PERDER UM OLHO OU OS DOIS?

O presidente da UNITA, Adalberto da Costa Júnior, evoca os “pais da nação”, prometendo cumprir o ideal de construir a pátria angolana e pediu um debate entre os candidatos presidenciais. Se estivéssemos num Estado de Direito Democrático…

Adalberto da Costa Júnior, que marcou o arranque da campanha eleitoral em Benguela, ladeado dos nº2 e nº3 das listas da UNITA, Abel Chivukuvuku e Justino Pinto de Andrade, respectivamente.

Cantando e entoando “gatunos fora” e “MPLA caiu”, os militantes e simpatizantes da UNITA seguiram os três políticos numa caminhada festiva, em tons de verde e vermelho – as cores da UNITA -, que encheu as ruas de Benguela com uma enorme massa humana e terminou no campo adjacente ao aeroporto.

Mostrando a diferença entre um Estadista e um ditador, Adalberto da Costa Júnior recordou o fundador da UNITA, Jonas Savimbi, e o seu sonho de realizar a pátria angolana, mas destacou que este era também um projecto de Holden Roberto, fundador da FNLA, e do primeiro presidente de Angola, Agostinho Neto, do MPLA, partido que governa o país desde a independência.

“Três pais da nação” que, sublinhou, “pensaram numa Angola para os seus filhos, uma Angola de dignidade, de riquezas e de oportunidades”, prometendo resgatar os ideais que “foram esquecidos e perdidos”, assumindo a “missão de realizar a pátria mãe de todos os angolanos”.

No discurso repetiu as críticas à comunicação social pública (sumptuosamente sustentada pelo dinheiro roubado ao Povo) devido à parcialidade na cobertura eleitoral, salientando que “há um partido que teve transmissão directa dos seus comícios”, ao contrário dos outros partidos.

“Esperei que não houvesse mais diferenciação com o início da campanha, mas afinal enganei-me, afinal há partidos que são mais do que outros?”, questionou o dirigente do “Galo Negro”.

Vincando os apelos à alternância, o presidente da UNITA disse que “já não é tempo de promessas, é tempo de balanços”, tendo em conta que o país é independente há 46 anos, e lamentou a degradação do estado democrático e de direito e a diminuição das liberdades, nos últimos cinco anos, coincidindo com o mandato de João Lourenço, que se recandidata ao cargo.

O líder da UNITA apontou também os “parentes e amigos mortos” que estão na lista para votar, avisando que o partido está atento e estimando que há mais de 2,5 milhões de pessoas falecidas que constam como eleitores.

“Desde 1996 que não se faz a depuração dos mortos nas listas. Querem enganar quem? Vão aceitar ir às eleições com essas listas?”, perguntou Adalberto da Costa Júnior, pedindo aos milhares de militantes e simpatizantes que ajudem nesta verificação e tomem conta da segurança do voto, “organizadamente”.

Frisando a necessidade “de um país diferente com uma liderança comprometida em servir o país”, Adalberto da Costa Júnior ironizou com a construção da Basílica da Muxima, anunciada esta semana pelo presidente angolano e recandidato, que acusou de estar a tentar “comprar” a igreja.

Alertou ainda para o facto de o governo estar em gestão, uma vez que, com o início da campanha eleitoral para as eleições marcadas para 24 de Agosto, o Presidente “não pode assinar nada”, nem fazer “os contratos simplificados que financiam o seu partido”.

Apontou também a necessidade de assegurar que a campanha decorre em ambiente pacífico, de tolerância e de harmonia, insistindo em que se ignorem as provocações.

“Onde te provocarem, vai embora, onde virem uma emboscada, vai embora, não é atitude de cobardia, é de inteligência”, salientou Adalberto da Costa Júnior, insistindo nos apelos à não violência.

Adalberto da Costa Júnior repetiu as ideias de que vai “governar para todos, os que votaram e não votaram”, saudando “todos os partidos e lideranças” deixando o convite à realização de debates entre todos os candidatos, que considerou um dever.

“Os cobardes fogem, vamos punir os cobardes, não estão à altura do seu povo maravilhoso. Nós não temos medo, nós estamos seguros do apoio do povo”, disse Adalberto da Costa Júnior.

A IMPORTÂNCIA DE TER MEMÓRIA

Adalberto da Costa Júnior apela, e bem, à não violência. No entanto, todos sabemos do que o MPLA é capaz. Todos sabemos que o MPLA não sabe viver sem ser no Poder. O regime do MPLA está morto, só ainda não sabe. E, convenhamos, como ainda não sabe não terá problemas em completar o que deixou a meio em 1992: o massacre de cidadãos Ovimbundus e Bakongos, onde morreram 50 mil angolanos, entre os quais o vice-presidente da UNITA, Jeremias Kalandula Chitunda, o secretário-geral, Adolosi Paulo Mango Alicerces, o representante na CCPM, Elias Salupeto Pena, e o chefe dos Serviços Administrativos em Luanda, Eliseu Sapitango Chimbili.

O massacre ocorreu depois de uma fase de paz que se seguiu aos acordos do Alto Kauango e de Bicesse, celebrados em Maio de 1991. A guerra civil entrou então numa nova fase e prolongou-se por mais dez anos.

“Foi naturalmente um dia horrível. Estava-se a discutir a paz”, recordou em Outubro de 2012 à DW Filomeno Vieira Lopes, líder do Bloco Democrático. Ele lembrava-se bem da data que interrompeu o processo de paz em Angola.

Filomeno Vieira Lopes estava fora de casa quando começaram os bombardeamentos. Foi apanhado de surpresa, sobretudo numa altura em que se tentava encontrar soluções políticas para o problema. “Matava-se tudo. Matavam-se todos os que tivessem alguma ligação com a oposição.”

