DAR VIDA À GASTRONOMIA ANGOLANA

O projecto Ovina Yetu, de Helt Araújo, quer aproximar as pessoas da gastronomia angolana indígena. “Queremos conhecer os produtos autóctones. Sofremos aculturação e esquecemos a nossa raiz”, diz.

O chef angolano Helt Araújo quer “resgatar, reinventar e valorizar a gastronomia angolana e iniciou uma recolha exaustiva sobre os produtos nativos, contabilizando mais de mil, incluindo os catatos e larvas das palmeiras, que poderão ser a proteína do futuro”.

O projecto Ovina Yetu (‘o nosso produto/a minha coisa’, na língua Umbundo), que conta com uma equipa alargada de especialistas, arrancou há cinco meses e tem como parceiro o chef português João Rodrigues que, com o seu projecto Matéria, tem-se também dedicado ao mapeamento de produtores portugueses e aposta no consumo do que é nacional.

Dos resultados obtidos na investigação preliminar do Ovina Yetu, destaca-se a “descoberta” de mais de 1000 produtos nativos, divididos em cinco categorias: proteicos (84), ervas nativas (664), produtos do mar (45), frutas (168) e insectos (48). Entre estes, Helt Araújo disse à Lusa que conhece “apenas uns 350”, reforçando a ideia de que a história da gastronomia angolana está ainda por escrever.

“Queremos conhecer os produtos autóctones, tentar perceber o que temos. Sofremos aculturação e esquecemos a nossa raiz. Eu, como cozinheiro, tenho sentido a necessidade de resgatar estes produtos e apresentá-los de outra forma para dar a conhecer o que é nosso”, afirmou o mentor do Ovina Yetu. Na busca pela pesquisa do ADN da gastronomia angolana, o chef reuniu uma equipa de investigadores que, nos últimos meses, se dedicaram a fazer um levantamento do “estado da arte”, procurando o que está escrito e publicado sobre o assunto, 95% recolhido e contado por estrangeiros.

Helt Araújo sublinha que existe um “gap” na história que é preciso preencher, já que se sabe muito sobre os escravos que saíram de Angola, mas não sobre o que trouxeram quando voltaram a entrar e que faz parte da evolução da gastronomia angolana. Catatos e pacas (uma espécie de rato do campo) fazem parte deste inventário e Helt Araújo acredita no potencial destes produtos, afirmando a propósito do catato, iguaria com grande valor nutricional e muito apreciada em Angola, que “pode ser uma proteína do futuro”.

Produtos que já eram conhecidos no tempo da Rainha Njinga, figura emblemática da história angolana, que os incluiu em alguns dos seus relatos, mas que não cativam os gostos das novas gerações mais urbanas, e com pouco contacto com o mundo rural. “Hoje, um hambúrguer é mais apelativo do que o feijão de óleo de palma”, um acompanhamento frequente nos pratos angolanos, nota Helt Araújo.

Concluído o “estado da arte”, o chef quer voltar ao terreno e pretende iniciar uma rota que vai levar os integrantes do projecto às 18 provinciais angolanas, a partir de Outubro, começando no Lubango (capital da Huíla), o local com mais conteúdos sobre produtos das cinco categorias.

A “task force” multidisciplinar já esta constituída e reuniu-se para delinear estratégias há cerca de uma semana. Entre os consultores do Ovina Yetu estão gastrónomos e especialistas em “lifestyle”, como Cláudio Silva e Lina Alberto (“Tia Lina”), a bióloga e ex-ministra do Ambiente Adjani Costa, “cientistas” sociais como Rafael Marques e Isabel Fontes, a engenheira alimentar Maria Alves ou Laurinda Macedo, representante de um dos maiores produtores hortofrutícolas nacionais (Nova Agrolíder) e ligada à agronomia ou o produtor Sílvio Nascimento que vai apoiar na criação de conteúdos audiovisuais.

“Estivemos reunidos para definir as estratégias, ver o que já foi feito, o que vamos fazer a seguir. Agora vamos fazer o trabalho de campo, vamos ao terreno falar com as avós, investigar e catalogar os produtos, saber como são utilizados”, adiantou à Lusa. “Temos de saber de onde partimos para projectar o nosso futuro, saber como o calulu (prato tradicional) pode entrar na gastronomia moderna”, vincou.

Contar a história da gastronomia angolana é também perceber porque é que o funge (papa de farinha de mandioca ou de milho que serve de acompanhamento) é uma refeição que se come tradicionalmente aos sábados. “Por que era o dia em que as famílias se reuniam e podiam fazer os seus pratos. Isso marcou a nossa vivência“, explica o chef.

Helt Araújo quer trabalhar estes produtos nos seus restaurantes “para pôr o mundo da cidade em contacto com a Angola profunda” e desmistificar a ideia de que “a cozinha angolana é pesada”. O objectivo é tornar a gastronomia angolana “mais apelativa e competitiva, despertar (o gosto) por novos sabores, novos produtos” e encontrar um novo caminho para a história da culinária angolana.

Helt Araújo enfatizou também a importância da sustentabilidade neste projecto por que é preciso também respeitar a forma como se produz. “Queremos aprender e formar as pessoas, partilhar os conhecimentos”, salientou, apontando a produção de mel “nociva”, que envolve a queima de colmeias e que deve ser mudada.

Com o parceiro português João Rodrigues, do projecto Matéria, Helt Araújo espera obter maior divulgação do Ovina Yetu e trazer a Angola especialistas noutras matérias, como por exemplo os cogumelos, riqueza alimentar da província do Moxico. “A alta gastronomia está sedenta de novos produtos”, remata.

Folha 8 com Lusa

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