O Cedesa, organização internacional sediada em Lisboa e dedicada ao estudo e investigação de temas políticos e económicos da África Austral, em especial de Angola, defende que a modernização das Forças Armadas Angolanas (FAA) “é fundamental”, face a “um incremento das ameaças” ao país que colocam “exigentes desafios” às forças de defesa da soberania do Estado.
“Uma política de modernização das FAA em termos de equipamento, treino e prontidão/manutenção é fundamental”, afirma o grupo de académicos, argumentando que na actualidade “há um incremento das ameaças externas pós 2002, não assumindo os contornos dramáticos dos anos a seguir à independência, mas colocando exigentes desafios às forças de defesa da soberania, integridade territorial e ordem pública nacional”.
Após 2002, ano em que terminou a guerra entre as forças do Governo, liderado pelo MPLA e que contou com o decisivo apoio de antigos generais de Jonas Savimbi, e as tropas da UNITA, o maior partido da oposição que, hoje, o MPLA ainda permite, “as ameaças que se colocaram a Angola diminuíram, embora muitas permanecessem latentes e outras surgissem, como as ligadas à captura do Estado e a corrupção”.
A modernização das FAA “tem um vector qualitativo, que deve ser definido pelos especialistas na área e envolver a prontidão das Forças Armadas, a sua capacidade de implantação e níveis de sustentabilidade, bem como a qualidade da força que pode exercer”, refere o Cedesa.
Contudo, o grupo de académicos sublinha que o relatório debruça-se apenas sobre “o quantitativo”, apresentando uma sugestão “muito simples já adoptada pelos países da Organização do Tratado do Atlântico Norte (NATO), que é a de situar as despesas com a defesa na ordem dos 2% do Produto Interno Bruto”.
“Este não é um número mágico e pode ser objecto de muitas críticas, mas representa um parâmetro objectivo e quantificável, e na verdade confere ao poder político um instrumento mensurável para atingir, o que pode ser um avanço nas políticas de boa governação e transparência que se pretendem implementar em Angola”, dizem.
Isto, presume-se, se o governo do MPLA (no Poder há 46 anos, estiver mesmo interessado “nas políticas de boa governação e transparência” e não apenas na sua manutenção no Poder com o apoio “sine qua non” não conseguiria dos militares.
Porém, o Orçamento Geral do Estado angolno para 2022, segundo o Cedesa “ainda não reflecte totalmente essas necessidades”.
“Se repararmos, de 2021 para 2022 há um incremento nominal dos gastos de defesa de 19,7%”, afirma. Mas, “basta pensar que a inflação oficial se situa na ordem dos 27% em 2021, para se perceber que em termos reais o dispêndio com a defesa diminui, levando provavelmente a cortes na esfera militar”, sublinha, acrescentando que “os gastos com a defesa equivalem a 1,4% do PIB”.
Quanto às ameaças para Angola, o Cedesa diz que, a nível interno, “vislumbra-se o reacender das tentativas separatistas, quer nas Lundas, quer em Cabinda, que poderão ser rastilho para outras iniciativas”.
Estranha-se que o Cedesa fale, no caso de Cabinda, de “reacender” (voltar a acender) quando de facto é um conflito que nunca deixou de estar aceso, por muito que apagá-lo dê jeito a alguns analistas e, necessariamente, ao MPLA.
Assim, há “um dever constitucional de combater qualquer tentativa de secessão territorial” (dever constitucional que – pelos visos – anula a verdade, a história, e os acordos) além deste “também é fácil de perceber que qualquer separação ou desligamento de Cabinda face a Angola teria um efeito desagregador do país, que como se sabe, historicamente, é uma construção recente e em progresso”, sublinha.
Tivessem os indonésios recorridos a um qualquer Cedesa da altura e, se calhar, ainda hoje Timor-Leste seria “constitucionalmente” uma província da Indonésia. Ou Salazar/Caetano feito o mesmo e “constitucionalmente” Angola seria ainda hoje uma província de Portugal…
Depois, há uma segunda ameaça a nível interno, ligada à “captura do Estado e combate à corrupção”, refere-se a análise do Cedesa.
“A opção do poder político foi entregar o combate à corrupção aos meios judiciais comuns, portanto, tal não é uma função das FAA, mas das forças policiais, de investigação criminal e magistraturas”, recorda. Isto, é claro, do ponto de vista constitucional, já que na realidade o combate à corrupção está a ser uma falácia, a não ser que mudar de corruptos seja uma forma de combater a corrupção.
“Esta é uma linha difícil de traçar para a actuação dos militares, pelo que a postura aqui deve ser entendida como de vigilância e simbólica de suporte à actividade das forças policiais e não de intervenção directa”, conclui o Cedesa.
Além das ameaças internas, há as ameaças externas, “variadas, que têm de ser elencadas e aumentaram nos últimos anos, obrigando a uma especial atenção das FAA”, refere o Cedesa.
