TROCA DE PARENTES COM DEFEITO?

A família é um governo não eleito por ti, mas legitimado por natureza para te alimentar de cultura. Educa-te desde que és semente para que não dês folhas, flores e frutos venenosos e sejas arrancado da terra por isso.

Por Fernando Kawendimba
Escritor

Tal como ocupas necessariamente um espaço físico na casa onde vives – com destaque para a tua cama, o teu quarto, o teu lugar privilegiado no sofá da sala de estar – ocupas também uma área no coração dos teus parentes. Ainda que for uma pequena extensão, tens tempo e consciência para conquistares mais e mais o amor de pessoas que são muito importantes para a tua formação contínua e integral enquanto pessoa humana. Sê bom porque és bom. Se for difícil, facilita até que a dificuldade ou a facilidade sejam irrelevantes e a questão seja a naturalidade da boa acção de ti. Como tornar fácil a prática do bem? Atendendo a ordem superior da consciência que te apela a evitar o mal.

A verdade é que a maneira dos teus pais de perceber as coisas é diversa da tua e o teu organismo está “em obras” à maneira “desculpe-nos os transtornos, estamos em obra para melhor atendê-lo”. Isso faz com que tenhas um comportamento estranho para ti mesmo e para os teus pais, algumas vezes, de modo que tenhas de aprender precoce e rapidamente a controlá-lo. Essas transformações físicas e não físicas que acontecem em ti por estares numa fase sempre privilegiada do teu crescimento não resultam apenas em aspectos negativos, aliás muitos homens e mulheres tornam-se pessoas melhores porque se sentem em altura de responder pelos seus actos, solidarizar-se com a família, cuidar do património familiar, enfim, colocar as suas potencialidades ao serviço dos irmãos, pais, avós… diga-se de passagem que esse exercício não tem sido uma realidade evidenciada apenas num período de desenvolvimento específico. Já antes, uma permuta de qualidades se regista entre tu e a tua família, não é? Tu a influencias com a tua originalidade, ao passo que ela te influencia a ti por já estar inserida numa cultura há mais tempo do que tu. De qualquer maneira acertada, capta tu os pontos positivos da cultura para servires a tua família.

Uma família pode apresentar uma configuração diversa em virtude das suas próprias circunstâncias: com ou sem pais, irmãos… unida ou desestruturada… rica ou pobre… crente em Deus ou não… tu deves desempenhar um papel positivo, orientando as tuas energias física e mental para o bem de todos. A necessidade que tens de ser amado também é uma constante nos outros; daí que a permuta de amor resultará sempre como uma prática benéfica e rentável, sobretudo se tiveres a iniciativa de distribuíres esse estado afectivo pelos teus familiares sem esperar que o retribuam a ti. O amor verdadeiro é conteúdo de um reservatório inesgotável, à medida que é partilhado. Por isso, quanto mais precisares de ser amado, ama. Quanto mais precisares de receber amor do teu pai, da tua mãe, dos teus irmãos, dá; vai dando. Se essa prática for exercida com honestidade e pureza, sentir-te-ás a pessoa mais amada. E isso interessa muito nas relações familiares em especial. Falando nisso, nem todos retribuirão o amor que tens por eles. Alguns, mais do que se demonstrarem indiferentes, responderão aos teus estímulos de amor com ódio nos seus mais variado formatos.

Não te importes – muito – com isso. Perceberás que de outras fontes jorrarão amores puros e abundantes, compensadores do que vier a faltar. Acontecerá que o amor que tens pelo pai é o mesmo que a mãe tem por ti ou o ódio que cultivavas pela tua irmã mais velha era o menos que o que o teu irmão mais novo te endereçava. Nesses casos, lembra-te que gentileza gera gentileza. Às vezes nem mesmo os adultos e velhos contemplam a beleza dessa máxima nos seus actos. Não a assimilam. Resistem ao aprendizado. Mas, o meu apelo é que comeces e te empenhes no exercício do amor na tua família.

Há denúncias do comportamento do humano como sendo fortemente marcado pela desobediência, rebeldia, preguiça, dependência de substâncias, irresponsabilidade… certamente já leste ou ouviste alguém a falar nesses termos. A verdade é que de um modo geral essas características são de muitos indivíduos comuns. São comportamentos não desejáveis por e para uma família ideal pois são sinais, causas ou consequências de conflitos, mal-estar e desequilíbrio. A fase de desenvolvimento em que te encontras exige de ti uma transformação acelerada e te dirige para estradas muitos curvilíneas, apertadas e esburacadas. Como nunca tinha acontecido anteriormente, cresces biopsicologicamente, buscas por uma identidade própria em meio a tantos e divergentes modelos, apaixonas-te por pessoas, animais, plantas, teorias, práticas, lugares, situações, às vezes ao mesmo tempo, mas que nem sempre são adequadas a ti, percebes que afinal podes discordar das regras que os teus pais estabeleceram, mas não é conveniente infringi-las, as tuas ideias podem parecer uma salada, aliás, três em uma: de frutas, de legumes e russa… essa bateria de situações podem deixar-te muito confuso, distraído, desorientado. Podes reconhecer isso em ti agora, antes ou depois. Recorre à família. Nela, as personalidades são certamente diferentes. Se calhar conversas melhor com a tua tia que com a tua mãe, em função do nível de confiança que cada uma delas te inspira.

Os humanos experimentam muitas crises profundas do seu estar: às vezes convencem-se que ninguém gosta deles, a começar pelos próprios pais ou irmãos, que o mundo é uma colecção de coisas desagradáveis, que a desistência da vida é a solução mais acertada dos problemas que vive, entre outras percepções que cada um a seu modo poderá descrever porque sente. Pensa bem. É importante que tenhas tempo de pensar ordinariamente sobre as coisas que vives. Tem tempo e o aproveita para esse efeito: pensar bem, avaliar as tuas atitudes, as tuas vontades, as tuas reacções. Quase sempre ao longo do dia. Aconselha-te e deixa-te aconselhar. Lê sobre matérias que te possam ajudar a resolver os problemas que enfrentas.

Respeita os teus pais, irmãos e outros familiares, dentro e fora da casa da onde vives. Consciência não é somente um estado da mente que permite o entendimento da impressão que temos sobre a realidade. É também a responsável pela missão de conservarmos o respeito sobre todos os seres. Podes até hierarquizar o respeito em função dos valores sociais que cada membro da sua família tem em si. Tem em si porque de ano a ano, de século a século solidificou a ideia de respeitarmos os mais velhos, imperativo que, mal interpretado, pode significar a relativização de um indivíduo não seja mais ou, pelo menos, na fale ou aja com a mesma característica típica dos adultos. Quanto a parentes, reclamações podem ser aceites, mas devoluções são um absurdo.

Nota. Todos os artigos de opinião responsabilizam apenas e só o seu autor, não vinculando o Folha 8.

Artigos Relacionados

Leave a Comment