BORRASCA, TERRAMOTO… ÓBITO

O presidente do Sindicato dos Jornalistas de Portugal, Luís Filipe Simões, afirma que o sector dos media em Portugal “neste momento não está nada bem” e considerou que “mais cedo do que tarde” vai ter que existir “uma resposta global”.

O “sector neste momento não está nada bem”, afirmou Luís Filipe Simões, adiantando que, face ao contexto do aumento de custos, a alta da inflação, a subida das taxas de juros, os trabalhadores têm defendido actualizações salariais e “é muito rara a empresa que está a responder a estas preocupações”,

No caso da TSF, do grupo Global Media (GMG), assistiu-se aos trabalhadores “a fazerem um plenário e a pedirem à entidade patronal que possa rever os salários”.

No Jornal de Notícias (JN), que é do mesmo grupo liderado por Marco Galinha, assiste-se à “preocupação até pela saída do local de trabalho para outro que não oferece garantias, inclusivamente em termos de transportes”, apontou o presidente do SJ.

No âmbito da Media Capital, tanto na TVI como CNN assiste-se a “alguma preocupação”, não só com eventuais reduções do número de pessoas, mas “também suponho com esse aumento salarial que não está a ser feito”, e “vimos na Impresa”, dona da SIC, “os trabalhadores a fazerem um protesto silencioso pela mesma razão”, acrescentou.

Mais de 150 trabalhadores da SIC protestaram em silêncio, nas instalações da Impresa, na quarta-feira, por aumentos salariais para todos, para fazer face ao aumento do custo de vida, disse à Lusa Rodrigo Gonçalves, da Comissão de Trabalhadores.

“Pelo que vimos, acho que na Lusa há também os trabalhadores a tentarem que – e aqui já estamos a falar no Sector Empresarial do Estado – que seja de alguma forma a componente salarial revista”, prosseguiu Luís Filipe Simões.

A verba orçamentada de 200 mil euros para aumentos salariais na Lusa “é insuficiente para as reivindicações apresentadas pelos trabalhadores” e o presidente pediu reuniões às tutelas sobre o tema, de acordo com um comunicado da Comissão de Trabalhadores (CT) de Janeiro.

O caderno reivindicativo para 2023, aprovado pelos trabalhadores da Lusa em 3 de Novembro, inclui um aumento mínimo de 120 euros nos salários dos trabalhadores, a actualização do subsídio diário de refeição, pago em cartão, para o valor máximo não tributável, bem como a criação de um subsídio parental de 100 euros por cada filho/a, a ser pago juntamente com a retribuição do mês seguinte ao do regresso da licença parental, entre outros.

O presidente do Sindicato dos Jornalistas apontou que ainda não foi pago subsídio de Natal no jornal A Bola e que “os trabalhadores já perguntaram quando é que será e ainda não tiveram resposta”.

Em suma, trata-se de uma situação que “não é de uma empresa, não é de um jornal”, mas de uma grande maioria dos meios de comunicação social.

“Do pouco que vamos sabendo, só mesmo da Cofina não nos chegou este mal-estar, não sei se por não existir, se por alguma dificuldade de comunicação”, adiantou o responsável, salientando que o panorama “é negro”.

Por exemplo, o caso do Diário de Notícias (DN), “que, não sendo uma proposta de despedimento, foi um convite à saída de algumas pessoas (…) preocupa-nos” também, até porque o jornal “estava numa situação complicada e com poucas pessoas”, referiu.

Luís Filipe Simões salientou que a redução do número de pessoas está “a ser quase também generalizado” no sector dos media em Portugal, em que se assiste ao emagrecimento das redacções, “com níveis de trabalho a ficarem incomportáveis para os trabalhadores”.

Ou seja, “quando há uma dificuldade, e eu confesso que não percebo este critério, a solução tem sido emagrecer redacções”, o que tem “uma consequência trágica”, já que reduzir o número de pessoas reflecte-se na perda da qualidade da informação, o que também terá impacto nas vendas, prosseguiu.

Actualmente “temos provavelmente das gerações com mais habilitações literárias e eu suponho que quando a solução é esvaziar as redacções, provavelmente as pessoas exigirão um pouco mais, um jornalista não pode fazer o trabalho de dois, é humanamente impossível”, sublinhou.

O Sindicato dos Jornalistas está a acompanhar as várias situações dos meios de comunicação social em Portugal, procurando manter “primeiro” informados os delegados sindicais e a procurar que estes tentem “pressionar as entidades patronais a ter alguma solução para esta quebra nos rendimentos” e “aumento do volume de trabalho”.

Portanto, “estamos a trabalhar em todas estas vertentes (…) e isto é que é muito complicado de dizer porque diz bem da forma como vamos andando, em quase todas as empresas de comunicação, porque não é uma, não são duas, são quase todas”, lamentou.

“É verdade que na RTP houve um aumento”, mas foi um aumento “muito escasso, qualquer coisa como 20 euros, que está muito longe de fazer face aos níveis de inflação, mas mesmo assim houve, é verdade, mas muito reduzido”, sublinhou.

