Uma empresa de origem portuguesa criou um “bacalhau Made In Angola”, usando peixe seco salgado da mesma família do legítimo, para – diz – ajudar os angolanos a contornar a crise e desfrutar da tradicional ceia de Consoada, gastando um pouco menos. Os 20 milhões de angolanos pobres agradecem.
Cá para nós, os donos do reino não alinham no bacalhau, mesmo que seja o original. Aposto mais numa ementa singela do tipo trufas pretas, caranguejos gigantes, cordeiro assado com cogumelos, bolbos de lírio de Inverno, supremos de galinha com espuma de raiz de beterraba e uma selecção de queijos acompanhados de mel e amêndoas caramelizadas eram apenas alguns dos pratos à disposição dos líderes mundiais, que acompanharam a refeição da noite com cinco vinhos diferentes, entre os quais um Château-Grillet 2005. Não faltará também caviar legítimo com champanhe, salmão fumado, bifes de vaca de Quioto e espargos brancos.
Quanto ao Povo, essa espécie menor de angolanos em que 20 milhões são pobres, vão – porque é Natal – abastecer-se nos locais em que o fazem todos os dias, ou seja, nos contentores do lixo e nas lixeiras.
Apesar de não se tratar da espécie ‘Gadus Morhua’, conhecida pelo nome comercial de bacalhau, e sim de abrótea (‘Phycis Phycis’), o promotor do projecto “bacalhau Made In Angola”, o português António Cartaxo, baptizou o produto como bacalhau angolano e assim pretende mantê-lo.
António Cartaxo, administrador e proprietário da Atlântico Foods, empresa sediada em Viana (Luanda), que criou em 2016, garante que nada está a ser escondido dos consumidores, porque na ficha técnica do produto consta o nome científico.
“Como em Portugal o adoptaram como bacalhau e não lhe meteram português, nós aqui somos muito patriotas e então metemos bacalhau angolano”, brincou o empresário.
O mentor do projecto, iniciado este ano, disse que a ideia surgiu do desafio de criar um “produto de excelência” no país, indo ao encontro da cultura do consumo de bacalhau que já está implantada no país, oriunda de Portugal.
Segundo António Cartaxo, cidadão português residente em Angola há várias décadas, os angolanos não são ainda grandes consumidores de bacalhau, “mas já começa a haver o hábito e nomeadamente nas quadras festivas”.
Além disso, “existem muitos eventos durante o ano onde se confecciona o bacalhau. Como dizem os portugueses, o bacalhau tem 1001 formas de ser confeccionado e começa já a enquadrar-se muito na cultura nacional”, referiu.
A empresa, com 70 funcionários angolanos, tem já 23 toneladas produzidas, o correspondente a cerca de mês e meio de produção.
O processo de secagem, natural, limita ainda a produção, mas António Cartaxo mostra-se confiante em relação ao futuro.
Com um investimento inicial em torno dos 50 milhões de kwanzas (56 mil euros), a empresa prepara-se para investir, no primeiro trimestre de 2024, um valor de 250 milhões de kwanzas (279.000 euros) a 300 milhões de kwanzas (335.000 euros) para produzir à escala nacional, perspectivando chegar então aos 100 trabalhadores.
O peixe com origem 100% nacional é pescado na costa angolana, nas zonas do Soyo (província do Zaire) ou Tômbua (província do Namibe), e adquirido a pescadores artesanais ou em parceria com embarcações industriais.
O processo começa pela aquisição de algum pescado fresco e maioritariamente congelado em navios em alto-mar, passando logo à chegada às instalações, localizadas no Polo Industrial de Viana, por uma selecção dos peixes por calibres, explicou o empresário.
“Temos o peixe corrente e o crescido, à posteriori fazemos a escala (…), depois a salga e a seca. No final da secagem é que definimos o calibre do produto, mas o processo é idêntico, igual mesmo, àquilo que se faz com o bacalhau importado”, acrescentou.
O que distingue o “bacalhau Made In Angola” do bacalhau legítimo é a espécie, aclarou António Cartaxo, apontando diferenças no rabo do pescado nacional, a abrótea, bem como a sua espinha ligeiramente mais saliente.
“A família do peixe é a mesma, são gadiformes, depois temos várias espécies, a nossa é similar ao legítimo bacalhau. Tem ligeiras diferenças, a única que se nota mais é no tamanho, este é muito mais pequeno, não conseguimos atingir bacalhaus muito grandes, graúdos e extras, conseguimos fazer um bacalhau crescido e corrente”, disse.
O administrador e proprietário da Atlântico Foods disse à Lusa que os portugueses que consumiram o ‘bacalhau’ angolano “ficaram agradados” e “surpreendidos com a qualidade do produto”. Alguns solicitaram o produto para o levar para o Natal para Portugal, atitude que o deixou “lisonjeado”.
“Pensamos num futuro próximo poder abrir os nossos horizontes para outros países, pensar numa exportação e levar o nome de Angola além-fronteiras”, referiu, adiantando que toda a produção está já vendida.
António Cartaxo garantiu que em termos de sabor e textura, o ‘bacalhau’ angolano “é em tudo similar ao importado”, salientando como vantagem a vertente económica, porque o produto acaba por ser mais económico.
“O ‘bacalhau’, neste momento, nas grandes superfícies ronda entre os 9.000 kwanzas (dez euros) e os 10.000 kwanzas (11 euros) o quilo, entre o crescido e o corrente”, disse, considerando que os angolanos têm a oportunidade de ter uma segunda escolha, um “produto nacional, feito em Angola”.
Já os preços do bacalhau importado, os preços variam entre os cerca de 11.000 kwanzas (12 euros) o quilo para o bacalhau miúdo e os 18.000 kwanzas (20 euros) para o quilo do bacalhau especial, o mais caro.
Nesta fase inicial, adiantou o responsável da Atlântico Foods, foi criada uma parceria com uma grande superfície para comercialização do produto, mas está abrir portas a outros parceiros, designadamente restauração e hotelaria.
Folha 8 com Lusa