JUAN CARLOS, FRANCO, FELIPE VI  E JOÃO LOURENÇO

Hoje, no âmbito da sua visita ao reino do MPLA, Angola, o Rei Felipe VI estará no Memorial António Agostinho Neto para prestar homenagem ao genocida que mandou assassinar milhares e milhares de angolanos nos massacres de 27 de Maio de 1977. O que diriam os espanhóis se João Lourenço fosse a Espanha prestar homenagem a Francisco Franco?

Carlos Rebelo, Jornalista angolano da velha guarda, recorda que conheceu o pai de Felipe, Juan Carlos, “nos mercados de café no Uíge perto do Negage”, e conta que, “com alguma graça o então governador do Uíge, Garcês de Lencastre, dizia que o (Francisco) Franco o tinha lá mandado para conhecer as futuras possessões Espanholas de África”.

O primeiro-ministro espanhol, Pedro Sánchez, visitou Angola em Abril de2021, na primeira etapa de uma curta deslocação a África que o levou também ao Senegal. Espanha está a fazer uma aposta muito forte desde de 2010, na sequência da crise financeira, em estender a sua área de influência tradicional (América Latina e norte de África) a outras zonas do globo.

O chefe do Governo espanhol pretendia retomar de forma gradual a sua agenda internacional, muito condicionada pela pandemia de Coviod-19, que tem África como uma das prioridades.

Numa reunião com os embaixadores de Espanha, que teve lugar no início de 2021, Pedro Sánchez já tinha indicado que assim que a situação epidemiológica causada pandemia permitisse, faria uma digressão por vários países africanos para reforçar a presença do país nesse continente e manifestar o desejo de Madrid de ter uma maior colaboração com os respectivos governos.

“Esta deve ser a década de Espanha em África”, sublinhou Sánchez nessa ocasião, na qual precisou que pretendia uma maior presença das empresas espanholas na região.

O presidente angolano, João Lourenço, ao tomar posse em 2017, aludiu à relação prioritária que pretendia estabelecer com vários países, incluindo a Espanha, e convidou na altura os investidores espanhóis a participarem no processo de diversificação económica e privatizações que pretendia implementar.

Na altura convidou mesmo para uma visita cuja data foi marcada para 25 e 26 de Março de 2018 o então primeiro-ministro espanhol, Mariano Rajoy, que teve de cancelar à última hora a deslocação devido à situação política na Catalunha.

O chefe do executivo espanhol da altura tinha previsto levar a Luanda uma importante delegação de empresários dos mais diversos sectores, com relevo particular para a energia, água, telecomunicações, transportes, indústria e turismo.

Recorde-se que numa altura de tensão diplomática com Portugal, João Lourenço decidiu que Angola não participaria na cimeira empresarial luso-angolana, que estava agendada para 27 de Março de 2018, em Lisboa, alegando que nessa mesma semana iria receber o presidente do Governo espanhol, Mariano Rajoy.

Como sempre, o presidente português, Marcelo Rebelo de Sousa, explicou que o adiamento se deveu a uma questão de agenda. Com Manuel Vicente a rir-se à grande e à…. Portuguesa, ficou a saber-se que a cimeira aconteceria quando o MPLA quisesse e se quisesse. Para desbloquear a atolada agenda do Executivo de João Lourenço era apenas necessário que Manuel Vicente fosse considerado um herói em… Portugal.

Estava, portanto, tudo na mão dos bajuladores portugueses. Embora o MPLA saiba desde sempre o nível dessa bajulação, queria mais, queria muito mais. Politicamente quase todos os partidos lusos já estavam na altura de cócoras. O Governo (este como os anteriores) também estava. O Presidente da República era (como continua a ser) o exemplo acabado disso e já não tinha espaço para estar mais agachado. Só faltavam os juízes. Mas a resistência acabaria em breve.

