EMPRESAS PÚBLICAS E O REINO DO VALE TUDO

O Instituto de Gestão de Activos e Participações do Estado (IGAPE) angolano anunciou agora que a maioria das empresas públicas serão transformadas em sociedades comerciais, “sobretudo em sociedades anónimas”, para melhorar a análise e aprovação das contas. Em 2018, o Governo disse que iria cortar para metade os subsídios anuais às empresas do Sector Empresarial Público (SEP) e concluir a privatização de pelo menos 20 unidades não estratégicas, nos próximos quatro anos…

Segundo o presidente do IGAPE, Patrício Vilar, a medida consta do roteiro da reforma do Sector Empresarial Público (SEP), visando colmatar os incumprimentos que se registam no processo de prestação de contas, sobretudo em relação à falta do parecer do conselho fiscal e do auditor externo.

“Insistimos que, na maioria dos casos, as empresas públicas devem se transformar em sociedades comerciais porque as sociedades comerciais têm órgãos próprios para a análise e aprovação das contas, e esses órgãos próprios, como a assembleia geral, têm pessoas dedicadas”, disse Patrício Vilar.

O responsável, que intervinha no primeiro painel do “Encontro Metodológico sobre a Prestação de Contas no Sector Empresarial Público 2023”, salientou que as empresas visadas serão, particularmente, as que estão em “ambiente concorrencial”.

“Daí que temos de trabalhar nesse sentido, porque é isso que o roteiro para a reforma do SEP nos diz, vamos transformar a maioria das empresas, aquelas que estão em ambiente concorrencial, em sociedades comerciais, maioritariamente em sociedades anónimas”, apontou.

A prestação de contas do SEP foi o tema abordado no primeiro painel do encontro, onde o IGAPE abordou o reduzido número de prestação de contas das empresas, sobretudo no decurso de 2022. Tal como o Governo, prestar contas não é – há 47 anos – uma prioridade na espécie de Estado de Direito que caracteriza Angola.

Algumas empresas, inclusive, observou Patrício Vilar, apresentam contas sem o parecer do respectivo conselho fiscal e sem a opinião do auditor.

“Ficou claro que há um número significativo de empresas em que os conselhos fiscais não emitiram o seu parecer e também há um conjunto de empresas onde o auditor não tem tempo para emitir opinião ou emite-a com reservas e algumas delas não são da responsabilidade dos accionistas”, frisou.

O presidente do IGAPE incentivou também a cooperação entre todos os intervenientes no processo de recolha de informação para a submissão ao IGAPE, um processo que “deve acontecer durante, e não depois, da apresentação do relatório”.

O IGAPE “pode e deve considerar que não foi entregue (o relatório), que as contas não foram entregues se os pareceres não tiverem sido emitidos, pode e deve e nós vamos passar a fazer”, exortou.

Os relatórios de contas das empresas angolanas do SEP sem o parecer do conselho fiscal e opinião do auditor externo serão “nulos”, assegurou Patrício Vilar.

“Aqueles que não conseguirem essa cooperação e não conseguirem que, quer o conselho fiscal, quer o auditor externo, emitam opinião, nós vamos considerar que não foram entregues. É de lei, se as contas não forem certificadas não podemos considerar”, prometeu.

Apontou ainda, na sua intervenção, a implementação dos contratos programas e dos contratos de gestão, como um grande desafio a ser materializado já a partir deste ano, particularmente para empresas que foram capitalizadas.

“Aquelas empresas que foram capitalizadas e cujos mandatos foram renovados, este ano, estarão na linha da frente, queremos fazer coincidir os contratos-programas com os mandatos, é importante”, realçou.

“É preciso reforçar alguns mecanismos e algumas regras (…)inscrevemos isso como um roteiro para a reforma do SEP, mas acreditamos que com que o temos também é possível melhorar, desde que cooperemos todos”, rematou o presidente da instituição pública angolana.

Recorde-se que, já em 2018, o Governo anuncia que pretendia cortar para metade os subsídios anuais às empresas do Sector Empresarial Público (SEP) e concluir a privatização de pelo menos 20 unidades não estratégicas, até 2022.

