E A MEDALHA PARA MARCELINO DA MATA?

João Lourenço resolveu condecorar cerca de 500 personalidades que – diz – se destacaram no processo de conquista da Independência Nacional, da paz, democracia e reconciliação nacional. Esqueceu-se do tenente-coronel Comando português, Marcelino da Mata, o militar mais condecorado de toda a história das Forças Armadas Portuguesas.

O MPLA escolheu um dos seus mais emblemáticos sipaios, na circunstância o ex-ministro da Comunicação Social, João Melo, para atacar, depois de ter morrido, o tenente-coronel comando português, Marcelino da Mata, o militar mais condecorado de toda a história das Forças Armadas Portuguesas. Esqueceram-se de dizer que Marcelino da Mata esteve, em 1993, a dar instrução militar, em Angola, aos comandos da FAA/FAPLA…

Vejamos algumas das afirmações de João Melo:

«- Não pude deixar de ficar estupefacto com a “normalização”, voluntária ou involuntária, que tanto o governo como o Presidente da República português fizeram, objectivamente, de um “herói” colonialista, fascista e salazarista: o tenente-coronel Marcelino da Mata, recentemente falecido.

«– Marcelino da Mata foi um criminoso de guerra: “Um criminoso de guerra não pode ser apresentado como um herói. Os heróis portugueses [quaisquer heróis, acrescento] não podem ser criminosos de guerra.”

«– A figura de Marcelino da Mata é, na realidade, de uma obviedade chocante e – insista-se – criminosa. Nenhuma ambiguidade. Nenhuma historicidade que precise de ser levada em conta pela análise actual.»

Tenente-coronel Comando, Marcelino da Mata nasceu em 1940. Foi o militar mais condecorado de toda a história das Forças Armadas Portuguesas. Fez várias comissões na Guiné como operacional nos grupos de comandos negros. Foi instrutor das tropas que invadiram a Guiné-Conacri.

Inimigo total da PAIGC, a quem acusou de ter feito mal à sua família por razões políticas, entrou para o Exército português na Guiné-Biaau no dia 3 de Janeiro de 1960. Fez a recruta de cinco meses e a especialidade em quatro. A primeira operação que efectuou foi com um batalhão de açorianos, o Batalhão 356.

Avesso a quem, como dizia, sabia tudo mas não fazia nada, Marcelino da Mata entrou em colisão com alguns dos superiores e para arejar inscreveu-se no curso de Comandos. E foi como Comando que fez uma operação em Morés. “Fomos lá dar porrada aos gajos”, afirmava com um humor que lhe era típico.

Devido a um caso de saias, “sai” dos Comandos e vai para Farim, no Norte, e com a ajuda do 2° comandante, o tenente-coronel Agostinho Freire, do Batalhão 1887, forma um grupo especial à sua medida. O inimigo começou a perder batalhas atrás de batalhas.

Marcelino da Mata afirmava que participou em todas as principais batalhas na Guiné. A mais difícil, dizia o mais condecorado dos militares portugueses, passou-se em Portugal.

“Fomos traídos, abandonados. Eu estava aqui no Regimento de Comandos da Amadora, em 1974, a comandar uma companhia, a 123, e obrigaram-me a pedir a nacionalidade portuguesa. Será que eu era mercenário aqui dentro? Um militar fardado, dentro de uma unidade a comandar uma companhia, a fazer todos os serviços que fossem precisos, e obrigarem-no a requerer a nacionalidade! Mas eu nunca renunciei à nacionalidade portuguesa”, contava com a dor que nunca sentiu em combate.

“Houve um animal, na Administração Interna, que me disse: O senhor foi colonizado. Eu disse: Eu nunca fui colonizado! Os meus antepassados foram colonizados, mas eu não. Eu nasci numa nação chamada Portugal!”, recordava Marcelino da Mata.

Recordando que foi para Portugal deitado numa maca e que a sua família sofreu fortes humilhações nas mãos do PAIGC, Marcelino da Mata afirmava que “tudo o que o Mário Tomé e o Melo Antunes dizem é mentira”, e garante que a Guiné tinha as companhias africanas, de comandos africanos, destacamentos de fuzileiros e milícias especiais capazes de assegurar o referendo.

Com uma coragem que nem a idade alterou, dizia que a única preocupação que o Estado português teve na Guiné foi desarmar o exército africano e entregá-lo ao PAIGC. E acrescenta que se o general Spínola continuasse mais dois anos na Guiné, o PAIGC entregava-se.

No dia 25 de Abril, Marcelino da Mata estava no mato na fronteira com a Guiné-Conacri. Tinha ido patrulhar a única base que o PAIGC ainda lá tinha. No regresso o 2.º comandante do batalhão perguntou-lhe de onde é que vinha. Ele respondeu que vinha do mato. “Então você anda no mato? Não sabe que a guerra já acabou?”, disse o comandante. “Eu mandei-o à fava”, recordava.

Mas ao meio-dia, quando estava na messe a comer, ouviu na rádio que Spínola tinha feito um golpe em Portugal e que a guerra estava suspensa. Quando chegou a Bissau, tinha sido destacado para Bula. Na altura que desce do carro, um dos seus soldados (Mário Dantas) deixou cair duas granadas. A explosão deixou no corpo de Marcelino da Mata 117 estilhaços. Foi evacuado para Portugal, então era alferes do Quadro Permanente.

Marcelino da Mata dizia que o PAIGC só entrou na cidade de Bissau depois dos comandos e fuzileiros serem desarmadas. Dizia, aliás, que quem desarmou os comandos foi Carlos Fabião e acrescentava que a 15.ª Companhia, em Mansoa, não aceitou o desarmamento. Resultado? “A maioria deles foram fuzilados.” Fuzilados.

O Presidente da República de Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa, o Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas e o chefe do Estado-Maior do Exército estiveram presentes no funeral do tenente-coronel Marcelino da Mata.

Sobre Angola, nada como ler o que o próprio Marcelino da Mata disse:

«Em 1993 fui para Angola dar instrução à tropa do MPLA. Durante seis meses formei duas companhias, uma em cada três meses: dei-lhes instrução e depois levei-os para o mato, para fazerem a IAO (Instrução de Aperfeiçoamento Operacional) em combate. Eu, é claro, ia sempre à frente, em nº 1.

O Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas de Angola foi lá visitar-me três vezes; e o chefe do Estado-Maior do Exército, duas.

Uma vez infiltrámo-nos dentro de uma vila, onde havia 1.500 tipos da UNITA, sem eles darem por nada e abrimos fogo ao amanhecer: apanhámos um general da UNITA. As minhas companhias, como eles viram que eram boas, puseram-nas na guarda presidencial.

E estava lá há seis meses quando o “Expresso” publicou uma notícia a dizer que o Marcelino da Mata, que estava a dar instrução em Angola, às tropas do MPLA, era o que tinha combatido contra o PAIGC. O chefe dos serviços secretos militares veio falar comigo, disse que todos gostavam muito do meu trabalho, mas que não podiam continuar a ter-me lá.

No fim, quando me mandaram embora – pagaram-me tudo –, levaram-me de carro ao aeroporto, se calhar também para terem a certeza que eu embarcava».

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