O presidente do SJ refere também que se ouve “recorrentemente” os jornalistas a afirmarem que “há 20 anos que não têm aumentos”, devido às várias ondas de crise.

E a crise está a reflectir-se “sempre para os jornalistas e 20 anos sem reposição salarial é muito tempo”, considerou.

“Acho que mais cedo do que tarde vamos ter que ter uma resposta global”, salientou, porque os problemas são globais.

Entretanto, “estamos, acho eu, numa fase muito, muito, muito final do contrato colectivo, das negociações” e “espero que não se ultrapasse metade do mês para tentarmos assinar” o mesmo, disse.

“Estamos agora a rever as últimas negociações”, sendo que, aumentando o custo de vida, a inflação, até onde se pode ir em termos de salários de entrada, já que “havia quase um acordo dos 903 euros”.

No entanto, “precisamos de ver se podemos ir além disso, porque, na verdade, este ano e nos últimos meses, a realidade transformou-se um bocadinho”, rematou.

A OPINIÃO DE CARLOS NARCISO

Vejamos a opinião do jornalista Carlos Narciso (CP 340), um profissional de referência no que respeita ao bom jornalismo, no artigo “Pobres jornalistas”, pulicado no duaslinhas.pt:

«A maioria dos jornalistas ganha mal, um pouco à semelhança do que se passa na generalidade das classes profissionais em Portugal. É verdade que há alguns milionários na profissão, mas os casos de ordenados chorudos são relativamente poucos e, quase sempre, apenas premeiam os “papagaios” televisivos.

Não há um único repórter que tenha um nível salarial equiparado ao de um pivot de jornal televisivo. Não há um. E, no entanto, são os repórteres que fazem todos os conteúdos de um noticiário, seja num jornal, na rádio, no site ou na televisão. Sempre foi assim.

E quanto toca a despedir, os critérios de escolha variam entre ser mais velho e, portanto, mais bem pago, ser menos acomodado a injustiças praticadas na empresa, ser notoriamente melhor profissional que as chefias ou não ir para a cama com quem manda. Dizer não nunca foi coisa bem vista. Nem mesmo nas redacções.

Há quem pense que os jornalistas têm o que merecem, genericamente falando. Por serem uma classe profissional acobardada. Na verdade, num sector onde os aumentos salariais rareiam, também têm sido raras as greves e as manifestações públicas de protesto.

Hoje, ficámos a saber que há vários conflitos em surdina em diferentes redacções. Na rádio TSF, do grupo Global Media (GMG), os trabalhadores fizeram um plenário para pedir mais dinheiro à entidade patronal. Na SIC, 150 trabalhadores protestaram em silêncio por aumentos salariais. Não se ouviu nada, cá fora.

Também na LUSA, no Jornal de Notícias, na TVI/CNN, no jornal A Bola, na RTP, há conflitos laborais latentes ou em curso. Nuns casos porque as empresas estão em novos processos de redução de pessoal, noutros porque os aumentos salariais propostos pelo patronato são inferiores a 1 euro por dia.

O Sindicato dos Jornalistas (SJ) diz estar “a acompanhar as várias situações”, mas não se nota qualquer eficácia nesse acompanhamento. Há décadas que o sector tem vindo a ser maltratado e o jornalismo cada vez mais desconsiderado. O sindicato não tem tido uma acção capaz de reverter a situação cada vez mais precária dos profissionais.

O SJ é um sindicato enfraquecido. Em muitas redacções, a maioria dos jornalistas não está filiada no sindicato. No final do ano passado, para tentar contrariar essa realidade, o SJ lançou uma campanha de angariação de sócios um tanto estranha. Prometia os habituais descontos em seguros, transportes, viagens, hotéis, mas dava uma borla nas quotas até Abril de 2023. Esqueceram-se de leiloar um automóvel… »

UM CASO DE MEMÓRIA, COM MEMÓRIA

No dia 16 de Janeiro de 2009, o jornalista Orlando Castro (hoje director adjunto do Folha 8) publicou o artigo «181 jornalistas das redacções do Porto no desemprego nos últimos cinco anos», que agora reproduzimos na íntegra:

«Pelo menos 181 jornalistas das redacções do Porto de vários órgãos de comunicação social perderam o emprego nos últimos cinco anos, 54 dos quais no despedimento colectivo anunciado quinta-feira pelo grupo Controlinveste.

Justificado pelo grupo de Joaquim Oliveira com a “evolução acentuadamente negativa do mercado” e a “profunda quebra de receitas”, o despedimento abrangeu um total de 75 jornalistas do Jornal de Notícias (JN), Diário de Notícias (DN), O Jogo e 24 Horas. Destes, 54 (23 no JN, seis no DN, 15 n’ O Jogo e 10 no 24 Horas) nas redacções do Porto destas publicações. No caso do jornal 24 Horas deixou mesmo de existir a delegação do Porto, com a saída de todos os jornalistas que a compunham.