Entre estas últimas, o Cedesa destaca a instabilidade em países vizinhos de Angola, designadamente na RD Congo, o alastramento do terrorismo, “designado como o islâmico”, o crime e pirataria marítima, o aumento da concorrência entre as potências mundiais com interesses em bens africanos.
Neste contexto, “facilmente se compreende que este tempo é de grande exigência para as FAA, que podem ser novamente chamadas a desempenhar funções de sobrevivência nacional”, conclui o Cedesa.
Os analistas consideram, no entanto, que “as Forças Armadas de Angola têm material obsoleto e não modernizado, falta de manutenção do equipamento e impreparação de alguns quadros para actividades específicas”.
“Tal torna, obviamente, importante a intervenção nas FAA no sentido de aumentar o seu orçamento e elevar a sua capacidade operacional face aos desafios”, acrescenta.
Regime dá milhões aos que têm farda e armas
Em Junho de 2017, o Ministério da Defesa Nacional, liderado pelo general João Lourenço (na altura cabeça-de-lista do MPLA, partido no poder desde 1975), recebeu 285 milhões de euros de fundos públicos para garantir o programa de apetrechamento das FAA.
A decisão constava de um decreto presidencial de 7 de Junho, autorizando a atribuição de um crédito adicional no Orçamento Geral do Estado (OGE) de 2017 para o “suporte dos encargos relacionados com o Programa de Potenciação e Apetrechamento Técnico Militar das Forças Armadas Angolanas”.
Os três ramos das FAA contam com mais de 100.000 militares, sector que representava 7,24% de todas as despesas do Estado previstas no OGE de 2017, equivalentes a 535.128 milhões de kwanzas (2,8 mil milhões de euros).
As FAA tinham em curso contratos de aquisição de helicópteros à Itália e aviões à Rússia, mas pretendiam ainda avançar com o reequipamento da Marinha, com a aquisição de novos navios de patrulhamento das águas nacionais.
A Força Aérea Nacional (FAN) continuará a cumprir com zelo e dedicação todas as missões que lhe forem atribuídas, quer no âmbito operacional, quer no quadro social, humanitário e político, apesar das dificuldades com que ainda se confronta o país, afirmou em Janeiro de 2017 João Lourenço, ministro da Defesa Nacional e na altura já apontado como sucessor de José Eduardo dos Santos.
Numa mensagem alusiva ao 41º aniversário da FAN, o governante disse ter essa plena convicção, como aconteceu no apoio da Força Aérea ao Processo de Registo Eleitoral, para as eleições de 2017.
João Lourenço exortou os efectivos da Força Aérea Nacional a cumprirem com vigilância, disciplina e prontidão a sua missão de garantir a inviolabilidade do espaço aéreo, na defesa e salvaguarda dos interesses e da soberania nacional.
Afirmou também que a comemoração da efeméride acontecia numa altura em que a FAN estava a apetrechar-se com meios técnicos mais modernos e a capacitar o nível dos seus quadros, para o cumprimento cada vez mais eficaz e eficiente das missões que lhe são confiadas.
O general João Lourenço disse estar orgulhoso com a “brilhante história da Força Aérea Nacional, cujos efectivos das mais diversas gerações, com empenho e elevado sentido patriótico e de missão, sempre defenderam os mais legítimos interesses da República de Angola”.
A Força Aérea Nacional foi criada a 21 de Janeiro de 1976, pelo primeiro Presidente da República, António Agostinho Neto, aquando da sua visita à Base Aérea de Luanda.
Se dúvidas existissem sobre a democracia que não existe em Angola, 46 anos depois da independência, ou sobre o Estado de Direito que Angola não é, bastava ver dois inequívocos exemplos dessa altura: Comandante da Polícia Nacional e Chefe do Estado Maior das Forças Armadas.
Comecemos por Ambrósio de Lemos. O comandante da Polícia Nacional do regime criticou o “pronunciamento leviano” do líder UNITA quando, em 2012, este pediu o adiamento das eleições gerais, dizendo que a Polícia Nacional estava pronta para responder a essa “ameaça” (“ameaça” foi o termo usado) e garantir a votação.
Ou seja, aquilo a que se chama erradamente Polícia Nacional de Angola era e é, de facto, a Polícia Nacional do MPLA. Mas, como é óbvio, nada disso incomodou a CNE (Comissão Nacional de Eleições), muito menos os observadores eleitorais e ainda menos a comunidade internacional.
Em conferência de imprensa em Luanda, Ambrósio de Lemos afirmou – recorde-se por muito que isso custe aos donos do país – que a Polícia Nacional “não vai permitir que haja perturbações em função dessa ameaça” às eleições gerais, garantindo a defesa até às “últimas consequências” do Governo e do seu líder.
