E LUANDA AQUI TÃO PERTO…

Ontem, o Porto parecia Lisboa ou… Luanda. A chuva inundou habitações e vias públicas, principalmente na baixa da cidade. A estação de metro de São Bento ficou totalmente alagada e esteve encerrada. A culpa não é, obviamente, do mui (nada) nobre e sempre (des)leal presidente da Câmara, Rui Moreira.

Por Veríssimo Kambiote

Quando esteve em Luanda, Fevereiro de 2016, Rui Moreira explicou que os então recentes entendimentos com a Fundação Sindika Dokolo (entretanto falecido) eram um exemplo da retoma da geminação entre os dois municípios, estabelecida há duas décadas.

Rui Moreira falava à agência Lusa ao concluir uma visita de dois dias a Luanda, a convite (é claro) daquela Fundação, que em Janeiro de 2016 adquiriu a casa do cineasta Manoel de Oliveira, no Porto, por 1,58 milhões de euros, para a transformar – foi então anunciado – na nova sede da instituição para a Europa e num “espaço de reflexão e aprendizagem para jovens artistas”.

“Temos uma fundação angolana que resolve apostar pela primeira vez fora de Luanda, que o faz no Porto, que adquire – não foi oferecido – um edifício que para nós tem grande significado (…) para instalar lá uma fundação. Que melhor forma de retomarmos estes vínculos que temos”, admitiu Rui Moreira.

Em Julho de 2015, de visita a Luanda, o autarca tinha já admitido a necessidade de apostar na vertente cultural para promover as relações entre as duas cidades, cuja geminação “foi estabelecida há 20 anos”, mas que ficou estagnada.

“Esta relação com a Fundação Sindika Dokolo é o melhor exemplo de uma cooperação profícua”, assumiu o presidente da Câmara do Porto, pouco se importando com a realidade que a circunscreve.

Durante a visita a Luanda, o autarca reuniu-se com o patrono da fundação, Sindika Dokolo, casado com Isabel dos Santos, filha do então Presidente José Eduardo dos Santos, e também com o na altura novo governador da província de Luanda, Higino Carneiro.

O facto, entre muitos outros, de Angola (para além de ter o merecido estatuto de Estado corrupto) ser um dos cinco países do mundo que não mudava de Presidente há mais de 30 anos não preocupava, antes pelo contrário, o presidente da Câmara do Porto.

A Casa Manoel de Oliveira foi lançada em 1998, sem que tivesse sido formalizado um acordo com o realizador para o uso da casa, o que acabaria por condicionar o futuro do imóvel que ficou concluído em 2003, mas que nunca teve o uso para que foi pensado.

Segundo o autarca Rui Moreira, na altura decorriam reuniões entre a câmara, o arquitecto Souto Moura, autor do projecto, e a fundação para definir um plano de reabilitação do imóvel. O edifício deveria receber, entre outras valências, uma exposição dedicada à arte Tchokwe – povo originário do interior norte de Angola e sul da República Democrática do Congo -, cuja recuperação estava a ser levada a cabo pela Fundação Sindika Dokolo.

“O arquitecto Souto Moura está entusiasmado com esta reabilitação, isto vai passar por uma residência em que a arte Tchokwe vai ser o primeiro projecto. Portanto é coisa para começar muito brevemente”, admitiu Rui Moreira.

Várias peças de arte Tchokwe foram levadas de Angola durante a guerra civil entre 1975 e 2002, estando aquela fundação a liderar o processo para as fazer regressar ao país, negociando com coleccionadores privados.

O presidente da Câmara do Porto entregou, nessa visita, algum registos fotográficos que constavam do arquivo da autarquia sobre a arte Tchokwe, transmitindo a disponibilidade do município para ajudar ao levantamento e à realização de exposições conjuntas sobre o tema.

O intercâmbio de residências artísticas e exposições culturais, entre Luanda e Porto, era um dos aspectos a ter em conta na revisão do protocolo de geminação, para impulsionar o relacionamento bilateral, reconheceu o autarca portuense.

A colecção de arte da Fundação Sindika Dokolo, criada em 2003, em Luanda, era composta por mais de 3.000 obras, entre pinturas, gravuras, fotografias, vídeos e instalações, da autoria de 90 artistas de 25 países.

Uma lavandaria de elite na Invicta

Recorde-se que o Executivo da Câmara Municipal do Porto, presidido por Rui Moreira, distinguiu Sindika Dokolo com a medalha de mérito (Grau Ouro) por, consta, patrocinar uma exposição assente na sua própria colecção de arte africana contemporânea.

Na altura só ficou a faltar dar o nome de José Eduardo dos Santos ao Estádio do Futebol Clube do Porto, clube do qual era “Dragão de Ouro”. Aliás, na altura havia muita boa gente a sugerir também que a Ponte da Arrábida passe a chamar-se Ponte Isabel dos Santos.

Que maior acto de benefício para a cidade do Porto em particular, e em geral para todo o país, do que ser genro de um presidente que esteve no poder durante 38 anos sem nunca ter sido nominalmente eleito? Ou marido de uma multimilionária que começou a ganhar umas massas vendendo ovos nas ruas de Luanda?

Sindika Dokolo nasceu no antigo Zaire, actual República Democrática do Congo, e foi educado pelos pais na Bélgica e em França, tendo começado aos 15 anos a constituir uma colecção de obras de arte, por iniciativa do pai, refere o texto laudatório, bajulador e servil da autarquia portuense.