Recentemente, foram também “convidados a sair” três jornalistas da Rádio Regional de Lisboa (Rádio Clube Português), do grupo Media Capital, no Porto.

O esvaziamento das redacções do Porto, de vários órgãos de comunicação social, já vem acontecendo há algum tempo, acompanhado do encerramento de publicações sedeadas na cidade, como O Comércio do Porto.

Este jornal, que era o diário mais antigo do país, foi encerrado em Julho de 2005 pelo grupo que então o detinha, os espanhóis da Prensa Ibérica, que acabou também com A Capital, um dos mais prestigiados títulos de Lisboa. No caso d’ O Comércio do Porto perderam o emprego 50 jornalistas.

Dois anos antes, em 2003, a estação televisiva NTV, um canal regional do Porto criado em 2001 através de uma parceria entre a PT Multimédia e a RTP, dispensou também 25 dos 37 jornalistas contratados a termo certo, tendo acabado por desaparecer para dar origem à actual RTPN, que absorveu os restantes profissionais.

Também em 2003 a Lusomundo Media/PT encerrou a redacção do Porto da revista Notícias Magazine, despedindo os quatro jornalistas que a compunham.

Em 2006 foi a vez de o jornal Público iniciar um processo de rescisões que resultou na saída de 11 jornalistas no Porto (incluindo os correspondentes de Aveiro, Famalicão, Braga e Vila Real), enquanto o semanário Expresso dispensou, em Junho de 2007, dois jornalistas na redacção da cidade.

A estes juntaram-se, em Agosto de 2008, mais 32 jornalistas de outros dos mais antigos diários portugueses, o portuense O Primeiro de Janeiro, alvo de um processo de despedimento colectivo.

Contactado pela agência Lusa, o director da licenciatura de Jornalismo da Universidade do Porto, Rui Centeno, atribuiu este esvaziamento e até encerramento de várias redacções no Porto ao facto de “tudo estar centralizado em Lisboa”.

“Como tudo se centra em Lisboa, dispensam-se os mais ‘dispensáveis'”, lamentou Rui Centeno, que associa também este “desinvestimento” à crise que se vive actualmente e à reestruturação que está a ocorrer nos grupos de comunicação social.

Essa reestruturação, nomeadamente em termos de convergência de meios, “terá repercussões em termos de empregabilidade”, sublinhou Rui Centeno.

Enquanto responsável por um curso superior de jornalismo, Rui Centeno manifesta-se “muito preocupado” com a vaga de despedimentos.

Tenta, por isso, encaminhar os alunos para áreas onde o mercado ainda não está saturado, como o jornalismo multimédia e a assessoria.

Também para o director do Centro de Estudos de Comunicação da Universidade do Minho, Manuel Pinto, “as perspectivas que se desenham não são nada tranquilizadoras” .

“E não é preciso ser adivinho para ver borrasca no horizonte”, escreveu Manuel Pinto terça-feira (dois dias antes de ser conhecida a decisão da Controlinveste), no blogue colectivo “Jornalismo e Comunicação”.

No ‘post’ intitulado “Borrasca no horizonte”, Manuel Pinto apontava vários casos de empresas de comunicação social onde se prevêem despedimentos.

“Num ano de agravamento drástico da crise, um dos sectores que mais se ressente, vital para a viabilidade dos media, é a publicidade. Ora essa fonte decisiva de recursos da economia das empresas mediáticas está a secar a um ritmo que alarma os gestores. Não só na publicidade de agência, mas inclusivamente nos classificados”, considera.

Em seu entender, “o único sector que dá sinal de uma agitação que chega a raiar o absurdo é o do marketing. Os jornais, em particular, desdobram-se em iniciativas paralelas, num esforço titânico de atrair os consumidores”.

“É caso para perguntar o que significam, de facto, os dados ainda recentemente divulgados pela Marktest relativamente à circulação paga. Que quota desses números representa, efectivamente, a procura da informação? Por outras palavras: como poderão as empresas jornalísticas aguentar uma situação, em que estão, de facto, ainda que indirectamente, a subsidiar a compra dos seus produtos?”, acrescenta.

No mesmo blogue e na sequência do texto de Manuel Pinho, o ex-jornalista e académico Joaquim Fidalgo considera que “há, de facto, muita “borrasca” no sector dos media. E já não é apenas no horizonte previsível: ela aí está, muito concreta, a precipitar-se dramaticamente em cima das nossas cabeças…”.

As reacções aos últimos despedimentos começam entretanto a ser produzidas, como a do presidente da concelhia do Porto do PS, Orlando Soares Gaspar, que, apesar de “não se querer imiscuir” nas questões de gestão interna das empresas, quis manifestar a sua solidariedade para com os jornalistas despedidos.

“Quanto menos profissionais de qualidade tiver a classe jornalística mais esta fica empobrecida”, frisou.»

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