Dúvidas? O comandante da dita Polícia Nacional de Angola garantia, sem papas na língua e perante a passividade de todos nós, que iria defender até às “últimas consequências” o Governo e o seu líder, José Eduardo dos Santos, então candidato do MPLA.
“Somos uma instituição do Governo e a polícia vai defender este Governo até às últimas consequências e muito especialmente o seu líder, porque é um Presidente que está aqui, e não podemos permitir que qualquer pessoa de forma leviana desafie e insulte a mais alta entidade deste país”, declarou o comandante nacional da Polícia.
Ora tomem! A Polícia Nacional de Angola não é uma instituição do país mas, isso sim, “uma instituição do Governo”.
Isaías Samakuva, então líder da UNITA, anunciara o desejo de um encontro com o presidente do partido no poder, José Eduardo dos Santos, para discutir o adiamento das eleições, em resultado de alegadas irregularidades, não se responsabilizando pelas consequências caso o diálogo fosse recusado.
Para Ambrósio de Lemos, assumido (como todos) funcionário do MPLA nas funções de comandante da Polícia, o pronunciamento do líder do maior partido de oposição foi “leviano” e levou-o a questionar o motivo pelo qual a UNITA aceitou anteriormente a data da realização das eleições e a participação na campanha eleitoral.
“Porque fizeram a campanha eleitoral? É uma pergunta que se pode fazer. A campanha eleitoral teve lugar em todo o país e esse senhor terminou-a com esse pronunciamento”, disse o comandante da Polícia Nacional (do MPLA), acrescentando que, “naturalmente, quem de direito irá dar resposta a isso”.
A Polícia Nacional, garantiu, “está pronta e prestará serviços específicos nesta quadra para dar resposta a todos os desafios que atentem contra a estabilidade e a materialização das eleições” e apelou “a todas as formações políticas para que os seus militantes e simpatizantes observem as leis, normas e regulamentos estabelecidos”.
“Os pronunciamentos de incitamento à desordem devem ser banidos de qualquer um dos políticos envolvidos neste processo eleitoral”, disse Ambrósio de Lemos, insistindo que, em caso da perturbação da ordem, a sua força não irá esperar para dar “uma resposta para o imediato restabelecimento da segurança pública”.
O regime do MPLA é, de facto e de jure, um exemplo de tudo quanto contraria a democracia. Não deixa, contudo, de satisfazer as verdadeiras democracias para quem é melhor, muito melhor, negociar com ditaduras.
Em alguma democracia séria, em algum Estado de Direito, se vê o Chefe do Estado Maior das Forças Armadas dizer, em plena campanha eleitoral, que um dos candidatos – mesmo que seja o presidente da República – marcou a sua postura “por momentos de sacrifício e glória”, permitindo “a Angola preservar a independência e soberania nacionais, a consolidação da paz, o aprofundamento da democracia, a unidade e reconciliação entre os angolanos, a reconstrução do país, bem como a estabilidade em África e em particular nas regiões Austral e Central do continente”?
Não. Nas democracias sérias é impossível o Chefe do Estado Maior das Forças Armadas ter manifestações públicas deste género, tomando partido por um dos candidatos. Em democracia, os militares são apartidários.
Mas como Angola não é uma democracia, muito menos um Estado de Direito, o então Chefe Estado Maior das Forças Armadas, general Geraldo Sachipengo Nunda, resolveu na mesma altura do seu camarada Ambrósio de Lemos fazer campanha em prol de um dos candidatos, no caso – obviamente – José Eduardo dos Santos.
Recorde-se que Geraldo Sachipengo Nunda foi um dos militares que comandaram a caça, e posterior morte em combate, a Jonas Savimbi. Nunda foi, aliás, um dos generais das FALA (Forças Armadas de Libertação de Angola) a quem Savimbi ensinou tudo e que, por um prato de lagostas, o traiu.
Geraldo Nunda também disse que com a promulgação e entrada em vigor da Constituição da República de Angola “o país entrou numa nova etapa histórica do seu desenvolvimento”. Referia-se, recorde-se, à Constituição que aboliu a eleição presidencial.
É, aliás, admirável a forma como os militares angolanos estão sempre a falar da necessidade da preservação da paz, da Constituição e do culto a quem for o Patrão.
“A reconstrução nacional tem permitido a normalização da vida em todo o território nacional”, disse Geraldo Sachipengo Nunda, acrescentando que existem sinais visíveis de um país que renasce após longos anos de guerra.
Que a guerra em Angola, como qualquer outra, deu cabo do país é uma verdade incontestável. Também é verdade que o país está a crescer, embora esse crescimento só esteja a ser feito para um dos lados (para aquele que está com o regime).
Ainda hoje muitos angolanos perguntam se Geraldo Sachipengo Nunda (actual embaixador no Reino Unido) se esqueceu da Angola profunda, daquela onde o povo, o seu povo, continua a ser gerado com fome, a nascer com fome e a morrer pouco depois com fome?
Folha 8 com Lusa