Milhares de apoiantes e até dirigentes da UNITA foram assassinados em Luanda e em outras localidades do país, mas a sanha do MPLA, cujo ADN assassino já mostrara todo o seu potencial em 1977 (nos massacres de 27 de Maio), também não poupou a FNLA.

“Foi a primeira vez, na história da guerra civil angolana, que políticos morrem em combate”, escreveu o jornalista Emídio Fernando no livro “Jonas Savimbi: No lado errado da História”.

Até hoje, permanece por esclarecer quem ordenou o massacre. O número de vítimas também nunca foi confirmado, mas estima-se que tenham morrido cerca 50 mil pessoas. Números que os sipaios do MPLA, contestam:

“Acho que, às vezes, a comunidade internacional empola. Houve uma manipulação desses resultados. Eventualmente fala-se das pessoas que morreram pela UNITA, mas também morreu muita gente pelo lado do governo. A UNITA quando ocupou o Uíge matou muita gente do MPLA e quando ocupou o Huambo, fez o mesmo,” justifica Mário Pinto de Andrade.

Os assassinatos ocorreram após as eleições presidenciais e legislativas de 1992, as primeiras na história do país. Nem o candidato do MPLA, José Eduardo dos Santos (que esteve no Poder durante 38 anos), nem o seu adversário, Jonas Savimbi, da UNITA, conseguiram maioria absoluta nas presidenciais.

Mas a segunda volta nunca se realizou. A guerra civil reacendeu-se com o massacre e prolonga-se até 4 de Abril de 2002. O massacre também dizimou muitos membros dos grupos étnicos Ovimbundu e Bakongo, historicamente tidos como adversários do MPLA.

De facto, como antes, como agora, como no futuro, o MPLA quis neutralizar todos os que pensavam de maneira diferente do regime.

Foi uma tentativa de decapitar a UNITA. Tanto que fala-se em milhares de mortos, eventualmente até em cerca de 50 mil. É certo que também o próprio vice-presidente da UNITA, Jeremias Chitunda, tal como Mango Alicerces [secretário-geral da UNITA] e Elias Salupeto Pena [sobrinho do líder do partido, Jonas Savimbi] foram mortos nesse massacre. Na história do MPLA, os massacres, ou as purgas, ou o que se lhe quiser chamar, são uma regra estratégica do regime, mesmo até para os próprios simpatizantes do MPLA que, eventualmente, se atrevam a pensar de forma diferente dos líderes.

O tema, como outros, ainda é tabu em Angola e desconhecido pelas novas gerações, embrutecidas, formatadas e manipuladas pelo MPLA.

Estes massacres, quer o de 27 de Maio de 1977, quer o de 1992, são os mais visíveis pelo número de vítimas, mas o MPLA tem muitas outras histórias porque ao longo da guerra – embora a UNITA obviamente também tenha cometido grandes erros – o MPLA, até pelo poder militar que tinha, massacrou muita gente inocente. A paz e reconciliação em Angola nunca se conseguirá com base na mentira ou com a construção de memoriais.

Um dia destes o MPLA vai provar que o massacre do Pica-Pau em que, no dia 4 de Junho de 1975, perto de 300 crianças e jovens, na maioria órfãos, foram assassinados e os seus corpos mutilados no Comité de Paz da UNITA em Luanda… foram obra da UNITA.

Como irá provar que o massacre da Ponte do rio Kwanza, em que no dia 12 de Julho de 1975, 700 militantes da UNITA foram barbaramente assassinados, perto do Dondo (Província do Kwanza Norte), perante a passividade das forças militares portuguesas que garantiam a sua protecção, foi obra da UNITA.

Ou de, entre 1978 e 1986, centenas de angolanos terem sido fuzilados publicamente, nas praças e estádios das cidades de Angola, uma prática iniciada no dia 3 de Dezembro de 1978 na Praça da Revolução no Lobito, com o fuzilamento de 5 patriotas e que teve o seu auge a 25 de Agosto de 1980, com o fuzilamento de 15 angolanos no Campo da Revolução em Luanda.

Ou de, em Junho de 1994, a Força Aérea ter bombardeado a Escola de Waku Kungo (Província do Cuanza Sul), tendo morto mais de 150 crianças e professores, bem como entre Janeiro de 1993 e Novembro de 1994 ter bombardeado indiscriminadamente a cidade do Huambo, a Missão Evangélica do Caluquembe e a Missão Católica do Kuvango, tendo morto mais de 3.000 civis.

É verdade, reconhecemos, que tudo o que de mal se passou, passa ou passará em Angola é sempre culpa da UNITA. Desde logo porque as balas das FALA matavam apenas civis e as das FAPLA/FAA só acertavam nos militares inimigos. Além disso, como também é sabido, as bombas lançadas pela Força Aérea do MPLA só atingiam alvos inimigos e nunca estruturas civis.

Como dizia um outro sipaio do MPLA, que para ser director do Pravda do regime (Jornal de Angola) teve de ser operado e passar a ter o cérebro para o intestino, de seu nome José Ribeiro, “quem viveu tantos anos sob o regime de Jonas Savimbi e agora prospera à sombra do mundo da mentira elevada ao nível mundial, jamais consegue perceber o sentido da liberdade nem respeitar os direitos dos outros”.

Terá sido, aliás, por influência desta tese de José Ribeiro que o actual ministro da Defesa de Portugal, João Gomes Cravinho, disse, em entrevista ao jornal português Expresso, que Jonas Savimbi era um “Hitler africano”.

Em síntese, quem estiver sempre a recordar o passado deve perder um olho.
Mas quem o esquecer deve perder… os dois.

Folha 8 com Lusa

Artigos Relacionados

Leave a Comment