“XAROPE CURA-TUDO NO COMBATE À CORRUPÇÃO”

O Procurador-Geral da República (PGR) angolano, general Hélder Pitta Grós, disse hoje, na província do Huambo, que a gestão dos bens apreendidos e arrestados no âmbito do combate à corrupção tem sido feita de forma correcta e consciente. Modéstia? Népia. Soberba? De sobra!

Hélder Pitta Grós discursava na cerimónia de abertura do ano judicial, que contou com a presença do Presidente de Angola, João Lourenço, do Presidente do MPLA, João Lourenço, e do Titular do Poder Executivo, João Lourenço.

Segundo o general Pitta Grós, a PGR tem ultimamente realizado diversas apreensões ou solicitado aos tribunais o arresto de bens, pelo facto de os mesmos terem sido adquiridos com dinheiro obtido ilicitamente.

“E enquanto não houver sentença definitiva, a gestão desses bens tem sido feito pelo Cofre de Justiça ou, no caso de activos que digam respeito a empresas, têm sido feitas pelos departamentos ministeriais competentes nas diversas áreas”, frisou. O PGR salientou que a gestão desses bens “tem sido feita de uma forma correcta, consciente”.

“Há casos até em que as empresas têm sido mantidas sob a gestão e direcção dos órgãos de administração que até ao momento actuavam, isso para fazer com que as empresas não deixem de funcionar e que se garantam os postos de trabalho”, enfatizou, reiterando que “tem havido da parte dos decisores cuidado suficiente” para não deixar “descambar” os bens.

Relativamente aos prédios do Zango, uma preocupação referida pelo bastonário da Ordem dos Advogados de Angola (OAA), Luís Paulo Monteiro, na sua intervenção sobre as providências cautelares e arresto de bens, o general Hélder Pitta Grós disse que aquelas infra-estruturas “já se encontravam em elevado estado de canibalização” quando foram apreendidas.

O general Hélder Pitta Grós reforçou que a apreensão daqueles bens visou também a sua protecção para que tenham um fim social diferente do que aquele que teriam no futuro.

Durante a sua intervenção, o bastonário da OAA disse que a morosidade na conclusão dos processos-crime, aliada à espera das decisões finais dos tribunais, têm transformado a maioria das providências cautelares e apreensão de bens “em decisões injustas, perdulárias e desprovidas de sentido”.

“Da pesquisa efectuada sobre os bens apreendidos constatamos que os mandatos geraram desperdícios e prejuízos para o Estado, designadamente no caso dos imóveis apreendidos no Zango, em que os imóveis estão hoje completamente degradados. Caso BNA [Banco Nacional de Angola] em que as viaturas de luxo apreendidas estão num parque ao sol e à chuva e deterioram-se a cada dia que passa”, indicou.

Para o bastonário da OAA, estas medidas cautelares penais acabarão por resultar em mais complicações para o Estado, algumas contribuirão até para o aumento do desemprego.

“O nosso conselho vai no sentido de se mandar inspeccionar todos os processos que tenham bens apreendidos, principalmente imóveis e viaturas, para se parar com tanta ineficiência e má actuação”, sublinhou.

Luís Paulo Monteiro destacou que as apreensões dos bens dos processos económico-financeiros devem ser vistas de forma prudente e transparente “e não como xarope cura-tudo no combate à corrupção”.

“A apreensão dos bens dos cidadãos deve ter uma ordem expressa, regular e legitimamente expedida pelos tribunais”, defendeu.

Em 2020, a PGR anunciou a apreensão de mais de mil imóveis inacabados, bem como edifícios e estaleiros construídos com fundos públicos que se encontravam na posse do China International Fund.

Enquanto decorre o processo-crime, no âmbito da recuperação de activos do Estado angolano, os imóveis que se encontravam na posse do China International Fund, Limited (CIF Hong Kong) e China International Fund, Limitada (CIF Angola) têm como fiel depositário o Ministério do Ordenamento do Território e Habitação.

A lista de bens apreendidos a pedido do Serviço Nacional de Recuperação de Activos inclui 24 edifícios, duas creches, dois clubes náuticos e três estaleiros de obras, bem como terrenos adjacentes, numa área total de 114 hectares, na urbanização Vida Pacífica (distrito urbano do Zango, município de Viana, em Luanda).

Da mesma lista fazem parte 1.108 imóveis inacabados, 31 bases de construção de edifícios, 194 bases para construção de vivendas, um estaleiro e terrenos adjacentes, totalizando 266 hectares, no distrito urbano do Kilamba (município de Belas, Luanda).

