ANGOLANOS FICARAM (MESMO) EM CASA

A iniciativa partilhada nas redes sociais pelo activista Gangsta apelou a um dia de greve para “reflectir sobre o país” e condenar as acções criminosas do Governo do MPLA, no Poder há 47 anos. E o efeito fez-se sentir sobretudo nas ruas de Luanda, mas todo o país “ficou em casa”.

Em lugar incerto, divulgando um lancinante apelo em que diz “estou em perigo, o MPLA mata”, após ser acusado por associação criminosa, instigação à rebelião e desobediência civil, além de ultraje ao Presidente da República, igualmente presidente do MPLA e Titular do Poder Executivo, Nelson Dembo, conhecido popularmente por Gangsta, diz que teme pela vida e não vai acatar o termo de identidade e residência. E continua a usar as redes sociais para criticar o poder e convocou um protesto pacífico para hoje, apelando à população para ficar em casa e em vez de ir trabalhar reflectir sobre o estado de Angola, a miséria, a violação dos direitos humanos, a fome (20 milhões de pobres) e a corrupção no país.

E o apelo depressa se espalhou nas redes, juntando políticos, artistas e recolhendo o apoio dos partidos da oposição e organizações da sociedade civil que lutam pela democracia e transparência no sentido de um dia Angola ser um Estado de Direito, entre várias personalidades, incluindo as filhas de José Eduardo dos Santos e de Jonas Savimbi, Tchizé dos Santos e Ginga Savimbi.

Nas ruas de Luanda, viram-se bancas vazias nos mercados, pouco trânsito, fraca circulação de cidadãos na via pública. Um dos porta-vozes do protesto, Angolano Nervoso, disse que “conseguimos juntar o povo, unir o povo para reflectir Angola. Foi uma tarefa muito difícil, fomos boicotados, mas tínhamos certeza de que iria ser um sucesso”.

No Mercado dos Congoleses, uma vendedora de roupa usada explicava que “o mercado está vazio por causa do medo que as pessoas têm de sair de casa”, enquanto um reparador de telemóveis se queixava que “os clientes não estão a aparecer”.

“Esta é uma manifestação pacífica, uma desobediência nacional, mas serve de mensagem para o Governo. Se não acatar, haverá outras. Não vamos fazer distúrbios, não vamos partir nada, vamos fazer sempre tudo na legalidade”, disse Angolano Nervoso. “É preciso olhar e procurar um rumo. Libertar as consciências dos angolanos para tirar a tirania e a ditadura do poder. A nossa geração não vai desistir”, afirmou por seu lado Gangsta.

Do ponto de vista da propaganda oficial do Governo/MPLA, ampliada por supostos jornalistas, as principais ruas, paragens e avenidas de Luanda registavam um movimento calmo e normal, sem qualquer registo de perturbação à ordem pública. E justificavam, como fora determinado pelo MPLA, o menor movimento por haver feriado na próxima terça-feira e estarem a começar as férias escolares.

“Nos municípios do Cazenga e Viana, o movimento também estava tranquilo, apesar de se registar alguma ausência de pessoas, sobretudo passageiros, nas paragens do Centro de formação Profissional do Cazenga, na avenida Hoji Ya Henda, e da Ponte Amarela, em Viana”, escreveu o MPLA através dos seus “jornalistas” do Novo Jornal, explicando que “devido às várias informações distorcidas, muitos cidadãos e automobilistas preferiram mesmo ficar em casa por uma questão de prudência”.

Nos últimos dias, a convocatória para o protesto Fica em Casa incendiou os debates nas redes sociais, ao ponto da Polícia Nacional do MPLA ter comunicado que “todos aqueles que persistirem nestas práticas de rebelião e vandalismo, serão responsabilizados criminalmente, porque a situação de segurança pública do País é estável e as forças da ordem estão prontas para darem resposta à qualquer acto que visa perturbar a tranquilidade pública”.

Na semana passada, Gangsta dizia temer pela vida e denunciava as detenções de familiares sujeitos a horas de interrogatório por causa da sua ausência de casa e actividade incessante nas redes. “Angola é um país que regrediu. Estamos a ver angolanos a comer do lixo, as altas taxas de desemprego. Uma governação de incompetência, que está a criar um novo clube de ricos, que são os indivíduos que o cercam. É um retrocesso civilizacional e o João Lourenço não tem estratégia política para uma administração do Estado-nação de Angola”, afirmou o activista que acusa o Presidente (não nominalmente eleito, recorde-se) João Lourenço de ocupar o cargo de forma ilegítima neste segundo mandato.

“Nós olhámos o João Lourenço como um reformador, um farol de esperança. Mas só piorou. Um indivíduo arrogante, petulante, que não dialoga com ninguém”, afirmou Gangsta, criticando também o Presidente por usar um discurso de combate à corrupção quando na prática “oficializou um novo modelo de corrupção, que é a contratação simplificada: pega os dinheiros do Estado e dá de ajuste às suas empresas”.

“O combate à corrupção não anda porque aquilo é uma máquina de corruptos e assassinos. Eles sabem porque é que não querem largar o poder. É a única maneira que têm de sobreviver. Combate à corrupção é balela”, diz o activista, concluindo que “se houvesse combate a sério à corrupção, João Lourenço e a esposa estariam na cadeia e 90% do MPLA estaria preso”.

Recorde-se que a Direcção da UNITA, maior partido da oposição que o MPLA ainda permite em Angola, encorajou os seus militantes, enquanto cidadãos, a participarem no protesto de hoje.

Num comunicado de imprensa, o secretariado-executivo do Comité Permanente da Comissão Política da UNITA manifestou-se solidário com a causa dos activistas, que visou protestar contra as dificuldades sociais que os angolanos enfrentam nos últimos anos.

A UNITA diz que “tomou conhecimento, por via das redes sociais, de informações segundo as quais um grupo de activistas está a mobilizar a juventude e sociedade em geral para um protesto pacífico denominado – “No dia 31 de Março, fica em casa”, como forma de chamar a atenção do Governo para a degradante situação socioeconómica em que o país mergulhou e pressioná-lo a melhorar as suas políticas públicas”.

Segundo a UNITA, níveis elevados de desemprego, pobreza, alto custo de vida, corrupção institucionalizada e constantes violações dos direitos humanos agravam a insatisfação e o desespero da juventude com a actual governação.

“O secretariado-executivo do Comité Permanente da Comissão Política da UNITA constata, com enorme preocupação, que o Governo tem-se desviado da missão principal do Estado, que é garantir os direitos humanos fundamentais e realizar a prosperidade e a dignidade dos cidadãos”, refere-se no documento.

“Por isso, considera legítimas e constitucionalmente atendíveis as motivações dessa manifestação. Assim, os militantes da UNITA, enquanto cidadãos, são livres de aderir à referida manifestação”, acrescenta-se.

Na nota, a UNITA “condena, veementemente, a campanha de intoxicação da opinião pública nacional e internacional, levada a cabo por órgãos do Estado, que visa desvirtuar iniciativas de livre exercício de cidadania, plasmadas na Constituição da República de Angola”.

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