No mais ou menos seu (quase) livro “Uma Vida de Luta”, Maria Luísa Abrantes juntou alguns laivos da sua memória a uns tantos “post its” rabiscados com anotações feitas à medida por fontes oportunas e, talvez inspirada por Alfred Hitchcock, dedicou algum espaço ao que chamou “O Folha 8, William Tonet e o FBI”.
Ao seu estilo, Milucha (que, recorde-se, recentemente disse que em 1993 era alvo de tenaz perseguição nas redes sociais que, por sinal, nasceram dois anos depois…) escreve que “a partir do momento em que comecei a explicar de forma técnica (numa altura em que ainda não existia internet), como era e porque é que havia corrupção, passei de pessoa maravilhosa, com quem gostavam de trabalhar, a “pedra no sapado” dos DDT, que era preciso fazer desaparecer, ou em último caso, arremessar para bem longe».
Mas o melhor mesmo para a sanidade mental dos nossos leitores (rir é um bom remédio) é transcrever “ipsis verbis” o conteúdo do texto de Maria Luísa Abrantes, um verdadeiro conjunto de palavras que revelam, reconheça-se, o eruditismo da autora:
«No início dos anos 90, começaram a utilizar o “Folha 8”, propriedade do William Tonet e o “Semanário Angolense”, depois de ser vendido pelo meu primo Afonso Dias da Silva, que passou a ter como testa-de-ferro Graça Campos. A verdade é que há muita gente, incluindo jornalistas, que têm um discurso para fora, completamente oposta à sua prática do dia-a-dia. No caso do William Tonet, que eu considerava um jovem empreendedor e criativo, mesmo antes de ter concluído o ensino médio, por ter mostrado na prática o seu talento, ao ser realizador do programa da TPA Reconstrução Nacional.
«Embora não o conhecesse pessoalmente, acedi em recebê-lo nos finais dos anos 80, quando a esfera ideológica do MPLA dirigida por Roberto de Almeida, mandou suspender o programa, simplesmente por mostrar a realidade nua e crua e proibiu que as empresas públicas da comunicação social passassem as músicas da Lurdes Van-Duném, por ter trabalhado antes da independência na emissora “Voz da América”. Não só recebi o William Tonet, como o apoiei e o seu programa voltou de novo para o ar.
«Mais tarde, no início dos anos 90, o William Tonet pediu para falar comigo. Apareceu acompanhado, teceu-me rasgados elogios e agradecimentos e apresentou-me o projecto da criação da Associação vocacionada para a defesa dos direitos humanos, e caso eu estivesse de acordo deveria dar-lhe a cópia do meu BI, o que fiz.
«A partir desta data sumiu, tendo tempos depois ouvi dizer, o que confirmei, que de facto teria criado a Associação dos Direitos Humanos, de que se fez Presidente, sem me explicar para que serviu o meu BI, porque nunca mais fui tida ou achada. A minha maior surpresa foi quando meses depois de chegar a Washington D.C., li no jornal “Folha 8”, que propositadamente uma pessoa amiga me enviou, que eu era extravagante e gastadora do dinheiro da Presidência da República, porque tinha matriculado o meu filho numa escola privada francesa, estando no Estados Unidos da América, um país anglófono.
«Na ocasião indaguei-me, qual era a motivação para que uma pessoa, que não obstante não fosse das minhas relações, que afirmara ter simpatizado comigo e rever-se nas minhas posições, não me ter contactado pera tirar essa dúvida, porém decidi engolir essa.
«Entretanto, passado pouco tempo, um certo dia, ao final da tarde, apareceram no apartamento onde eu morava dois polícias do FBI à civil, a pedir para revistarem o meu apartamento, porque tinham recebido uma denúncia, de que eu vendedora de droga.
«Depois da revista pediram-me desculpa, dizendo poder ter sido uma denúncia falsa. Fiquei completamente derreada, porque estava sozinha e a tentar afastar-me de perseguição política em Angola e aparecia-me não uma polícia qualquer, mas o FBI.
«Uma amiga americana apresentou-me uma advogado, que estava reformado do FBI, que por deontologia profissional, ofereceu-se para investigar donde partira a falsa denúncia sem me cobrar nada. O mesmo voltou com a resposta, de que a falsa denúncia teria partido de alguém da comunidade angolana, mas nunca lhe diriam o nome.
