ORA VAMOS LÁ A MAIS UM… ARRESTO!

O Tribunal Supremo (TS) angolano determinou o arresto preventivo dos bens da empresária Isabel dos Santos, avaliados em mil milhões de dólares (941 milhões de euros), nomeadamente 100% das participações sociais da empresa Embalvidro, onde a arguida é beneficiária efectiva.

Segundo o acórdão, a câmara criminal do TS refere que o arresto abrange também a todos os saldos bancários de depósitos à ordem tituladas ou co-tituladas, sedeadas em todas as instituições bancárias, incluindo as contas de depósito a prazo, outras aplicações financeiras que estejam associadas ou dossiês de títulos em nome de Isabel dos Santos.

O despacho do Supremo Tribunal, datado de 19 de Dezembro de 2022, indica que, entre os bens indicados a arrestar, estão 70% das participações sociais na empresa UPSTAR Comunicação em que a “arguida é beneficiária efectiva”.

Na MSTAR S.A, empresa de telecomunicações em Moçambique, devem ser arrestadas 70% das participações da empresária Isabel dos Santos, filha do ex-Presidente angolano, José Eduardo dos Santos, falecido em Agosto passado, em Espanha.

O arresto preventivo dos referidos bens, observa do despacho assinado pelo juiz Daniel Modesto Geraldes, surge ao abrigo das leis angolanas e do artigo 31º da Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção.

A NOVELA DOS ARRESTOS QUE INCLUIU BRUCE LEE

A empresária Isabel dos Santos acusou, em Maio de 2020, Angola e Portugal de terem usado como prova no arresto de bens um passaporte falsificado (foto), com assinatura do mestre do kung-fu e actor de cinema já falecido, Bruce Lee.

Segundo um comunicado da empresária, o Estado do MPLA terá usado como prova para fazer o arresto preventivo de bens “um passaporte grosseiramente falsificado, com uma fotografia tirada da Internet, data de nascimento incorrecta e uso de palavras em inglês, entre outros “sinais de falsificação”.

“Os factos e imagens falam por si . A verdade hoje chega ao de cima sobre o fraudulento processo de arresto, baseado em provas forjadas e falsificações. Contra factos não há argumentos. Um “Passaporte Falso” foi dado pelo Tribunal como sendo meu”, afirmou na altura Isabel dos Santos.

O passaporte em causa terá sido usado como prova em tribunal pela Procuradoria-Geral da República do MPLA para demonstrar que Isabel dos Santos pretendia ilegalmente exportar capitais para o Japão, alegou a filha do antigo Presidente angolano José Eduardo dos Santos e alvo a “abater” na suposta luta contra a corrupção encetada por João Lourenço.

A empresária acusou a PGR que desde sempre foi uma sucursal do MPLA e não um organismo independente ao serviço de Angola, de fazer uma “utilização fraudulenta do sistema de justiça de Angola” para se apoderar do seu património empresarial e apelou à justiça portuguesa, que decidiu cooperar servil e cegamente com Angola, e executou vários arrestos em Portugal, para que “à luz desta denúncia e de outras que se seguirão, “reavaliar estas execuções às cegas”.

Independentemente das teses da PGR do MPLA e de Isabel dos Santos, parece cada vez ais claro que todo o processo, para além de mostrar que os seus pés de barro estão a desmoronar-se, é um acerto de contas mal feito e politicamente letal para as partes envolvidas.

“Arrestar não só os bens pessoais, como o produto de contas bancárias, mas os activos que constituem o império económico e financeiro de Isabel dos Santos em Portugal, como a NOS, o EuroBic ou a Efacec, é fundamental para começar a desmontar este império sujo que Isabel dos Santos criou com enorme cumplicidade das autoridades políticas e regulatórias portuguesas”, afirmou João Paulo Batalha, então presidente da direcção da Associação Cívica Integridade e Transparência, no dia 15 de Abril de 2020 à DW, comentando a decisão da justiça portuguesa, tomada em Março, de congelar as participações da filha do ex-Presidente angolano em empresas como a NOS e Efacec.

