ESTADO SOBERANO É OUTRA COISA

A ministra das Finanças angolana, Vera Daves de Sousa, rejeitou hoje qualquer pressão externa para reduzir a subvenção aos combustíveis, medida que o Fundo Monetário Internacional (FMI) vinha apelando há vários anos, garantindo que foi “uma decisão do Estado angolano soberano”. Claro que foi! O FMI manda mas, do ponto de vista formal, não se substitui ao Governo. Portanto…

Vera Daves de Sousa, no anúncio da redução gradual do subsídio à gasolina a partir de sexta-feira (amanhã) disse que “o programa com o Fundo Monetário Internacional já terminou, Angola é um país soberano, percebe quais são as necessidades de reforma que tem que implementar, percebe que a subvenção nos termos em que está é um subsídio cego, que beneficia indiscriminadamente ricos e pobres, todos têm acesso ao mesmo benefício da mesma forma”.

A ministra frisou que o Governo entendeu que precisava de “transformar um subsídio cego, num subsídio direccionado”. Ao FMI nada custa fingir que foi o MPLA a decidir.

“Por isso é que queremos, com essa poupança fiscal que resultar dessa remoção, destinar mais valor ao Kwenda [programa de transferências monetárias para famílias vulneráveis] para poder aumentar o valor mensal, para manter as famílias mais tempo no programa, por isso é que queremos apostar ou proteger as pessoas que utilizam táxis, mototáxis e gira bairros [táxis no interior dos bairros], que são as pessoas que efectivamente precisam de protecção, não quem tem carros de grande cilindrada”, salientou Vera Daves de Sousa, quase fazendo com os 20 milhões de pobres ficassem com uma lágrima no canto do olho.

A titular da pasta das Finanças avançou que o Governo desembolsou com as subvenções 551 mil milhões de kwanzas (896,1 milhões de euros), em 2020, 1,2 biliões de kwanzas (1,9 mil milhões de euros), em 2021, 1,98 biliões de kwanzas (3,2 mil milhões de euros), em 2022, e estimava para este ano, sem a remoção da subvenção à gasolina, 2,03 biliões de kwanzas (3,3 mil milhões de euros).

“Uma vez que não estamos a mexer no produto que tem mais peso que é o gasóleo, estamos apenas a mexer na gasolina, cujo peso ronda perto dos 40% do peso total das subvenções e uma vez que também não estamos a fazer remoção total, estamos a fazer uma remoção parcial – ainda existirão custos com a subvenção à gasolina – estaríamos a falar de uma poupança que estaria perto de 400 mil milhões de kwanzas (650,5 milhões de euros)”, frisou.

A ministra referiu que a Sonangol, petrolífera do MPLA, há alguns anos que não paga impostos ao Estado, havendo acertos contabilísticos, para cobrir a dívida do Governo.

“De modo que, nós dizemos, ok, nós vos devemos esse valor pelos subsídios e vocês nos devem este valor pelos impostos. Então vamos compensar, fica ela por ela e não há fluxos de tesouraria. Contabilisticamente fica acertado, do ponto de vista de tesouraria não fica, a Sonangol continua numa situação de tesouraria periclitante”, realçou. Contas à moda do MPLA são mesmo assim. E tudo ficará na santa paz de deus (João Lourenço).

“Diminuindo-se este ‘gap’ e podendo assim reduzir o compromisso do Estado com a Sonangol, pelo montante dos subsídios que teria que pagar, é expectável que a Sonangol e todas as outras distribuidoras que existam no mercado comecem a ter receita normal, comecem a pagar os seus impostos de forma normal”, acrescentou. Ou seja, nesta matéria (como reconhece Vera Daves de Sousa) e em tantas outras, as receitas das distribuidoras são anormais. Estranho seria se, no reino, a anormalidade não fosse normal.

Vera Daves de Sousa descartou uma possível especulação de preços ou subida de preços dos alimentos, atendendo ao facto de não ter havido alteração ao preço do gasóleo, “que toca não só pela via dos fretes, mas também pela via dos custos de energia”.

“Ainda temos bastantes províncias e municípios a usar energia de centrais termoeléctricas que funcionam a diesel, de modos que o custo de energia podia aumentar, e se os custos de energia aumentassem as indústrias, as fazendas, iriam fazer reflectir os preços nos seus produtos e serviços e em alguns casos nos bens alimentares”, sublinhou.

A governante destacou que as medidas de mitigação para esse segmento e para evitar uma possível especulação de preços ainda não estão totalmente pensadas, por isso a decisão de “não mexer, justamente para proteger os bens alimentares e a cesta básica”.

“Ainda assim haverá quem se aproveite? Sim, há sempre, infelizmente, mas para isso queremos manter diálogo permanente com as associações, com os grandes distribuidores e contamos com o apoio do Ministério da Indústria e Comércio, da Autoridade Nacional de Inspecção Económica e Segurança Alimentar (ANIESA) e todas as instituições públicas e com a sociedade civil no geral”, apontou.

O Governo angolano anunciou o aumento do preço da gasolina, face à medida de redução gradual dos subsídios aos combustíveis, passando de 160 kwanzas o litro para 300 kwanzas (de 0,25 euros para 0,48 euros) o litro a partir de sexta-feira.

Folha 8 com Lusa

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