O presidente do Observatório Eleitoral Angolano, Gabriel Mbilingi, considerou hoje inconveniente a realização de acções eleitorais nos mesmos dias pelas principais forças políticas do país concorrentes às eleições gerais de 24 de Agosto. Ao culpar os angolanos de matumbez eleitoral, Gabriel Mbilingi esquece-se que não foi o Povo que, por exemplo, falou de festejar com uma cabidela de galo negro… ou branco.
Segundo Gabriel Mbilingi, que falava à saída de um encontro com a presidente da sucursal do MPLA para assuntos constitucionais, o Tribunal Constitucional, Laurinda Cardoso, o cidadão angolano ainda não tem a cultura democrática enraizada, por isso “não é conveniente que estas manifestações tivessem lugar no mesmo dia”.
“É claro que têm esse direito, podem fazer isso, mas é aí que seria já prudente não colocar isso no mesmo dia”, referiu Gabriel Mbilingi, arcebispo do Lubango, que no encontro se apresentou à presidente da sucursal do MPLA com estas teses de quem, afinal, se esquece que os altos dignitários políticos existem para servir o Povo e não para dele se servirem.
No sábado, as três maiores forças políticas do país, concorrentes às eleições gerais de 24 de Agosto, o MPLA (no poder há 46 anos), a UNITA (o maior partido da oposição que o MPLA ainda permite), e a CASA-CE, segunda maior força da oposição, no mandato que termina, vão realizar acções na província de Luanda, capital do país ou – como parece entender Gabriel Mbilingi – do reino.
Gabriel Mbilingi disse esperar que os cidadãos, especialmente o eleitor e não eleitor de Luanda que participar dessas manifestações, “não façam daquilo um espaço para se guerrearem uns aos outros e até para se desprezarem uns aos outros”.
De acordo com o presidente do Observatório Eleitoral, algum incidente seria a revelação de que as pessoas não estão a acatar aquilo que é a disposição reiterada pelos partidos concorrentes (como comprova a linguagem bélica do candidato do MPLA, João Lourenço), que nos seus actos de massa têm vindo a apelar para a harmonia e para a paz, mesmo quando são chamados de arruaceiros.
Para Gabriel Milingi, é de todo lamentável “e não ajuda a que se crie um ambiente eleitoral pacífico”, quando as lideranças mesmo nesta fase de pré-campanha “já têm uma linguagem que tendem a viciar aquilo que é a competência dos responsáveis dos partidos concorrentes”. O (também) arcebispo do Lubango esquece-se que a verdade é o melhor predicado dos homens de bem, pelo que deveria dizer os nomes dos verdadeiros arruaceiros, não se escudando na cobarde estratégia de misturar tudo, fazendo o justo pagar pelo pecador.
O prelado, certamente despido da sua sotaina, reiterou o apelo no sentido de que os principais responsáveis dos partidos concorrentes tenham “toda a cautela e toda a responsabilidade de não fazer com que o clima eleitoral seja à partida minado pelas mensagens que fazem passar e até pela falta de respeito que se tem em relação aos partidos concorrentes”.
“Já o apelo foi feito e é nesse sentido que estou a repeti-lo hoje (…), que têm de moderar a linguagem, têm de ser os primeiros responsáveis para a criação de um ambiente que permita que as eleições sejam mesmo uma festa democrática”, sublinhou Gabriel Milingi, admitindo-se que depois tenha ido confessar os seus pecados, nomeadamente o de perjúrio.
A voz do Povo é a voz de Deus, arcebispo Gabriel Milingi?
“Muitos governantes que têm grandes carros, numerosas amantes, muita riqueza roubada ao povo, são aparentemente reluzentes mas estão podres por dentro”. Esta foi e é, por muito que nos custe, a realidade do nosso país. Pena é que a Igreja Católica, por exemplo, tenha medo, continue a ter medo, da verdade.
Gabriel Milingi lembrar-se-á, por exemplo, do que D. José de Queirós Alves, arcebispo do Huambo, afirmou em Julho de 2012 na comuna de Chilata, município do Longonjo, a propósito das eleições?
O prelado referiu que o povo angolano tinha muitas soluções para construir uma sociedade feliz e criar um ambiente de liberdade onde cada um devia escolher quem entender.
“Temos de humanizar este tempo das eleições, onde cada um apresenta as suas ideias. Temos de mostrar que somos um povo rico, com muitas soluções para a construção de uma sociedade feliz, criar um ambiente de liberdade. É tempo de riqueza e não de luta ou de murros”, frisou.
”Em Angola, a administração da justiça é muito lenta e os mais pobres continuam a ser os que menos acesso têm aos tribunais”, afirmou em 2009 (nada de substancial mudou até agora), no mais elementar cumprimento do seu dever, D. José de Queirós Alves, em conversa com o então Procurador-Geral da República, João Maria Moreira de Sousa.
D. José de Queirós Alves admitia também (tudo continua na mesma) que ainda subsiste no país uma mentalidade em que o poder económico se sobrepõe à justiça.
