territórios colocados sob o protectorado.

Artigo 4º – Aos chefes do país e seus habitantes será conservado o senhorio directo das terras que lhe pertencem, podendo-as vender ou alienar, de qualquer forma, para estabelecimento de feitorias de negócios ou outras indústrias particulares, mediante o pagamento dos costumes, marcando-se duma maneira clara e precisa a área dos terrenos concedidos para evitar complicações futuras, devendo ser ratificamos os contratos pelos comandantes dos navios de guerra portugueses, ou pela autoridade em que o Governo de sua Majestade delegar os seus poderes.

Artigo 5º – A maior liberdade será concedida aos comerciantes de todas as nações para se estabelecerem nestes territórios, ficando o Governo português obrigado a proteger esses estabelecimentos, reservando-se o direito de proceder como julgar mais conveniente, quando se provar que se tenta destruir o domínio de Portugal nestas regiões.

Artigo 6º – Os príncipes e mais indígenas obrigam-se a não fazer tratados, nem ceder terrenos aos representantes de nações estrangeiras, quando essa cedência seja com carácter oficial e não com o fim mencionado no artigo 4º.

Artigo 7º – Igualmente se obrigam a proteger o comércio, quer dos portugueses, quer dos estrangeiros e indígenas, não permitindo interrupções nas comunicações com o interior, e a fazer uso da sua autoridade para desembaraçar os caminhos, facilitando e protegendo as relações entre os vendedores e compradores, as missões religiosas e científicas, que se estabelecerem temporária ou permanentemente nos seus territórios, assim como o desenvolvimento da agricultura.

Parágrafo único – Obrigam-se mais a não permitir o tráfico da escravatura nos limites dos seus domínios.

Artigo 8º – Toda e qualquer questão entre europeus e indígenas será resolvida sempre com a assistência do comandante do navio de guerra português que nessa ocasião estiver em possível comunicação com a terra, ou de quem estiver munido de poderes devidamente legalizados.

Artigo 9º – Portugal respeitará e fará respeitar os usos e costumes do país.

Artigo 10º – Os príncipes e governadores cedem a Portugal a propriedade inteira e completa de porções de terreno mediante o pagamento dos seus respectivos valores, a fim de neles o Governo português mandar edificar os seus estabelecimentos militares, administrativos ou particulares.

Artigo 11º – O presente tratado, assinado pelos príncipes e chefes do país, bem como pelo capitão tenente comandante da corveta Rainha de Portugal, começará a ter execução desde o dia da sua assinatura, não podendo contudo considerar-se definitivo senão depois de ter sido aprovado pelo Governo de Sua Majestade.

O Governo angolano recusa normalmente reconhecer a existência de soldados mortos resultantes de acções de guerrilha dos independentistas, ou qualquer situação de instabilidade naquela província do norte de Angola, sublinhando sempre a unidade do território.

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