TUDO O QUE NÃO É DO MPLA PASSA A SER DO… MPLA

A Procuradoria-Geral da República de Angola (órgão ao serviço do MPLA) anunciou a entrega da gestão das empresas ZAP Media S.A e Finstar ao ministério que tutela a comunicação social, que deve garantir a reintegração de trabalhadores despedidos do canal ZAP VIVA. Ano de eleições e mais uns tantos jornalistas domesticados a favor do re(i)gime. A ditadura some e segue.

Em comunicado, a Procuradoria-Geral refere que “leva ao conhecimento público que as participações sociais das empresas ZAP Media S.A e Finstar – Sociedade de Investimentos e participações S.A. foram arrestadas em 2019, tendo na altura sido constituídos Fiéis Depositários os Conselhos de Administração das referidas empresas”.

Adianta que, “em virtude do despedimento colectivo dos trabalhadores do Canal ZAP VIVA, efectuado pelos Fiéis Depositários acima citados, o Serviço Nacional de Recuperação de Activos requereu em Tribunal a sua substituição para o Ministério das Telecomunicações, Tecnologia de Informação e Comunicação Social, tendo tal pretensão sido deferida”.

Assim, “o novo Fiel Depositário fica encarregue de reintegrar os trabalhadores despedidos, bem como praticar actos de gestão prudente para a manutenção das empresas”.

A 12 de Janeiro foi anunciado que o canal ZAP Viva, que estava suspenso em Angola desde Abril do ano passado, iria encerrar e despedir centenas de funcionários.

Assim, seria o segundo canal a fechar portas na sequência da decisão do Ministério das Telecomunicações, Tecnologias de Informação e Comunicação Social, que obrigou a suspender canais alegando “inconformidades”, depois da Vida TV, que pôs fim às suas actividades em Julho de 2021, deixando no desemprego mais de 300 profissionais.

A notícia foi avançada a 12 de Janeiro e dava conta que os trabalhadores foram demitidos devido ao longo tempo de inoperância do canal em território nacional, já que se mantinha apenas a emissão em Portugal e em Moçambique.

Artistas e figuras públicas angolanas expressaram, entretanto, a sua solidariedade e lamentaram o fecho do canal, tal como a empresária Isabel dos Santos, detentora da operadora de telecomunicações ZAP, cujas participações sociais foram arrestadas em Dezembro de 2019, a pedido do tribunal provincial de Luanda.

Na sua conta do Instagram, Isabel dos Santos, que vive fora de Angola desde que o pai, o ex-presidente José Eduardo dos Santos, deixou o poder e o entregou ao seu “filho” predilecto (João Lourenço), e enfrenta vários processos judiciais no país, exprimiu “carinho e admiração” pelos colegas da ZAP e disse estar “de coração partido”, manifestando a esperança de “voltar um dia”.

Os trabalhadores da ZAP Viva, por seu lado, fizeram uma oração de agradecimento que circulou nas redes sociais pela oportunidade de trabalho e sustento das famílias nos últimos nove meses.

Em Setembro do ano passado, a operadora angolana tinha já anunciado um processo gradual de despedimentos na sequência da suspensão do canal ZAP Viva, afirmando estar a levar a cabo “as necessárias diligências para a retoma da emissão em território nacional”, apesar de “não se vislumbrar um horizonte temporal de resolução”.

Sem mencionar quantos postos de trabalho estão em causa, a ZAP referia, na altura, estar a “proceder a várias medidas de optimização de diferentes áreas operacionais”, entre as quais consta os recursos humanos afectos à Unidade ZAP Estúdios, responsável pela produção de conteúdos de televisão, onde se inclui o ZAP Viva.

A ZAP resulta de uma ‘joint-venture’ entre a empresa de telecomunicações portuguesa NOS (30%) e a SOCIP – Sociedade de Investimentos e Participações, S.A. (100% controlada por Isabel dos Santos) que disponibiliza televisão por satélite para Angola e Moçambique. O canal ZAP VIVA está disponível em Portugal através da NOS.

No dia 21 de Abril de 2021, o Governo do MPLA suspendeu os canais Record TV África, ZAP Viva e Vida TV, medida justificada com “inconformidades legais”, deixando também suspensos os registos provisórios dos jornais, revistas, páginas web (sites) de notícias e estações de rádio sem actividade efectiva nos últimos dois anos, cuja lista nunca foi divulgada.

Por outro lado, as empresas fornecedoras de televisão por assinatura, nomeadamente, a TV CABO, SA, a DSTV ANGOLA, SA, a FINSTAR – detentora da ZAP TV, estavam devidamente legalizadas, mas distribuíam os canais ZAP Viva, Vida TV e Rede Record sem o registo para o exercício da actividade de televisão em Angola, o que determinou a suspensão.

Na altura, o ministério disse que a sua actuação visava permitir ajustar o processo de atribuição do título de registo definitivo do exercício da actividade às empresas de comunicação social e não deu mais explicações até à data.

Organizações com o Sindicato dos Jornalistas Angolanos e o Instituto para a Comunicação Social da África Austral (MISA-Angola) manifestaram preocupação face a esta decisão, por pôr em causa a pluralidade de informação, que passou a ser veiculada apenas por canais públicos, controlados pelo Estado angolano, e questionaram as leis invocadas para a suspensão.