O arcebispo pediu maior esforço dos órgãos de justiça no sentido das pessoas se sentirem cada vez mais defendidas e seguras: “O vosso trabalho é difícil, precisam ter atenção muito grande na solução dos vários problemas de pessoas sem força, mas com razão”.
Importa ainda recordar, também a Gabriel Milingi, e a bem dos que não têm força mas têm razão, que numa entrevista ao jornal português “O Diabo”, em 21 de Março de 2006 (16 anos depois tudo continua na mesma), D. José de Queirós Alves disse que “o povo vive miseravelmente enquanto o grupo ligado ao poder vive muito, muito bem”.
Nessa mesma entrevista ao Jornalista João Naia, o arcebispo do Huambo considerou a má distribuição das receitas públicas como uma das causas da “situação social muito vulnerável” que se vive Angola.
D. Queirós Alves disse então que, “falta transparência aos políticos na gestão dos fundos” e denunciou que “os que têm contacto com o poder e com os grandes negócios vivem bem”, enquanto a grande massa populacional faz parte da “classe dos miseráveis”.
Em 2011 o MPLA celebrou um acordo com a Igreja Católica para que esta o apoiasse na campanha eleitoral de 2012. Pelo que se sabe, em 2017, esse acordo continuou válido. Será inda válido em 2022?
Terá Igreja Católica tentado agradar ao “seu” deus (José Eduardo dos Santos/MPLA) e ao nosso “diabo” (João Lourenço/MPLA)?
Da parte do partido no poder agenciou o acordo de 2011 Manuel Vicente, na então condição de PCA da Sonangol a mando de Eduardo dos Santos, ao passo que da parte da Igreja estiveram alguns bispos do regime, Dom Damião Franklim e a Filomeno Vieira Dias de Cabinda, com orientações do militante cardeal Alexandre do Nascimento.
Que a hierarquia da Igreja Católica de Angola continuará a querer agradar ao Poder, aviltando os seus mais sublimes fundamentos de luta pela verdade e do espírito de missão, que deveria ser o de dar voz a quem a não tem, não é novidade.
Recorde-se também que no final de 2011, D. José Manuel Imbamba disse que os padres que teimavam em defender os interesses dos cabindas não foram afastados por razões políticas, mas por questões disciplinares, nomeadamente por não manterem uma boa relação pastoral com o bispo D. Filomeno Vieira Dias.
D. José Manuel Imbamba sabia que estava a mentir. Foi grave. Ou estava calado ou, se para tanto tivesse coragem, falaria das pressões do regime angolano sobre os prelados que – tal como aprendeu o arcebispo de Saurimo – apenas querem dar voz a quem a não tem.
Aliás, o mesmo se passou com D. Filomeno Vieira Dias que só de vez em quando, raramente, quase nunca, se ia lembrando do “rebanho” que tinha a seu cargo como bispo de Cabinda.
Quando instado a comentar as detenções no estrangeiro de activistas dos direitos humanos de Cabinda, a mando do regime de Luanda ou – quem sabe? – de qualquer força extraterrestre, como a de Agostinho Chicaia, o prelado católico não quis (pudera!) desagradar aos donos do poder em Angola e refugiou-se no argumento de que não comentava um caso que tinha ocorrido fora do país.
Consta, contudo, que D. Filomeno Viera Dias se mostrou preocupado com aquilo que chamou de incapacidade de diálogo entre as pessoas. Pois é. Todos que ousem pensar de forma diferente do MPLA são culpados até prova em contrário.
Antes, a 3 de Maio de 2010, D. Filomeno Vieira Dias dissera que a liberdade de informar e de ser informado é um direito fundamental que não deve ser subalternizado.
“A liberdade de imprensa é um direito ligado às liberdades fundamentais do homem”, sublinhou na altura o prelado, falando a propósito do Dia Mundial da Liberdade de Imprensa, proclamado pela UNESCO em 1993.
É um direito mas, note-se, apenas nos Estados de Direito, coisa que Angola não é de facto, embora de jure o queira parecer. Aliás, nenhum Estado de Direito viola os direitos humanos de forma tão soez e execrável como faz o regime angolano.
“Quando celebramos esse dia, devemos olhar para o seguinte: que é uma grande responsabilidade informar e informar sempre com verdade,” destacou D. Filomeno Vieira Dias, certamente pedindo de imediato perdão a Deus por ele próprio não contar a verdade toda.
E se uma das principais tarefas dos Jornalistas é dar voz a quem a não tem, também a Igreja Católica tem a mesma missão devendo, aliás, ser ela a dar o exemplo. O que não acontece.
Frei João Domingos, por exemplo, afirmou numa homilia em Setembro de 2009, em Angola, que Jesus viveu ao lado do seu povo, encarnando todo o seu sofrimento e dor. E acrescentou que os nossos políticos e governantes só estão preocupados com os seus interesses, das suas famílias e dos seus mais próximos.
“Não nos podemos calar mesmo que nos custe a vida”, disse Frei João Domingos, acrescentando “que muitos governantes que têm grandes carros, numerosas amantes, muita riqueza roubada ao povo, são aparentemente reluzentes mas estão podres por dentro”.
Folha 8 com Lusa