Para João Paulo Batalha, este foi um passo importante para evitar que Isabel dos Santos fuja com o referido património e se ponha a salvo da justiça, quer portuguesa quer angolana. Em Janeiro de 2020, as autoridades angolanas solicitaram a colaboração da justiça portuguesa para o arresto das participações que Isabel dos Santos detém nas sociedades NOS, Efacec e no Eurobic, como via para obter garantia de retorno patrimonial de 1,2 mil milhões de dólares (cerca de 1,15 milhões de euros).

Certo é que este é um imbróglio que não consegue separar o que é da justiça e o que é da política: De certa forma, a justiça portuguesa está a ser instrumentalizada pela PGR de Angola, porque, por exemplo, em Angola, as empresas da Isabel dos Santos não estavam a sofrer um tratamento nem sequer aproximado do que a justiça portuguesa estava a fazer com as suas empresas.

Em Abril de 2020, a Winterfell, empresa de Isabel dos Santos que controlava a Efacec, acusou a justiça angolana de provocar “danos injustificáveis” às empresas portuguesas e estar a usar indevidamente a justiça em Portugal para “fins não legais e desproporcionais”.

Em comunicado citado pela agência Lusa, a empresa salientou que a justiça angolana, além de ter arrestado bens num valor superior ao suposto crédito reclamado a Isabel dos Santos (1,1 mil milhões de euros), dá um tratamento diferente a empresas portuguesas e angolanas, solicitando medidas judiciais em Portugal que não foram aplicadas em Angola.

Como exemplo, a Winterfell lembrava que, em Angola, “o procurador não solicitou o bloqueio das contas das empresas, nem impediu que fossem pagos salários, rendas, impostos, água e luz”, enquanto em Portugal “pediu o bloqueio das contas, impedindo-as de operar e forçando a sua insolvência, levando ao despedimento de uma centena de trabalhadores”, situação agravada então pela crise decorrente da pandemia de Covid-19.

A PGR angolana deu um passo maior do que a perna e agora não sabe como é que há-de descalçar a bota. E, portanto, está de alguma forma a tentar que a justiça portuguesa faça o trabalho que ela não consegue fazer.

O próprio processo movido contra Isabel dos Santos é um processo juridicamente mal feito e que politicamente tenta mostrar uma realidade que, de facto, não correspondia aos factos. Quer o Tribunal Central de Instrução Criminal de Lisboa, quer a justiça portuguesa, em geral, não têm a noção de que este é um caso político, um acerto de contas mal feito por parte da PGR angolana.

João Paulo Batalha nas referidas declarações à DW mostrou-se esperançado que seja possível devolver ao povo angolano grande parte dos activos desviados, mas considerava também fundamental investigar a origem da fortuna de Isabel dos Santos e os crimes de corrupção, de favorecimento e de branqueamento de capitais que eventualmente lhe são imputados, respectivamente em Angola e Portugal. O então presidente da Integridade e Transparência considerava que a justiça portuguesa continuava a agir de forma tímida e pedia mais investigação sobre as cumplicidades políticas e económicas que permitiram à filha primogénita de José Eduardo dos Santos ser tão bem recebida em Portugal e acumular o seu vasto património.

Em causa, afirmou, estavam “as responsabilidades não só de Isabel dos Santos, mas de toda esta rede que a ajudou a montar todo este império e que continua provavelmente activa no apoio a outras altas figuras do Estado angolano”, também elas com fortunas de origem suspeita ou desconhecida e que continuam a fazer negócios e a trazer para Portugal muita riqueza acumulada de forma suspeita.

Também a plataforma Projecto de Investigação ao Crime Organizado e Corrupção (OCCRP, sigla em inglês), revelou que mais de uma dezena de entidades de influência da elite angolana e seus familiares usaram o sistema bancário para desviar centenas de milhões de dólares para fora do país, incluindo companhias alegadamente associadas a Isabel dos Santos.

Folha 8 com Lusa

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