TUDO O QUE NÃO É DO MPLA… PASSA A SER

O jornalista e conselheiro da ERCA, Reginaldo Silva, lamentou no dia 1 de Outubro de 2021, a limitada intervenção deste órgão, sendo a regulação dominada pelo Governo (MPLA), que tem tido “uma política de terra queimada”.

Reginaldo Silva abordou, em Luanda, a evolução da regulação da comunicação social numa conferência organizada pela Associação de Comunicólogos Angolanos, e criticou a falta de utilidade da ERCA neste campo, já que o poder regulatório continua a pertencer ao Ministério das Telecomunicações, Tecnologias de Informação e Comunicação Social.

O jornalista afirmou que o partido do poder há 46 anos, o MPLA, nunca permitiu que a legislação relativa à regulação evoluísse para uma perspectiva mais participada, pelo que a ERCA, criada em 2017, nasceu com o mesmo “defeito de fabrico” de entidades anteriores, assemelhando-se a um “vaso de flores” (onde a maior parte são de plástico, dizemos nós) sem grande utilidade além de “engalanar o ambiente”.

Reginaldo Silva salientou que a ERCA não dá autorizações, nem participa nos licenciamentos, que continuam nas mãos do Governo, limitando-se a poder dirimir alguns conflitos a nível do direito de resposta.

“Avançámos muito pouco na partilha da regulação”, lamentou, defendendo que o modelo a seguir seria o da regulação partilhada, funcionando a ERCA como um equilíbrio do poder do Estado, sendo chamada, por exemplo, a dar pareceres sobre o licenciamento de órgãos de comunicação social, nomeadamente canais de televisão e rádios.

Neste âmbito, apontou o caso da suspensão de três canais de televisão pelo ministério (ZAP Viva, Vida TV e Record TV Africa, alegando desconformidades legais), defendendo que o controlo do direito de licenciamento “não deve estar só nas mãos de uma entidade político-partidária, que é o ministério”.

“Se houvesse uma gestão equilibrada deste direito, a ERCA devia ser chamada a pronunciar-se e devíamos dar prazos”, realçou o membro da ERCA, afirmando que “foi uma notícia triste” o anúncio de despedimentos na ZAP.

Para Reginaldo Silva, é importante que a liberdade de imprensa seja assegurada pela pluralidade e, consequentemente, por um maior número de canais, o que não tem acontecido: “O último ano de gestão deste Governo em matéria de comunicação social tem sido política de terra queimada, de arrasar, tudo o que não é nosso, fecha. E ninguém pode dizer nada por que a lei não dá poder. A regulação continua a ser controlada quase a 100% pelo Governo”.

O jornalista lembrou que Angola estava a entrar em ano de eleições, sem a regulação que seria desejável com a ERCA, que deveria participar mais deste poder.

“Não há esta partilha e isso torna a nossa regulação pouco democrática e pouco abrangente. A regulação está entregue a uma entidade política e isso não dá garantia suficiente da liberdade de imprensa”, reforçou.

De facto, a Entidade Reguladora da Comunicação Social Angolana (ERCA), continua no seu revolucionário processo de garantir que, conforme ordens superiores do seu patrão (o MPLA), todos os jornalistas devem “transferir” o cérebro para os intestinos e a coluna vertebral para a sede do MPLA, de modo a não serem abrangidos pelas “inconformidades legais”

A antiga deputada do MPLA, Tchizé dos Santos, afirmou em tempos que a medida expunha a “ditadura” de João Lourenço e voltou a queixar-se de perseguição política aos familiares do antigo presidente, ligados a dois dos três canais suspensos (Zap Viva e a VIDA TV).

O Misa-Angola considerou no dia 28 de Maio de 2021 que a liberdade de imprensa no país “está asfixiada”, lamentando o “silêncio” das autoridades sobre a suspensão de vários órgãos privados. Parafraseando João Lourenço a propósito dos massacres de 27 de Maio de 1977, o MPLA pedirá desculpas e perdão e fornecerá certidões de desemprego… gratuitas.

“Trazemos este debate, porque nos últimos anos temos estado a sentir um recuo, uma asfixia a nível da liberdade de imprensa, achamos que é importante trazermos essa reflexão porque vamos olhando, enquanto Misa, com alguma preocupação”, afirmou o jornalista Guilherme da Paixão, do Misa-Angola.

A preocupação do instituto cinge-se, sobretudo, pelas “medidas brutas” usadas para o encerramento de muitos órgãos privados que não se coadunam “com um Governo sério e responsável”, acrescentou.

Aludindo, particularmente, à suspensão das actividades das televisões Zap Viva, Vida TV e Record no país, Guilherme da Paixão lamentou o procedimento das autoridades, considerando que a medida inicial “seria uma advertência”.

Para Guilherme da Paixão existe no país uma “evidente asfixia” dos órgãos privados que deriva igualmente da “falta de apoios, de financiamento” e da publicidade que não aparece, pelo que, considerou, “são muitas liberdades que ficam coarctadas”.

Folha 8 com Lusa

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