Um grupo de militares do Gabão anunciou hoje na televisão o cancelamento das eleições presidenciais que reelegeram, no sábado, Ali Bongo Ondimba e a dissolução de todas as instituições democráticas. África lá vai de golpe em golpe até ao golpe final.
O anúncio foi feito num comunicado de imprensa lido no Gabon 24, um canal de televisão detido pela Presidência do país, por cerca de uma dúzia de soldados gaboneses.
Depois de constatar “uma governação irresponsável e imprevisível que resulta numa deterioração contínua da coesão social que corre o risco de levar o país ao caos (…) decidiu-se defender a paz, pondo fim ao regime em vigor”, declarou um dos soldados.
O mesmo militar, alegando falar em nome de um “Comité de Transição e Restauração Institucional”, disse que todas as fronteiras do Gabão estavam “encerradas até nova ordem”.
De acordo com jornalistas da agência de notícias France-Presse, durante a transmissão televisiva ouviram-se tiros de amas automáticas em Libreville.
Horas antes, a meio da noite, o Centro Eleitoral do Gabão (CGE, na sigla em francês) tinha divulgado na televisão estatal, sem qualquer anúncio prévio, os resultados oficiais das eleições presidenciais.
A comissão eleitoral disse que o Presidente Ali Bongo Ondimba, no poder há 14 anos, tinha conquistado um terceiro mandato nas eleições de sábado com 64,27% dos votos expressos, derrotando o principal rival, Albert Ondo Ossa, que obteve 30,77% dos votos.
O anúncio foi feito numa altura em que o Gabão estava sob recolher obrigatório e com o acesso à Internet suspenso em todo o país, medidas impostas pelo Governo no sábado, dia das eleições. O Governo invocou o risco de violência, na sequência das declarações de Ondo Ossa, que exigia ser declarado vencedor.
O exército e a polícia tinham montado bloqueios de estradas em toda a capital, durante a madrugada, para impor o recolher obrigatório pela terceira noite consecutiva.
Logo no dia da votação, duas horas antes do fecho das assembleias de voto, os principais partidos da oposição gabonesa tinham denunciado uma fraude eleitoral e exigido que fosse reconhecida a vitória de Ondo Ossa.
Na segunda-feira, numa conferência de imprensa em Libreville, Mike Jocktane, director de campanha de Ondo Ossa, disse que Bongo tinha de aceitar, “sem derramamento de sangue, a transferência de poder”.
Recorde-se que a análise dos resultados finais das presidenciais no Gabão de 2016, feita na altura, que permitiram a reeleição de Ali Bongo por uma curta margem mostraram “uma anomalia óbvia”, como anunciou a missão de observação da União Europeia (UE).
“Uma análise sobre o número de não votantes e dos boletins brancos e nulos mostra uma anomalia óbvia nos resultados finais do Alto-Ogooué”, província bastião da etnia Téké, dos Bongo, que registou uma taxa de participação de 99,93% e que permitiu ao presidente ser reeleito, indicou na altura a chefe dos observadores da UE, Mariya Gabriel.
O Alto-Ogooué é uma das nove províncias do Gabão, na qual, segundo os números oficiais, 95% dos 99% que votaram escolheram Ali Bongo.
Segundo a comissão eleitoral, Ali Bongo, então com 57 anos, foi reeleito para um segundo mandato de sete anos, com 49,80% dos votos contra 48,23% para o líder da oposição Jean Ping. Uma diferença de 5.594 votos, num total de 627.805 recenseados.
O anúncio da reeleição de Ali Bongo foi seguido de tumultos e pilhagens em Libreville e noutras cidades do país. Na capital, o parlamento foi incendiado por manifestantes.
Os protestos contra uma alegada fraude eleitoral e a sua repressão causaram centenas de detidos e dezenas de mortos. Jean Ping, que se declarou “presidente eleito”, lançou um apelo a uma “greve geral” para bloquear a economia do país.
A União Europeia e os EUA tinham pedido a publicação dos resultados no Gabão “por assembleia de voto” para evitar suspeitas.