«Mais estranho ainda, é que comuniquei ao Presidente da República, que me aconselhou a informar o Embaixador de Angola nos Estados Unidos, mas eu respondi-lhe que decidira não partilhar a notícia com ninguém, para ver se algum jornal angolano privado retomava a notícia, para tentar chegar ao mandante, que desconfiava ser da Segurança Presidencial. Qual não foi o meu espanto, quando o “Folha 8” noticiou o facto, que só eu, o FBI e o Presidente da República sabíamos.»
A RESPOSTA DE WILLIAM TONET
«Estimada Maria Luísa Abrantes mantenho o mesmo respeito e consideração.
Li alguns excertos da sua obra e, devido a algumas imprecisões em relação a minha pessoa, urge alguns esclarecimentos.
Não duvido do que tem vivido e passado, no percurso da sua vida de luta.
Boa luta, principalmente, quando nos últimos tempos, fala sem amarras de nenhuma espécie. É uma opção nobre e positiva.
No caso vertente, obra sobre o percurso da sua vida, não responderei à letra, por desnecessário, logo os excessos ficarão a cargo de quem os profere e serão escrutinados pelos leitores, em função do seu percurso pessoal.
Vamos aos factos sobre relevantes imprecisões contidas na sua obra: “Uma vida de luta:
I) Nunca fui realizador do programa Reconstrução Nacional;
II) Fui realizador do Programa Panorama Económico, na TPA;
III) O programa Panorama Económico, que eu realizei, nunca foi suspenso, por Roberto de Almeida, que fosse do meu conhecimento e, depois, tenha reatado. Se ocorreu, desconheço. Os arquivos estão na TPA, o programa teve um começo e um fim. Único!
IV) Nunca tive ciência de Maria Luísa Abrantes ter trabalhado no DIP e, nessa condição, tivesse emprestado alguma serventia para um eventual retorno do programa (que tivesse sido suspenso). Juro Dra. Milucha não me lembro dessa intermediação. Será, que não falamos sobre as agruras do 27 de Maio de 1977?
V) O Programa Panorama Económico, demorou um ano a ser aprovado e foi, não por Roberto de Almeida, mas pelo então secretário da Esfera Económica e Produtiva, Pedro de Castro Van Dunem Loy (falecido);
VI) Fomos em período épico do totalitarismo, sem liberdade de imprensa, multipartidarismo, os primeiros a denunciar, aberta e publicamente, as práticas de gestão danosa, despesismo e corrupção.
Mais do que simples palavras de ocasião, os dados e arquivos da TPA, estão aí….
VII) Nunca fui utilizado por ninguém para fazer campanha contra Maria Luísa Abrantes, nem o faria, em respeito e homenagem à memória de um companheiro de infortúnio, no 27.05.77: Tilo;
VIII) Um jornal onde impera liberdade de expressão e democracia é feito a várias mãos e o Folha 8 não foge à regra, pelo que uma notícia nele publicada não significa ser exclusiva do seu director;
IX) É muita coincidência os relatos de Washington, por carecerem de nomes, quando é importante apurar-se a veracidade dos factos, pois a própria notificação e os agentes são, nos Estados Unidos, identificados, quando em serviço público, logo as cópias trazem dados pessoais que podem ser publicados. Estranho o refúgio de toda essa gente no anonimato.
Ao menos, como desde sempre, lá, nos Estados Unidos e cá, em Angola, o Folha 8 tem nome, rosto, assume os seus erros e virtudes, não se escondendo. Nunca!
X) No mais, ninguém me conhece como camaleão, traidor, corrupto, que tenha extorquido alguém do regime do MPLA, nem vendido ilusões em troca de 30 dinheiros. Nos Estados Unidos não tenho cadastro de trafegar informações com o FBI e, por esta razão, desafio-a a publicar e denunciar, publicamente, qualquer dado em sua posse, sob minha autorização expressa.
XI) Sou, pessoalmente, contra toda e qualquer acusação caluniosa, principalmente, quando não suportada em dados e factos reais.
No mais, no mesmo pedestal de humildade e em nome da verdade material, sempre a considerá-la.»
[…] Source: Folha 8 […]