SAÚDE MENTAL É PODER

Um governo que não se comprometa a sério com a promoção da saúde mental é uma doença que tem de ser tratada e prevenida. Um poder político que não tome e não queira a saúde mental como precedência é um problema importante que o povo tem de resolver. A saúde mental é imprescindível para o desenvolvimento humano.

Por Fernando Kawendimba
Psicólogo e escritor

Qualquer forma de progresso é autêntica quando compatível com o desenvolvimento humano. Se o desenvolvimento de infra-estruturas acontece em cenários infra-humanos está-se diante de uma inversão de valores, ou pior, de uma aversão a valores na sua hierarquia axiológica mais recomendável. Entre as populações de baixa renda, no nosso país, os estragos causados por determinadas perturbações mentais têm desmanchando e manchando a saúde pública, desumanizando indivíduos, famílias, sociedades.

O analfabetismo de um político pode prejudicar irreversivelmente a saúde pública. E deste esperar-se-ia o oposto: o apoio político é fundamental para a educação em saúde mental, processo que deve ir estreitando as relações entre psicólogos, psiquiatras e outros profissionais e as populações.

Mais do que discursos, são necessárias acções que visem melhorar a qualidade de vida dos cidadãos. Precisa-se discursos que persuadam todas as pessoas de que as doenças mentais não são alheias à realidade. Precisam-se de políticos que apoiem os planos e programas que, fruto da criatividade e da iniciativa de estudantes, investigadores e profissionais de Psicologia e Saúde Mental, têm sido implementados nas escolas e nas comunidades, comumente em menor escala. É necessária literacia em saúde mental suficiente para reconhecer que as perturbações mentais têm existências reais e tratamentos possíveis.

A ignorância tem desorientado muitas pessoas quando as orienta a buscar soluções para problemas mentais exclusivamente nas autoridades religiosas. A crença infundada de que tudo o que pareça um problema mental é, na verdade, espiritual, é perigosa. Os políticos precisam de prestar atenção aos programas que defendem e difundem para que a saúde mental não fique esquecida ou reduzida à imoralidade ou à “falta de Deus”.

Diante das sociedades que adoecem, a indiferença dos indivíduos que as integram é sintomática. Quem exerce o poder político ou a ele aspire deve acostumar-se a auscultar os povos. O apoio político é capital para a promoção da saúde mental. Na verdade, é importante que, com constância, os governantes se deixem consultar pelos profissionais para cuidarem da própria saúde mental e consultar o público-alvo dos serviços.

Em mais de uma ocasião Kalaf Epalanga, músico e escritor angolano, postulou que tudo em Angola termina em política – estou certo que já o ouvi dizer numa entrevista e li-lhe a visão, de certeza, num dos seus livros publicados. Essa perspectiva desagua na mesma foz do que acredito e compreendo como uma solução plausível para o contexto daqui e d’agora: as políticas desenvolvidas pelos profissionais de Psicologia e Saúde Mental ao lado das populações serão funcionais, em larga escala, se forem apoiadas pelos políticos e seus poderes. Tem de chegar a hora em que algumas figuras inteligentes da classe política se dignem prestar apoio aos projectos propostos que visem tornar as comunidades mais saudáveis. Ser animal político difere de ter políticas animalescas. Definitivamente é necessário que no topo da pirâmide do poder político figurem indivíduos saudáveis a ponto de elevar os níveis de saúde mental dos cidadãos.

Quando a periferia também for o centro da observação dos estudiosos de psicologias e de profissionais de saúde mental estaremos a rimar o real com o ideal. Precisamos de ter os dados epidemiológicos nas palmas da nossa atenção e da nossa compreensão. O projecto de promoção de saúde mental deve ser desenhado sobre o terreno em que se pretende implementá-lo. Para costurar soluções tiram-se as medidas a quem vive o problema. É preciso trocar experiências e ideias com os indivíduos que dão sinais das doenças mentais da sociedade. As evidências têm de ser encontradas para que as políticas sejam desenvolvidas no sentido evolutivo, de facto.

Sendo que a abordagem biomédica ainda predomina em África, esta deve atrelar a saúde mental. Conceber os programas de promoção da saúde mental considerando a funcionalidade dos programas alargado de vacinação, da luta contra o sida e diversos. Enquanto isso, entre os inumeráveis mandamentos, eis algum: respeitar os direitos humanos e a dignidade de quem se encontre em estado de doença mental, bem como de quem lhes oferece cuidado. Mais um: não separarás as políticas de saúde mental das outras necessárias para a garantia da qualidade de vida do indivíduo. Uma vítima de injustiça pode ter problemas mentais. Um indivíduo em idade escolar forçosamente fora do sistema de ensino pode ter problemas de aprendizagem. Uma família sem abrigo pode ver a sua constelação desintegrada, apagar o equilíbrio mental dos seus membros e agravar as doenças mentais da comunidade que estruturam. Uma juventude desempregada e desocupada pode antecipar a caducidade da capacidade de discernimento, memória ou esperança. Povos e povos à fome e sede normalmente têm necessidades de estimas auto e alter por satisfazer também. Em cada ministério de uma estrutura governamental tem de haver um dicastério para a saúde mental. Ser humano sem saúde mental tem de ser cuidado com toda a humanidade que caiba numa consciência. O acesso à saúde mental tem de ser a lei mais dura e que mais cura a ser observada. Cuide-se também dos violentadores das leis pró-saúde mental. Talvez estes também sejam prioritários.

Precisamos de recursos humanos, mas também não humanos para que os programas de promoção de saúde mental não sejam vítimas de aborto no plano das ideias. Se os empresários investissem na saúde mental própria e dos seus colaboradores, clientes e consumidores seriam mais bem-sucedidos. Para a implementação dos projectos, é oportuno angariar fundos, conseguir patrocínios, contar com apoios financeiros.

É importante criar uma estrutura organizativa que desenvolva a cultura de prestação de contas. As avaliações aos programas de promoção da saúde mental têm de ter uma frequência moderada, a cada etapa da sua implementação. O Governo de Angola raramente presta contas aos povos que habitam a extensão territorial do país. O poder político tem de envolver, entretanto tem de ser fiável. A monitorização levará ao bom sucesso dos programas de prevenção de doenças mentais e de promoção de saúde mental que são indispensáveis para as populações de África, de modo peculiar. Saúde mental não pode faltar aos povos em terras africanas, pois é o seu poder supremo.

Nota. Todos os artigos de opinião responsabilizam apenas e só o seu autor, não vinculando o Folha 8.

Artigos Relacionados

Leave a Comment