Entretanto, hoje, o Alto Representante da União Europeia (UE) para os Negócios Estrangeiros afirmou que a eventual confirmação do golpe de Estado no Gabão “aumentará a instabilidade em toda a região” central de África.
“A notícia é confusa. Recebi a notícia pela manhã. Se isto se confirmar, é mais um golpe militar que aumenta a instabilidade em toda a região”, declarou Josep Borrell, ao chegar à reunião de ministros da Defesa da UE, que se realiza em Toledo, Espanha.
Josep Borrell confirmou que a situação na África subsaariana “não está propriamente a melhorar”, visto as notícias que recebeu sobre o Gabão. Questionado sobre a reacção da União Europeia caso se confirme o golpe militar no Gabão, o chefe da diplomacia da UE respondeu com um “vamos ver”.
“É difícil antecipar o que os ministros vão dizer” sobre o Gabão durante a reunião que se realiza em Toledo, avaliou Josep Borrell.
O Gabão, oficialmente República Gabonesa, é limitado a norte pelo território de Rio Muni (Guiné Equatorial) e pelos Camarões, a leste e a sul pelo Congo e a oeste pelo Oceano Atlântico e pelo Golfo da Guiné, por onde é vizinho próximo de São Tomé e Príncipe e da ilha de Pagalu (Guiné Equatorial). Anteriormente uma colónia francesa, o Gabão tornouse independente em 1960. A capital e maior cidade é Libreville.
Desde sua independência da França em 17 de Agosto de 1960, o Gabão foi governado por apenas três presidentes. No início de 1990, o Gabão introduziu uma constituição nova e democrática que permitia um processo eleitoral transparente. O Gabão foi também membro não permanente do Conselho de Segurança das Nações Unidas no período 2010-2011. A pequena densidade populacional, juntamente com abundantes recursos naturais e investimentos privados estrangeiros têm ajudado a fazer do Gabão um dos países mais prósperos da região e com um dos maiores Índices de Desenvolvimento Humano da África Subsaariana.
Os primeiros europeus a chegarem ao actual Gabão no século XV, foram comerciantes portugueses, que deram ao território o nome de “gabão” (uma espécie de casaco, cujo formato lembrava o do estuário na foz do rio Komo). A costa gabonesa tornou-se um entreposto de escravos. No século seguinte chegaram comerciantes holandeses, britânicos e franceses.
A França assumiu o status de “protectora” do território após assinar tratados com os chefes tribais locais em 1839 e 1841. No ano seguinte, missionários norte-americanos estabeleceram uma missão em Baraka (a actual cidade de Libreville, capital do país). Em 1849, os franceses capturaram um navio de escravos e libertaram-nos na embocadura do rio Komo. Os escravos libertados baptizaram o local cm o nome de Libreville (“cidade livre”, em francês).
Os exploradores franceses exploraram as densas selvas gabonesas entre 1862 e 1887. A França ocupou formalmente o Gabão em 1885 mas só começou efectivamente a administrá-lo em 1903. Em 1910, o Gabão tornou-se um dos territórios da África Equatorial Francesa, uma federação que existiu até 1959. Os territórios tornaram-se independentes a 17 de Agosto de 1960, dando origem à República Centro-Africana, ao Chade, ao Congo-Brazzaville, e ao Gabão.
O primeiro presidente eleito do país foi Leon M’Bá, em 1961. Quando M’Bá morreu, em 1967, foi substituído por Omar Bongo, que governou até à sua morte, em 2009, ostentando o recorde de governante durante mais tempo no poder em um país africano.
Em troca do apoio de Paris, que poderia intervir para o derrubar, Bongo concordou em disponibilizar parte da riqueza do Gabão à França, nomeadamente os recursos estratégicos de petróleo e de urânio. Na política internacional, o Gabão alinhou-se com Paris. No final de 1968, Omar Bongo foi forçado pela França a reconhecer a pseudo-independência de Biafra (sudeste da Nigéria). Teve também de aceitar que o aeroporto de Libreville funcionasse como centro de entrega de armas a Colonel Ojukwu (o líder secessionista de Biafra). Foi também do Gabão que os mercenários de Bob Denard tentaram desestabilizar o regime marxista no Benin.
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