No dia 9 de Março de 2018, Marcelo Rebelo de Sousa defendeu que uma visita sua a Angola devia ser “a última etapa de um processo que está em curso”, na ocasião ao nível ministerial. Ou seja, quando esta edição, revista e melhorada, do PREC (Processo Revolucionário em Curso) tivesse o acordo do governo do MPLA, o que só seria possível (e foi mesmo assim) com a rendição (leia-se arquivamento de todos os processos contra as altas figuras do regime angolano) de Portugal.

“Há etapas que têm de ser preenchidas. Eu penso que é muito importante a etapa que estamos a viver, que é a do relacionamento entre responsáveis governativos a nível ministerial”, disse Marcelo Rebelo de Sousa.

Para corroborar esta sua tese, o Presidente português salientou que se ia realizar no dia 27 de Março de 2018, em Lisboa, uma conferência da iniciativa da Câmara de Comércio Portugal-Angola, com empresários portugueses e angolanos.

“Haverá membros dos governos dos dois países a falar de um dos domínios em que estamos e continuaremos sempre muito próximos”, referiu.

Segundo Marcelo Rebelo de Sousa, “depois, haverá um passo seguinte, normal, que tem a ver com o poder executivo, que é o que respeita ao primeiro-ministro”. “Portanto, eu penso que em termos lógicos a visita presidencial a Angola deve ser a última etapa de um processo que está em curso mas tem de seguir as várias etapas”, concluiu.

Como se sabe e como, aliás, já aqui foi escrito, Marcelo Rebelo de Sousa é o político português mais habilitado (a par do primeiro-ministro António Costa, sem esquecer o presidente da Assembleia da República, Augusto Santos Silva) para não só cimentar como também alargar as relações de bajulação e servilismo com o regime de Angola. Marcelo sabe que – do ponto de vista oficial – Angola (ainda) é do MPLA, e que o MPLA (ainda) é Angola. Portanto… Siga a fanfarra.

Angola é um dos países do mundo com a maior taxa de mortalidade infantil e materna e de gravidez na adolescência, segundo as Nações Unidas. Mas se isso pouco interessa a João Lourenço, porque é que haveria de interessar a Marcelo Rebelo de Sousa ou a Felipe VI?

Aliás, muitos dos angolanos (70% da população vive na miséria) que raramente sabem o que é uma refeição, podem alimentar-se com o facto de assistirem por diversas vezes, ao vivo e a cores, ao beija-mão de Marcelo Rebelo de Sousa ao novo “querido líder”, João Lourenço.

Marcelo Rebelo de Sousa sabe que o anterior presidente angolano esteve no poder durante 38 anos sem ter sido nominalmente eleito, tal como sabe que o actual lá quer ficar também muitos e muitos anos. Mas isso pouco ou nada importa… pelo menos por enquanto.

Portugal continua de cócoras perante o regime esclavagista de Luanda, tal como esteva em relação a Muammar Kadhafi que, citando então primeiro-ministro luso, José Sócrates, era “um líder carismático”. Talvez um dia Portugal chegue à conclusão que, afinal, Eduardo dos Santos também foi um ditador e que João Lourenço também o é.

Será que alguém vai perguntar a Marcelo Rebelo de Sousa (não faz sentido perguntar a Felipe VI) o que pensa dessa farsa a que se chama democracia e Estado de Direito em Angola? Não. Basta ver que, mesmo antes de ser declarado vencedor das “eleições” do dia 23 de Agosto de 2017, já João Lourenço era felicitado pelo Presidente da República de Portugal.

De facto, os portugueses só estão mal informados porque querem, ou porque têm interesses eventualmente legítimos mas pouco ortodoxos e muito menos humanitários. Marcelo Rebelo de Sousa não escapa à regra.

Custa a crer, mas é verdade que os políticos portugueses (agora nem com a excepção dos do Bloco de Esquerda) fazem um esforço tremendo (se calhar bem remunerado) para procurar legitimar o que se passa de mais errado com as autoridades angolanas, as tais que estão no poder desde 1975.

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