“Em Luanda, constituiu a Fundação Sindika Dokolo, a fim de promover as artes e festivais de cultura em Angola e noutros países, com o objectivo de criar um centro de arte contemporânea que reúna não apenas peças de arte contemporânea africana, mas que, além disso, providencie as condições e actividades necessárias para integrar os artistas africanos nos círculos internacionais do mundo da arte”, acrescentava o panegírico submisso e de clara bajulação da Câmara Municipal do Porto.

A justificação apresentada por Rui Moreira, um cada vez mais visível apologista da autocracia do seu amigo Eduardo dos Santos (que, entretanto, passou de bestial a besta, sendo o trono ocupado por João Lourenço), para tão importante distinção a alguém que não tem qualquer ligação à cidade é de patrocinar a apresentação da exposição “You Love me, You love me not”.

Rui Moreira disse ainda que “com este gesto de grande generosidade, Sindika Dokolo, permitiu à cidade do Porto desenvolver um dos projectos mais relevantes no âmbito da arte contemporânea da actualidade, ajudando a estabelecer uma ponte singular entre a cidade e o mundo”.

Apesar de tudo isto, o MPLA esqueceu-se de retribuir com a atribuição a Rui Moreira da medalha da democracia e do Estado de Direito (que Angola não é).

Paulo de Morais, que foi candidato presidencial em Portugal, colocou no seu Facebook um texto em que, a propósito do posicionamento do presidente da Câmara do Porto em relação ao regime angolano, e comentando um artigo do Folha 8, disse: “Entristece-me a subserviência de Rui Moreira para com a família de Eduardo dos Santos. Esta atitude do Presidente da Câmara envergonha a cidade do Porto”.

Nas centenas de comentários feitos as opiniões dividiram-se, embora seja relevante verificar que são muitos os portugueses que, fazendo a defesa de Rui Moreira, mostram que sobre a realidade angolana têm apenas uma vaga, muito vaga mesmo, ideia.

Alguns até nem sabiam que Sindika Dokolo, medalhado por Rui Moreia, era marido de Isabel dos Santos. Outros ainda diziam, olhando bem para o seu umbigo, que o presidente da Câmara Municipal do Porto nada tem a ver com o que se passa em Angola.

Maria Teresa Vasconcelos escreveu que “andaram a vasculhar para ver se encontravam algo para denegrir a imagem do Rui Moreira. Devem ter tido uma trabalheira dos diabos. Agora estão todos satisfeitos, mas olhem que impacto dessa atitude não vos adiantou nadinha.”

Maria do Carmo Rodrigues disse: “Acho este artigo ofensivo, injusto, triste, de muito baixo nível. Dar a medalha da Cidade a Sindika Dokolo não é de forma nenhuma pactuar com o regime Angolano. Estabelecer relações culturais com o Sr. Dokolo não é bajular ninguém. O Dr. Rui Moreira tem defendido os interesses do Porto e da sua população como nenhum Autarca até hoje o fez. Com firmeza, transparência, carácter, empenho. Não são declarações deste teor que macularão o seu percurso.”

Cristina Cunha Guimarães: “E o que é que o Presidente Rui Moreira, tem a ver com a vergonha da gestão de Angola? A medalha de ouro foi para uma pessoa específica, Sindika Dokolo, que contribui de alguma forma para a cultura da cidade do Porto, comprando a casa de Manoel de Oliveira e para a sua reabilitação, onde a arte Tchokwe vai ser um dos projectos! Sinceramente acho esta crítica caluniosa, mesquinha e de muito mau gosto! Pois se formos ver tudo por este prisma, TODOS nós teremos culpas em tudo, na fome do mundo, nas injustiças sociais, no terrorismo, etc. enfim… de uma forma ou de outra pactuamos todos com tudo o que se passa à nossa volta e no mundo e a maioria das vezes sem até nos darmos conta! será que o Dr. Paulo de Morais estará interessado em se candidatar a Presidente da Câmara do Porto? É o que parece!.. acho que é demais, sinceramente, perante a postura impecável do Presidente Rui Moreira! não se pode julgar assim uma pessoa, só porque a Câmara do Porto negociou algo para a cultura da cidade com alguém que é efectivamente um rosto que não agrada a ninguém pela sua ligação à filha do Presidente de Angola! mas o que tem a ver uma coisa com a outra? Por favor não confunda nem as coisas nem as pessoas, isso é muito, mas muito grave!. Falar ou criticar é uma coisa, caluniar é outra e o que está acima escrito é uma grande calúnia! Chega, já é demais!!!”

Mas, é claro, também há quem não precise de se descalçar para contar até 12:

Carlo Magno: “Ao JORNAL FOLHA 8, quero pedir as minhas sinceras desculpas pelo comportamento dos meus compatriotas! Só agora percebi que vocês são um jornal angolano que luta contra a corrupção no vosso país! Estou deveras envergonhado pela atitude de “alguns” ignorantes deste país! Que só olhando para os seus interesses pessoais, não conseguem enxergar o alcance das suas atitudes! Estou completamente solidário com a Vossa Luta e a Luta do Vosso povo! Espero que consigam alcançar a Vitória! Por aqui também vamos tentando…. Mas está difícil, com tantos bajuladores de corruptos, e ainda mais com os bajuladores de “bajuladores de corruptos”….! Um bem-haja aqui de Portugal!”.

Foto: Teresa Miranda / Público

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