A pretensão consta do Plano de Desenvolvimento Nacional (PDN) 2018-2022, aprovado pelo Governo e publicado oficialmente no final de Junho de 2018, contendo um conjunto de programas com a estratégia governamental para o desenvolvimento nacional na legislatura de então.

O documento define o objectivo de “reestruturar e redimensionar o SEP, concentrando a intervenção do Estado nos sectores estratégicos e reduzindo os encargos para os contribuintes”.

No Orçamento Geral do Estado de 2018, o Governo inscreveu uma dotação de 212.633 milhões de kwanzas (720 milhões de euros) para a rubrica de subsídios a empresas públicas não financeiras e mais 12.319 milhões de kwanzas (42 milhões de euros) para subsídios a instituições financeiras.

“Até 2022, os subsídios operacionais atribuídos às empresas do SEP diminuem pelo menos 50% em relação a 2017”, lê-se no documento orientador da estratégia governamental para a legislatura que terminou em 2022.

Além disso, também entre 2018 e 2022, “pelo menos 20 empresas do SEP”, incluindo participações financeiras, “sem interesse estratégico” seriam privatizadas e até 2019 os processos em curso de liquidação de empresas seriam concluídos, conforme estabelecido no PDN.

Era também definida a meta orçamental de colocar 70% das empresas do SEP a apresentarem um EBITDA (Lucros Antes de Juros, Impostos, Depreciações e Amortizações) anual positivo, contra as actuais 57%.

Ora então, vejamos!

Ao Instituto de Gestão de Activos e Participações do Estado (IGAPE), instituído em Maio de 2018 por decreto presidencial, cabe assumir o processo de privatização das empresas estatais. O IGAPE substituiu, em termos de denominação, o anterior Instituto para o Sector Empresarial Público (ISEP).

O novo instituto foi criado como um “órgão especializado ao qual incumbe a regulação e monitorização do Sector Empresarial Público”, bem como a “execução da política e programa de privatizações e reestruturações, a gestão e o controlo das participações financeiras do Estado”. Iria ainda assegurar o “acompanhamento e supervisão da gestão dos activos financeiros e dos fundos públicos” e dos empréstimos concedidos pelo Estado.

Em concreto, cabe (ou caberia) ao IGAPE, entre outras missões, elaborar a política e o programa de privatizações e reestruturações nas empresas públicas, bem como executar os procedimentos inerentes, desde logo através da emissão de pareceres.

Entretanto, o Presidente João Lourenço criou, por despacho de 20 de Fevereiro de 2018, uma comissão de preparação e execução do processo de privatização em bolsa das empresas públicas de referência, coordenada pelo ministro de Estado e do Desenvolvimento Económico e Social, Manuel Nunes Júnior.

Esta comissão, que integra ainda os ministros das Finanças e da Economia e Planeamento, deverá assegurar, segundo o documento, a realização dos objectivos definidos pelo Titular do Poder Executivo (João Lourenço), nomeadamente “garantir a integridade dos sectores estratégicos do Estado” e assegurar o “redimensionamento do sector empresarial público, o aumento da eficiência, da produtividade e competitividade da economia das empresas”.

Além disso, deve também “assegurar a maximização da arrecadação de receitas resultados do processo de privatização” e “possibilitar uma ampla participação dos cidadãos, através de uma adequada dispersão do capital, dando particular atenção aos trabalhadores das próprias empresas e aos pequenos subscritores”, lê-se no mesmo despacho presidencial.

O presidente da Comissão de Mercados de Capitais (CMC) de Angola, Mário Gavião, garantiu em Novembro de 2017 que estão criadas as condições, por parte da instituição, para que as primeiras empresas angolanas chegassem à bolsa de acções em 2018.

“O que falta na verdade é que as empresas adiram ao mercado. Tem havido interesse, há um conjunto de empresas que têm mostrado interesse em participar, nesta primeira fase. Depende dos accionistas das empresas, mas as indicações que nós temos é que muito provavelmente haverá em 2018 a abertura do mercado de acções”, adiantou.

Folha 8 com Lusa

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