ABUSO SEXUAL DE MENORES. DE BOSTON AO PORTO…

A equipa “Spotlight” do jornal “Boston Globe” era formada por um conceituado grupo de jornalistas de investigação. Não integravam nenhum Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação. Faziam apenas o que era o seu dever – Jornalismo. “Ninguém cria uma comissão para estudar os efeitos de um meteorito”, afirmou o bispo do Porto, Manuel Linda, a propósito do abuso sexual de menores.

Por Orlando Castro

E m finais de 2001, vêem-se a braços com um caso em que vários padres da Igreja Católica são acusados de abusos sexuais a crianças da comunidade. Ao investigarem a fundo, dão-se conta de décadas de encobrimento que envolve os mais altos níveis das instituições da cidade de Boston, seja a nível religioso ou mesmo político.

Decididos a mostrar a verdade e a levar os responsáveis a tribunal, a equipa de jornalistas empenha-se em encontrar provas irrefutáveis. Para isso, entrevista vítimas, procura dados de arquivo e contrapõe testemunhos ao mesmo tempo que se vê obrigada a fazer frente ao sigilo da instituição eclesiástica.

Este caso de pedofilia e abusos sexuais de menores, que chegou às primeiras páginas dos jornais de todo o mundo, abalou profundamente a Igreja Católica. Desde então, vários casos similares foram tornados públicos, muitas vítimas contaram as suas histórias e muitos padres foram condenados.

Com esta investigação, o jornal “Boston Globe” venceu o Prémio Pulitzer por serviço público. O filme sobre este caso venceu o Óscar de Melhor Filme e de Melhor Argumento Original, em 2016.

Um dor Jornalistas do Spotlight, Michael Rezendes, era português. Era um repórter brilhante, persistente mas socialmente desajustado. Em 2004 esteve nos Açores e encontrou a casa do avô João na aldeia de Água Retorta, em São Miguel. O pai era português: “Os meus avós paternos vieram de São Miguel, nos Açores, para os Estados Unidos”.

OS ENERGÚMENOS TIPO MANUEL LINDA

Em Portugal, a Diocese do Porto foi a primeira do país a dizer que não deve criar qualquer comissão para lidar com eventuais casos de abuso sexual de menores: “Ninguém cria uma comissão para estudar os efeitos de um meteorito”.

Em entrevista à TSF, 20 de Abril de 2019, o bispo do Porto garante que a Igreja Católica está “a mudar tudo” para evitar novos casos de pedofilia, mas admite “que mesmo assim é possível que alguém volte a fazer asneiras”.

O bispo sublinha que “a nossa postura perante este tema mudou radicalmente, não é mais um tema para tratar com amadorismos, é para tratar muito a sério”.

O representante máximo do catolicismo na diocese do Porto explicou, contudo, que ao contrário do que aconteceu em Lisboa não iria avançar com medidas de controlo da pedofilia, com a participação de tribunais civis, por exemplo, sendo mesmo a primeira diocese do país a dizer que não avançará com uma comissão deste tipo depois do Papa Francisco ter pedido ao clero que denuncie às autoridades todas as suspeitas de crimes sexuais.

D. Manuel Linda justifica-se então dizendo que “ninguém cria, por exemplo, uma comissão para estudar os efeitos do impacto de um meteorito na cidade do Porto”.

“É possível que caia aqui um meteorito? É. Justifica-se uma comissão dessas? Porventura não”, explica o bispo que acrescenta: Se no caso da pedofilia “funcionar como prevenção, formação dos seminaristas e do clero eu vou avançar. Se se destina, como foi divulgado, a recolher as queixas não se justifica pois até agora não tivemos nenhum caso desses, graças a Deus”.

Entretanto, hoje (16 de Fevereiro de 2023) mesmo bispo católico, Manuel Linda, classificou os abusos sexuais de crianças na Igreja como “absolutamente hediondos, inqualificáveis e que têm de ser combatidos com toda a energia”.

A posição de Manuel Linda é dada a conhecer numa declaração publicada, esta quinta-feira, na página da Internet da diocese, na qual afirma: “sofro e choro pelas vítimas de actos que são absolutamente hediondos, inqualificáveis, e que têm de ser combatidos com toda a nossa energia”.

Referindo-se ao Relatório da Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais de Crianças na Igreja Católica em Portugal, divulgado na segunda-feira, o bispo do Porto diz que o resultado deste estudo demonstra “a oportunidade e a urgência da criação da Comissão Independente por parte da Conferência Episcopal Portuguesa, já que, ao contrário do que se imaginava, as vítimas não estavam a recorrer às Comissões Diocesanas para o Cuidado dos Frágeis”.

“Mesmo que, por vezes, no passado, não tenha utilizado a linguagem mais apta para exprimir o que sinto e penso, tudo farei para punir e pôr cobro a este flagelo. Nós, homens e mulheres da Igreja, que entregámos a nossa vida para servir o próximo, não podemos aceitar que os comportamentos de alguns clérigos ponham em causa os mais básicos valores da fé cristã”, considera.

Manuel Lima diz ainda saber que “o pedido de perdão às vítimas, não chega, não resolve, nem apaga os actos hediondos do passado”.

“Não obstante, é o mínimo que, neste momento, posso fazer, mais uma vez, em nome desta Diocese do Porto”, escreve.

O bispo do Porto acrescenta que cumprirá “exemplarmente” as normas emanadas da Conferência Episcopal Portuguesa e da Santa Sé, relativamente a este assunto.

“A Diocese do Porto já deu e continuará a dar passos no sentido de erradicar todo e qualquer género de abusos cometidos sobre menores e frágeis. Pessoalmente, tudo continuarei a fazer para que estes casos jamais se voltem a repetir”, frisa.

O relatório da Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais na Igreja recebeu 512 testemunhos validados, o que permitiu a extrapolação para a existência de, pelo menos, 4.815 vítimas, tendo sido enviados 25 casos para o Ministério Público.

Os dados revelaram que 97% dos abusadores eram homens e em 77% dos casos padres, além de que em 47% dos casos o abusador fazia parte das relações próximas da criança.

A Conferência Episcopal Portuguesa vai tomar posição sobre o relatório a 3 de Março, em Fátima.

Os abusos sexuais revelados ao longo de 2022 abalaram a Igreja e a sociedade portuguesa, à imagem do que ocorreu com iniciativas similares em outros países, com alegados casos de encobrimento pela hierarquia religiosa a motivarem pedidos de desculpa.

O distrito de Lisboa concentra o maior número de casos (120), seguindo-se os distritos do Porto (64 casos) e de Braga (55 casos), Santarém (26 casos), Aveiro (24 casos), Leiria (21 casos), Coimbra (19 casos), Setúbal (18 casos), Viana do Castelo (15 casos), Viseu e a Região Autónoma da Madeira (14 casos), Bragança (13 casos), Évora e Guarda (12 casos) e Castelo Branco (11 casos). Os restantes distritos do país apresentam menos de 10 casos.

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