Um movimento iniciado por activistas está a apelar aos angolanos, através das redes sociais, para ficarem em casa no dia 31 de Março, como forma de protesto contra o desemprego e as más condições de vida.
O apelo foi lançado pelo activista Gangsta e tem estado a mobilizar várias personalidades que garantem, através das suas páginas nas redes sociais, que vão aderir ao protesto.
Entre estes estão músicos como Paulo Flores, a empresária, ex-deputada do MPLA e filha do ex-presidente angolano Tchizé dos Santos, activistas como Laurinda Gouveia e Dito Dali, que fizeram parte dos “15+2”, condenados por actos preparatório de rebelião, ou militantes da UNITA como Ginga Savimbi, filha do fundador do maior partido da oposição que o MPLA ainda permite, Jonas Savimbi, ou o deputado Adriano Sapinala, do mesmo partido.
“Junta-te ao movimento, dia 31 fica em casa”, diz o conhecido artista Paulo Flores, pedindo: “ninguém sai de casa, ninguém sai do kubico”.
“Ouvi o conselho do Paulo e aderi à greve do dia 31/03 pois a greve é um direito constitucional de todos os angolanos. Dia 31 vou ficar em casa e tudo o que faço relacionado com Angola vai parar”, garante a empresária Tchizé dos Santos, salientando que vai fechar o seu restaurante.
Laura Macedo, membro da sociedade civil angolana, sublinha na sua página do Facebook que a manifestação que está a ser convocada é uma das formas em que os angolanos não vão ser “agredidos pelos forças comandadas pelos Guardiões da Ditadura”. “A Polícia e seus Cães não vão poder nos abocanhar”, escreveu.
“Bom dia Angola, dia 31 a senha é ficar em casa”, escreveu o deputado Adriano Sapiñala na sua página do Facebook.
O activista Gangsta, que se encontra em parte incerta, tem estado a lançar apelos a várias classes sociais, incluindo artistas, médicos, professores e taxistas, para se mobilizarem e juntarem ao protesto silencioso do “Fica em casa”.
Espalhados através de grupos do Whatsapp, e nas redes sociais há também apelos de sinal contrário como o “Dia 31 vou bumbar (trabalhar)” ou “Diga sim ao trabalho”.
FICAR EM CASA? MAIS DO MESMO
Em Outubro de 2019, o porta-voz do Ministério do Interior de Angola, Valdemar José, afirmou que os serviços de inteligência angolanas estavam atentos às manifestações então previstas e avisou para as consequências das mesmas, se a lei for violada.
Ainda bem que Valdemar José avisou. Assim se comprovava, mais uma vez, que segundo o MPLA a única forma de não violar a lei é não fazer manifestações. Mas, mesmo não as fazendo, podem estar a violar a lei porque, segundo a tese do partido que nos governa há 47 anos, não fazer manifestações pode ser entendido como uma forma de… manifestação.
O subcomissário da Polícia Nacional (do MPLA), que na altura falava no canal público do MPLA, a TPA, denunciou interesses “inconfessos” de criar instabilidade ao país e sublinhou que os angolanos têm o direito de se manifestar, mas devem cumprir a lei, depois dos apelos veiculados – como agora – pelas redes sociais, mobilizando a população angolana para ficar em casa.
No entanto, os apelos ao protesto pacífico contra o governo de João Lourenço não tiveram efeitos visíveis em Luanda, segundo os relatos de alguns meios de comunicação social, a Lusa incluída. Esqueceram-se que só o simples facto de o Presidente do MPLA (por sinal também Presidente da República e Titular do Poder Executivo) ter sido impelido a falar da manifestação comprovava que a mobilização, mesmo que só simbólica e académia, foi um êxito.
Na altura, registou-se um discurso duro do Presidente da República, na abertura do congresso da JMPLA (órgão juvenil do MPLA), com João Lourenço, a acusar supostos militantes do seu partido (que, como convém, não identificou), o MPLA, de usarem dinheiros públicos desviados para pagar uma campanha contra Angola. Desviados, provavelmente, também quando João Lourenço era vice-presidente do MPLA e até ministro de José Eduardo dos Santos.
Depois, num programa informativo especial na televisão estatal (ou seja, do MPLA), a TPA, sobre o tema “Liberdade de manifestação vs. Estabilidade Social” onde os quatro participantes (um representante do Ministério do Interior, um pastor, em empreendedor e um sociólogo) apresentaram – sem contraditório como é regra em qualquer ditadura que se preze – as suas razões para que os angolanos não se juntassem ao movimento.
No programa, Valdemar José, avisou para as consequências das manifestações, recordando com brilhantismo que os protestos pretendem chegar aos órgãos de soberania, o que é proibido pela lei angolana e considerou que alguns destes protestos são “para provocar”. Estranho. Se não for para provocar, alguém protesta? Os sipaios do MPLA lá sabem.
Os cidadãos podem manifestar-se “se respeitarem os pressupostos prévios”, incluindo comunicarem às autoridades, não se aproximarem a menos de 100 metros dos órgãos de soberania e cumprirem os dias e horas definidos, acrescentou, indicando que a Policia (que é do MPLA e não do país) “não pode permitir que os manifestantes destruam bens públicos ou ponham em causa a segurança dos cidadãos”.
O responsável da Polícia disse que alguns instigadores do movimento “já estiveram no aparelho de Estado” e têm interesses “inconfessos” de criar “instabilidade ao país”. Será que foram formados por Jonas Savimbi? Provavelmente sim.
Sobre a manifestação silenciosa, Valdemar José afirmou que seria “um barómetro” para ver quem iria aderir às próximas manifestações. Não esteve mal. Portanto, que ninguém fique em silêncio, de modo a que a Polícia saiba que quem fala não faz manifestação…
Em preparação está, aliás, legislação por parte do MPLA para que as manifestações só se possam realizar uma vez por mês, mas com várias excepções e com dias estabelecidos. Ou seja: Fevereiro dia 30; Abril dia 31; Junho dia 31; Setembro dia 31 e Novembro dia 31.
“Estas manifestações realizam-se numa segunda e numa terça-feira, querem fazer durante o dia, só para provocar”, insistiu o sipaio Valdemar José, dando assim cumprimento democrático às ordens superiores.
Valdemar José apelou à população para não aderir a este protesto cujo propósito “não é só manifestarem-se, mas sim desestabilizar o país”, avisando ainda que “quase todas as manifestações acabam em violência”.
Será que esta rapaziada do MPLA não consegue ser mais original e não se limitar a debitar as palavras, as frases, as ideias do chefe do posto, tal e qual ele as usa?
O porta-voz do Ministério do Interior admitiu que “há problemas sociais, mas salientou que o executivo angolano “está a trabalhar para ultrapassá-los” e questionou “que benefícios” trazem movimentos como o apelo a ficar em casa para o país? Não. Não adiante explicar. Todos os “Valdemar José” do MPLA teriam de se descalçar para conseguir contar até 12 e isso seria inconveniente.