“Promessómetro” para matumbos verem

No dia 29 de Dezembro de 2021, o general Hélder Pitta Grós, disse, em Luanda, que nesse ano foram instaurados cerca de 700 novos processos-crimes relacionados com a actividade económica e financeira.

Hélder Pitta Grós, que se dirigia numa mensagem de fim de ano aos funcionários da PGR, referiu que especial atenção continua a ser dada no combate “ao crime de colarinho branco”, nomeadamente peculato, corrupção passiva e activa, recebimento indevido de vantagens, participação económica em negócios, branqueamento de capitais e todo o tipo de crime económico e financeiro. Ou seja, a fazer fé no general, existe um combate a tudo aquilo que há 46 anos constitui a verdadeira identidade do MPLA.

Segundo o PGR, outros cerca de 500 processos de inquérito foram instaurados, bem como foram instruídos para julgamento 98 processos, seis dos quais resultaram já em condenações efectivas.

“Dos processos em causa foram apreendidos valores monetários, residências e viaturas e outros bens diversos considerados objectos ou produto ou vantagem do crime, que serão perdidos a favor do Estado, quando decisões de condenação transitarem em julgado, assim como empresas, sendo que algumas já foram privatizadas como as indústrias têxteis e a rede de supermercado ‘Kero’”, salientou.

Hélder Pitta Grós referiu ainda que em 2021, no âmbito de um decreto presidencial, foi atribuído à PGR, enquanto órgão procurador, assim como também aos tribunais, uma percentagem de 10% do valor dos activos definitivamente recuperados a favor do Estado.

“Medida que consideramos acertada, não apenas por não ser nova na nossa realidade política, mas também sobretudo por se tratar de recomendação dos organismos internacionais que monitorizam os avanços dos países na estratégia de prevenção e combate à corrupção e branqueamento de capitais”, salientou.

No entanto, prosseguiu general Hélder Pitta Grós, “a PGR ainda não beneficiou de nenhum valor monetário correspondente à sua actuação em matéria de recuperação de activos, pois decorrem diligências administrativas procedimentais para que se materialize o referido Decreto Presidencial”.

No domínio da cooperação internacional, o general destacou que a PGR celebrou um importante memorando de entendimento com o Conselho Federal Suíço sobre assistência jurídica internacional em matéria penal, instrumento que irá viabilizar as acções de cooperação com as instituições congéneres de combate à corrupção e branqueamento de capitais.

Com os Emirados Árabes Unidos, foram estabelecidos contactos e trocas de documentação para a celebração de memorando de entendimento com a respectiva Procuradoria-Geral da República, bem como foi também lançado o projecto conjunto com a União Europeia para o reforço das capacidades de recuperação e activos da PGR.

“Por outro lado, Angola representada pela Procuradoria-Geral da República, foi eleita coordenadora da rede de recuperação de activos das procuradorias da Comunidade de Países de Língua Portuguesa [CPLP], criada no encontro de procuradores-gerais da CPLP em Agosto de 2021 em São Tomé e Príncipe”, frisou Hélder Pitta Grós.

Para 2022, o PGR indicou como desafios potenciar o Conselho Superior do Ministério Público, assumindo de facto a gestão e formação dos seus magistrados, igualmente ter em conta que entrará em funcionamento a figura do juiz de garantias, havendo necessidade de adaptação ao novo modelo inaugurado pelo Código de Processo Penal angolano relativo aos actos processuais na instrução preparatória e contraditória dos processos-crimes.

Em ano de previsíveis eleições gerais, a PGR compromete-se a realizar programas e campanhas de educação jurídica e cívica para que “o período eleitoral seja observado com o respeito à legalidade, à pluralidade, pelos direitos, liberdade e garantias fundamentais dos cidadãos”.

“Realçar que para melhor funcionamento e organização da Procuradoria-Geral da República é urgente que tenhamos uma sede própria, sem a qual não podemos dar resposta mais adequada aos inúmeros desafios que se nos apresenta”, disse Hélder Pitta Grós.

O PGR angolano frisou que actualmente quase todos os municípios do país beneficiam de atendimento da PGR, quer com carácter permanente quer de forma itinerante.

De acordo com Hélder Pitta Grós, visando a formação contínua quer dos magistrados do MP quer dos técnicos de justiça foram realizadas acções de formação algumas de iniciativa própria, outras em parceria com o Instituto Nacional de Estudos Judiciários, e outras em Portugal, sob a égide de um protocolo de cooperação com a Universidade de Coimbra.

Folha 8 com Lusa

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